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Lições da crise
Especialistas apontam o que o mercado de capitais brasileiro pode aprender com os erros cometidos lá fora

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Falar da crise financeira é quase como discutir um problema alheio ao Brasil. As principais autoridades no assunto costumam enfatizar que o terremoto nos atingiu muito mais por causa das pontes erguidas pela globalização, do que por fissuras internas. As sementes da destruição foram germinadas no centro do capitalismo; ao contrário de outros abalos, que partiram de México, Rússia, sudeste asiático e Brasil para assombrar os mais ricos. A posição privilegiada do País brilhou recentemente, quando a Bovespa confirmou a curva ascendente, e a atenção de investidores estrangeiros se deslocou para o gigante da América Latina. Sinal de que não há nada para ser resolvido? Para os especialistas que participaram do café da manhã promovido pela CAPITAL ABERTO sobre as lições deixadas pela crise, no dia 21 de maio, vale a pena revisar algumas práticas propulsoras de riscos.

“Nos últimos 10, 15 anos, enquanto os Estados Unidos e a Europa, principalmente o Reino Unido, caminhavam para a desregulamentação dos mercados financeiros, o Brasil percorreu uma via inversa, de maior regulação, porque precisava se mostrar confiável para atrair investidores”, lembrou Otávio Yazbek, diretor da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), durante o café da manhã. Isso ajudou a proteger as bases nacionais das catástrofes que viriam adiante. Não que tenhamos escapado da maior recessão internacional desde a Grande Depressão, da primeira metade do século 20. Mas é fato que os impactos locais são, em boa medida, efeitos diretos da conjuntura externa. Exemplos gritantes disso foram os prejuízos com derivativos cambiais sofridos por companhias abertas, como Aracruz, Sadia e Vicunha Têxtil, e várias empresas fechadas.

Não fossem a fuga de dólares do País e a repentina depreciação do real, no calor da crise, as perdas com os instrumentos de “hedge” teriam sido bem menores. Quiçá, teriam permanecido como remotas probabilidades estatísticas. Não se pode recriminar o uso dos derivativos para seus fins primordiais de proteção. A oscilação desses produtos faz parte da natureza do mercado. “O problema está no papel que os derivativos assumiram nas empresas”, ponderou Yazbek. Em princípio, a função deles não é financiar ou gerar receitas para instituições não-financeiras. Na opinião do diretor executivo de desenvolvimento e fomento de negócios da BM&FBovespa, Paulo Oliveira, os prejuízos ocorreram por falta de conhecimento das empresas em lidar com essas ferramentas. Segundo ele, a Bolsa pode contribuir para a disseminação da educação financeira, oferecendo sua tecnologia para as empresas calcularem riscos e fazerem a marcação a mercado, por exemplo.

RISCO IGNORADO — “As pessoas se esquecem de que o Value at Risk (VAR) reflete condições normais de confiança. Depois de cinco anos de tranquilidade, acham que aquilo é definitivo, como confiança de físico”, satirizou o economista Antonio Carlos Rocca, coordenador do Plano Diretor do Mercado de Capitais e sócio da consultoria Risk Office. Por mais que as tesourarias das S.As. careçam da capacidade técnica dos bancos, simplesmente atribuir os erros cometidos com derivativos à desinformação é insuficiente para explicar os abusos. “De modo geral, os produtos foram vendidos a empresas sofisticadas, com administração financeira competente”, destacou Alexandre Barreto, sócio do escritório Souza, Cescon Avedissian, Barrieu e Flesch Advogados.

A transparência sobre os instrumentos financeiros utilizados pelas companhias também é salutar, tanto que a regulamentação da lei contábil, a 11.638, reforçou esse aspecto. “Se houvesse destaque para quanto do patrimônio fica exposto aos contratos, talvez os exageros não ocorressem”, observou Marcelo Giufrida, presidente da Associação Nacional dos Bancos de Investimento (Anbid).

Os episódios dos derivativos serviram para mostrar deficiências nos processos de gestão de riscos das companhias

Os episódios dos derivativos serviram para mostrar deficiências nos processos de gestão de riscos. “No Brasil, a cultura de gestão de riscos é muito nova”, avaliou Rocca. Nesse sentido, cabe questionar a atuação dos conselhos de administração, das diretorias e das gerências. Os sistemas de alçadas para as tomadas de decisão não devem se restringir a meras formalidades no papel. Para Yazbek, deve haver controles sobre a eficácia dessas estruturas e o respeito às normas internas. Como saber se todas as operações estão sendo aprovadas por quem tem o poder de autorizá-las? Rocca sugere o monitoramento em tempo real do encaminhamento de decisões que envolvam riscos. Afinal, as empresas necessitam estar preparadas para quando o pior dos mundos acontecer. Mais cedo ou mais tarde, o cenário mais improvável pode se tornar real.

Dentre os inúmeros elementos apontados como detonadores da crise, um dos mais polêmicos é a remuneração dos administradores de companhias abertas. Para os debatedores do café da manhã, é difícil relacionar esse tema com o Brasil. Os questionamentos que surgiram na comunidade internacional alvejaram dirigentes de instituições financeiras, onde os pacotes de remuneração variável tradicionalmente são mais agressivos. Obcecados pelos bônus de curto prazo, os executivos teriam arriscado ao máximo os negócios das organizações para também maximizar os resultados. Realmente, isso parece não ter ocorrido no País, sede de bancos sólidos, elogiados mundo afora. No entanto, a crise serviu para evidenciar em que medida o descasamento de interesses entre empregados, voltados ao curto prazo, e acionistas, preocupados com a perenidade, pode ser desastroso.

Para tocar nesse ponto, Yazbek mais uma vez lançou mão do exemplo dos derivativos. “Já que as tesourarias ganharam papel destacado na geração de caixa das companhias, será que os incentivos dos gestores dessa área devem ser iguais aos dos demais?”, questionou. A CVM quer tirar o assunto da caixa-preta, ao propor uma regra que exigirá maior transparência sobre as estruturas de incentivos adotadas pelas empresas. Nenhum dos palestrantes discordou da necessidade do aumento de disclosure. Esse passo vai ser dado após a atualização da Instrução 202 da CVM, que versa sobre as informações que toda S.A. aberta deve prestar. A dúvida é se seria apropriado divulgar os ganhos de cada administrador, assim como acontece nos mercados desenvolvidos. De acordo com Paulo Oliveira, é importante informar a “mecânica da distribuição dos resultados, numa direção que a BM&FBovespa já seguiu.” Ele descarta a abertura dos dados individuais. “Isso não ajuda, necessariamente, o acionista a fazer uma avaliação.”

A crise evidenciou que o descasamento de interesses entre empregados, que buscam o curto prazo, e acionistas, preocupados com a perenidade, pode ser desastroso

INVESTIDOR (IR)RESPONSÁVEL — O comportamento do investidor foi lembrado pelos especialistas. Muitas vezes, foram os acionistas que preferiram conceder os estímulos errados, em busca de retornos rápidos. As pressões por alta nas ações e superação da concorrência podem ter levado empresas a ultrapassarem margens de segurança. Numa época em que o crédito era farto e a alavancagem era a lei, ninguém ousaria reclamar disso. A boa governança, de fato, foi relegada ao segundo plano, diz Paulo Oliveira. Agora, a BM&FBovespa procura “levantar a régua” na reforma do Novo Mercado, ciente de que há espaço para melhorias. Empresas conseguiram captar na Bolsa, mesmo não tendo comprometimento real com as necessidades e as obrigações de uma companhia repleta de acionistas.

Yazbek enumera mais alguns aprendizados. “Importar” soluções de mercado, não custa repetir, pode sair bem mais caro que a encomenda. Polêmicas sobre a prática do “short selling”, de venda a descoberto, não brotaram aqui e, portanto, não requerem medidas restritivas como as adotadas lá fora. Da mesma forma, os chamados “ativos tóxicos”, ainda bem, são desconhecidos de terras brasileiras. “É bom pensarmos nos nossos problemas”, disse o diretor da CVM. Ele citou o esforço da autarquia em aprimorar a fiscalização de agentes autônomos e clubes de investimento — esse, sim, um terreno em que temos necessidade de evoluir, na sua opinião. Quando mal reguladas, essas duas figuras podem colocar em risco a integridade financeira de pequenos investidores, principalmente nos períodos de euforia, sempre propícios a acobertar falhas graves.


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