Sem distinção
Insider secundário pode ser punido na esfera penal, e não apenas no âmbito administrativo
Miguel Müssnich*

Miguel Müssnich*

Editada em junho, a MP 784 propõe mudanças na redação de trechos da Lei 6.385/76, com o objetivo de uniformizar o entendimento de que o insider secundário é um crime contra o mercado de capitais e, portanto, pode ser responsabilizado na esfera penal. A iniciativa é louvável, mas vale destacar que já houve decisão sobre essa questão no Poder Judiciário.

No final do ano passado, a Justiça Federal da Seção Judiciária de Porto Alegre julgou o caso Mundial, que imediatamente obteve notoriedade por representar a primeira condenação relativa ao crime de manipulação de mercado de capitais imposta pelo Poder Judiciário. Entretanto, importante destacar que também foi a primeira decisão para punição do chamado insider secundário na esfera penal.

O caso Mundial versa sobre a realização de operações fraudulentas na bolsa de valores e o uso indevido de informação privilegiada. No tocante a esse crime, a sentença condenou o diretor de relações com investidores e um corretor de valores mobiliários, pela prática de insider trading, ao cumprimento de pena de um ano e três meses de reclusão — substituindo a pena privativa de liberdade por restritiva de direitos. O fundamento: o diretor teria repassado ao corretor informações privilegiadas sobre redução de dívidas fiscais da empresa e resultados financeiros, que não haviam sido divulgadas ao mercado.

Primeiramente, é fundamental esclarecer que o crime de uso indevido de informação privilegiada, previsto no art. 27-D da Lei 6.385/76, acabou por dar maior ênfase ao detentor dos deveres de lealdade à companhia e sigilo da informação, ou seja, ao administrador ou representante legal da companhia ou da instituição financeira. Os titulares desses deveres “fiduciários” (assim chamados por causa do grau de fidúcia, ou confiança, exigido) têm a obrigação de zelar pela manutenção do sigilo de todas as informações — seja aquele denominado insider primário ou tipper, no direito americano (aquele responsável por repassar a “tip”, a dica), ou, ainda, o temporary insider, que detém temporariamente o dever de sigilo em razão da profissão que exerce, como precisamente na situação do advogado ou do auditor externo independente.

Dispondo de maneira diversa do tipo penal, o art. 13 da Instrução 358 da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que disciplina a infração em nível administrativo, veda a negociação de valores mobiliários por qualquer pessoa que tiver acesso a uma informação relevante não divulgada ao mercado. A infração administrativa não centraliza sua punição nos administradores que violam os fiduciary duties, mas igualmente atinge qualquer indivíduo que tenha acesso a informação relevante e sigilosa e negocie valores mobiliários com base nesses dados.

A questão central é saber se o corretor — classificado como insider secundário ou tippee (o indivíduo que recebe a informação relevante em razão da profissão que exerce) — poderia ser penalmente responsabilizado, uma vez que não tem o dever, legal ou estatutário, de guardar o sigilo sobre a questão.

Foi no próprio caso Mundial que a 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), no recurso em habeas corpus nº 46.315, por unanimidade, decidiu pela possibilidade de responsabilização do insider secundário.

Nesse sentido, a sentença, com respaldo no mencionado precedente do STJ, parece ter solucionado eventual dúvida que existia quanto à imputação penal da figura do insider secundário, ao sustentar que o crime de uso indevido de informação privilegiada é classificado como delito de infração de dever — em outras palavras, um crime no qual será autor do fato ilícito o sujeito que infringir o dever que lhe foi incumbido. Assim, reconheceu que o tippee pode ser responsabilizado na esfera penal como partícipe ou coautor e desde que tenha praticado o delito com o insider primário, o detentor do dever.

O ponto relevante dessa decisão, portanto, é a possibilidade de responsabilização do insider secundário também na esfera criminal, e não apenas no âmbito administrativo. Assim, mesmo quem não detém o dever de sigilo da companhia pode responder criminalmente pela prática de insider trading. Embora o processo esteja em grau recursal e esse entendimento não seja unânime, essa nova orientação judiciária deve, hora em diante, estar no radar dos administradores e representantes legais de companhias e de instituições financeiras.


*Miguel Müssnich ([email protected]) é advogado criminalista


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