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Um caminho para a leniência
Falta de alcance penal não inviabiliza o instrumento no BC e na CVM
, Um caminho para a leniência, Capital Aberto

Larissa Arruy*/ Ilustração: Julia Padula

A possibilidade de celebração de acordos de leniência[1] pelo Banco Central (BC) e pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) no âmbito de processos administrativos sancionadores é objeto de debates há quase um ano, desde a edição da Medida Provisória (MP) 784, em junho de 2017. Muito se discutiu a respeito dos efeitos desses acordos em outras esferas, particularmente na penal. De um lado, questionava-se um eventual esvaziamento das competências do Ministério Público e do Judiciário para a persecução penal e o julgamento de crimes relacionados aos mercados financeiro e de capitais. De outro, defendia-se que a ausência de efeitos em esfera penal acabaria por esvaziar o instituto.

A controvérsia foi endereçada no texto da Lei 13.506/17, que substituiu a MP 784 após o decurso de seu prazo de vigência e estabeleceu, expressamente, que o acordo celebrado pelo BC e pela CVM não afeta a atuação do Ministério Público e dos demais órgãos públicos em suas correspondentes competências[2].

Tornou-se recorrente a comparação desse tipo de acordo com os institutos previstos na Lei 12.529/11 (Lei de Defesa da Concorrência) — aplicáveis às infrações à ordem econômica sob a competência do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) — e na Lei 12.846/13 (Lei Anticorrupção), diploma que dispõe sobre os atos contra a administração pública, particularmente no que se refere a efetividade e segurança jurídica. O primeiro é considerado um instrumento bem estruturado e eficaz, enquanto o segundo é objeto de críticas recorrentes.

A Lei de Defesa da Concorrência conferiu competência exclusiva ao Cade para a negociação de acordos de leniência. Já na Lei Anticorrupção, a competência é atribuída à autoridade máxima de cada órgão ou entidade pública — daí decorre o primeiro elemento para questionamento de sua eficácia e segurança: na esfera federal, essa competência acaba por ser compartilhada entre essa autoridade, o Ministério Público Federal e a Controladoria Geral da União. A negociação dos acordos previstos na Lei 13.506/17, por sua vez, compete exclusivamente ao BC e à CVM, cada qual em sua respectiva esfera de atuação.

No que se refere aos efeitos da leniência para o beneficiário, a Lei de Defesa da Concorrência determina que o acordo poderá resultar na extinção da ação punitiva ou na redução de um terço a dois terços da penalidade aplicável, benefícios similares aos adotados para os acordos da Lei 13.506/17[3]. Já a Lei Anticorrupção prevê a redução de até dois terços da multa e a não aplicação das penalidades de publicação da decisão condenatória e de proibição ao recebimento de determinados valores de órgãos e entidades públicas, mas difere das demais ao não prever redução mínima da pena de multa.

Existem ainda outras similaridades entre o instituto atribuído ao BC e à CVM e aquele disponível para o Cade. Exemplos são a obrigatoriedade de confissão do ato ilícito, a necessidade de cessão da prática e a inexistência de efeitos na esfera cível (mantendo-se a possibilidade de ser requerida a reparação do dano). Esses elementos também estão previstos na Lei Anticorrupção, sendo comuns aos três tipos de acordo.

Nota-se, portanto, que a estrutura do acordo de leniência disponível para o BC e a CVM em muito se assemelha ao usado pelo Cade, ainda que os dispositivos divirjam em relação aos efeitos em esfera penal, expressamente previstos na Lei de Defesa da Concorrência[4], mas não na Lei 13.506/17.

Não nos parece, contudo, que essa diferença bastaria para representar um indicativo da inviabilidade do instrumento criado pela Lei 13.506/17. Isso porque, enquanto as infrações à ordem econômica previstas na Lei de Defesa da Concorrência tendem a ser também condutas tipificadas como crime[5], há um extenso rol de infrações exclusivamente administrativas cuja apuração compete ao BC e à CVM, com previsão de penalidade bastante gravosa, especialmente após a edição da Lei 13.506/17. Tem-se aí uma seara em que os acordos poderiam não apenas existir, mas mostrar-se um instrumento bastante efetivo para reguladores e regulados, ao que consideramos prematuro prever seu grau de sucesso neste momento.

Por outro lado, restam claros os benefícios de se ampliar os instrumentos disponíveis aos reguladores para assegurar o bom funcionamento dos mercados financeiro e de capitais — razão pela qual, ao menos por enquanto, tendemos a olhar para as mudanças estabelecidas pela Lei 13.506/17, inclusive no que se refere ao acordo de leniência, como um copo meio cheio.


*Larissa Arruy é sócia do escritório Mattos Filho

[1] A nomenclatura correta do instituto, nos termos do artigo 30 da Lei 13.506/17, é “acordo administrativo em processo de supervisão”. Contudo, utilizaremos a expressão “acordo de leniência” para facilitar a compreensão do conceito e sua comparação com mecanismos similares previstos em outros normativos.

[2] Artigo 30, §6º da Lei 13.506/17

[3] Note-se que, no Cade, o acordo está disponível apenas para o primeiro que se qualificar para reportar uma infração, enquanto no BC e na CVM o acordo poderá ser firmado com outros investigados de uma mesma infração, mas com uma redução menor da pena.

[4] Segundo o artigo 87 da Lei 12.529/11, a celebração de acordo de leniência determina a suspensão do curso do prazo prescricional e impede o oferecimento da denúncia por crimes contra a ordem econômica com relação ao beneficiário da leniência. Uma vez cumprido o acordo, extingue-se automaticamente a punibilidade dos crimes.

[5] Vide crimes previstos na Lei 8.137/90.


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