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Solução europeia pode aprimorar OPAs no Brasil
Ana Novaes*

Ana Novaes*

Uma das mudanças mais controvertidas na nova revisão do regulamento do Novo Mercado proposta pela BM&FBovespa é a exigência de que a aquisição voluntária de participação acionária acima de 30% do capital social obrigue o adquirente a fazer oferta pública de aquisição de ações (OPA) para os demais acionistas, pelo maior preço pago por ele nos 12 meses anteriores à data em que o percentual foi atingido.

A obrigação de se efetivar a OPA não se aplica quando remanescer outro acionista titular de mais de 30% do capital social ou quando a aquisição decorrer de fusão, incorporação ou incorporação de ações envolvendo a companhia — ou, ainda, quando a aquisição for resultado de OPA que tenha por objeto todas as ações da companhia e que tenha sido feita pelo preço máximo pago nos 12 meses anteriores pelo adquirente. Observe-se que a minuta menciona a dispensa quando “remanescer outro acionista titular de mais de 30% do capital social da companhia”. Não está claro se essa hipótese também se aplica a casos em que há controle compartilhado sob acordo de acionistas, mas a interpretação teleológica indicaria que sim.

A proposta é especialmente relevante para as companhias com estrutura de capital pulverizada (sem um acionista ou grupo de acionistas que, isolada ou conjuntamente, detenha mais de 50% das ações com direito a voto). Hoje há cerca de 50 companhias sem controle definido no Novo Mercado.

À medida que mais recursos são delas exigidos, é de se esperar que o fenômeno da dispersão do controle passe a ser cada vez mais comum no País. A proposta da BM&FBovespa é, portanto, oportuna.

A Lei das S.As. é de 1976, época em que predominava o controle familiar e definido (pelo menos 50% mais 1 das ações com direito a voto). A proposta da BM&FBovespa preenche uma lacuna legal: afinal, a Lei das S.As. prevê o pagamento ao acionista minoritário de 80% do preço recebido pelo controlador quando este aliena o controle, mas não tem dispositivo para o caso em que o controle de fato é adquirido no mercado.

Diante dessa realidade, a Bolsa escolheu o padrão da Diretiva Europeia 2004/25, segundo a qual a aquisição de certo percentual do capital social de uma companhia presume o seu controle. A maioria dos países da Comunidade Europeia (CE) estabeleceu esse patamar em 30%. Assim, se um ou mais acionistas adquire 30% de uma companhia, deve estender a oferta aos demais acionistas pelo maior preço pago por ele em um certo período. Um dos principais objetivos é a proteção dos minoritários, tratando-os de forma isonômica e permitindo que também participem do prêmio de controle quando há tentativa de tomada de controle.

Entre os efeitos colaterais da proteção está a influência negativa no mercado de tomada de controle, por elevar custos para o adquirente. A regra ainda incentiva o acionista ou grupo de controle remanescente a não deixar sua participação cair abaixo do número mágico de 30%. É importante lembrar que a diretiva introduziu, em contrapartida, mecanismos favoráveis ao mercado de tomada de controle. Por exemplo, os conselhos de administração devem se manter neutros, sem dificultar a tomada de controle, bem como a permissão da alienação compulsória (squeeze out) pelos acionistas minoritários em determinadas circunstâncias.

A aplicação prática da proposta da BM&FBovespa trará discussões que só o tempo resolverá, a saber:

O art. 43 da minuta obriga o “o adquirente” a fazer a OPA. Não está claro o que ocorreria se houvesse não “o adquirente”, mas um grupo de adquirentes legalmente não relacionados entre si, mas que podem agir com um mesmo interesse, pelo menos momentaneamente.

O que ocorreria se, após adquirir certo percentual — digamos, 29% — o(s) adquirente(s), sob a incerteza do real controle, resolvesse(m) comprar mais ações passado algum tempo — 18 meses, por exemplo?

E se houvesse aumento de capital benéfico à companhia, no qual o adquirente terminasse com 30% do capital social?

Na CE há exceções à regra da OPA obrigatória por aquisição relevante — uma delas é justamente a terceira questão mencionada. De forma semelhante, a proposta da BM&FBovespa prevê a possibilidade de a assembleia geral dispensar a realização da OPA. Contudo, interesses diversos e dispersos podem não coincidir com o melhor interesse da companhia em uma assembleia. Imagine-se uma companhia em situação financeira difícil — em recuperação judicial ou em vias de pedi-la. Será que a simples dispensa da OPA não seria mais efetiva para a companhia e para a economia brasileira que a sujeição à decisão de uma assembleia geral segundo a regra prevista pela BM&FBovespa?

O debate e o esclarecimento sobre a experiência europeia¹ são muito bem-vindos. A sugestão da Bolsa, por sua vez, vem suprir uma lacuna da legislação. Esperamos que a proposta final consiga de fato aprimorar o mercado acionário
brasileiro.


¹ Ver relatório preparado em 2012 por Christophe Clerc, Fabrice Demarigny, Diego Valiante e Mirzha de Manuel Aramendía sob encomenda da CE. Disponível aqui.


*Ana Novaes ([email protected]) CFA, membro do advocacy committee da CFA Society Brazil. As opiniões aqui expressas não devem se confundir com aquelas das entidades em que a autora serve como conselheira


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