Primeiras flechas
Investidores americanos preparam ações de ressarcimento contra JBS. E os brasileiros?
Ilustração: Rodrigo Auada

Ilustração: Rodrigo Auada

“Se o que eu fizer sair em um jornal ou na televisão, ficarei orgulhoso de minhas ações?” Essa é a reflexão que o manual de conduta e ética da JBS sugere aos funcionários sempre que esbarrarem em possíveis conflitos. Lançado em março do ano passado, o documento de 19 páginas é simples e direto. “É expressamente proibida a realização de pagamentos indevidos em toda e qualquer transação de negócios, em qualquer país, a agentes de governo e ao setor privado, incluindo taxas de facilitação”, diz o capítulo dedicado às práticas anticorrupção. Outro trecho afirma: “Mantemos registros comerciais, contas, livros e contratos exatos para garantir que reflitam corretamente a natureza das transações e dos pagamentos”. O conjunto de recomendações de boas práticas mais parece uma piada de mau gosto diante do noticiário recente — a partir de 17 de maio tornaram-se públicas as revelações de Joesley e Wesley Batista, controladores da JBS, a respeito do largo histórico de práticas de corrupção da companhia. Agora, essas mesmas revelações servirão de munição para uma série de contestações que ameaçam alvejar o maior frigorífico do mundo.

Nos Estados Unidos, ao menos 11 escritórios de advocacia abriram chamados para atrair detentores de ADRs (recibos de ações) dispostos a buscar ressarcimento coletivo no Judiciário americano por meio de class actions. Entre eles estão nomes já familiares no Brasil, como o Pomerantz, líder da ação coletiva contra a Petrobras. Mais um que está disposto a representar investidores lesados é o Rosen Law. Em comunicado, o escritório esclarece que os controladores da JBS violaram as leis ao dar declarações públicas enganosas e revelar que subornaram autoridades, além de terem sido supostamente favorecidos por empréstimos do BNDES e de terem feito negócios suspeitos de insider trading.

Apesar da convocação de escritórios americanos para que investidores integrem class actions contra a JBS por violação às leis federais do país — assim como foi feito com a Petrobras — advogados consultados pela reportagem observam que há diferença entre os casos. A JBS, ao contrário da Petrobras, não tem ADRs listados na Bolsa de Nova York — os recibos são negociados apenas no mercado de balcão. “Ainda assim, acredito ser possível usar o direito estadual americano, que também tem dispositivos análogos ao da lei federal e protege investidores de fraude”, avalia a advogada Érica Gorga. “Também se pode recorrer a uma ação privada de ressarcimento, em lugar da class action”, diz outro advogado.

Duelo local

No Brasil, as reações de investidores prejudicados também podem provocar grandes estragos. Os dois maiores acionistas da JBS fora do bloco de controle são o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e a Caixa Econômica Federal (CEF). De acordo com a consultoria Economatica, a queda das ações da JBS na bolsa de valores representou perdas de 3,4 bilhões de reais para as duas instituições até o fechamento do pregão de 23 de maio. Na visão de Gorga, ambos os bancos deveriam iniciar ação civil pública contra a JBS para serem ressarcidos. “É uma obrigação reaver o dinheiro público investido”, defende.

Diferentemente do que acontece nos EUA, os investidores brasileiros não podem iniciar por conta própria ações de ressarcimento no Judiciário. A Lei 7.347/85, que disciplina a matéria, restringe o rol de autores da ação civil pública. Para azar da JBS, entretanto, empresas públicas (caso do BNDES e da Caixa) fazem parte desse grupo, juntamente com outros possíveis propositores, como as fundações e sociedades de economia mista, o Ministério Público Federal, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e as associações de classe.

Consultadas pela reportagem, a Caixa e o BNDES não confirmaram a intenção de iniciar a ação civil pública. A iniciativa, no entanto, seria inédita e poderia atrair muitos outros investidores privados da JBS. A maior parte da base acionária do frigorífico é formada por assets estrangeiras, cujos gestores carregam o dever fiduciário de defender os interesses dos cotistas que lhes confiam recursos.

Fundos de pensão igualmente estão na lista dos acionistas da JBS e, na avaliação de Gorga, eles também poderiam buscar ressarcimento. No escândalo de corrupção da JBS, as fundações são protagonistas de um capítulo à parte. De acordo com um termo de pré-acordo de colaboração premiada, Guilherme Lacerda, ex-presidente da Funcef, e Vagner Pinheiro, ex-presidente da Petros, teriam recebido propina para que as fundações comprassem ações da JBS na bolsa. “Esse caso aponta para o dever fiduciário do gestor de fundo de pensão. As fundações estão com enormes problemas atuariais ao mesmo tempo em que perderam uma fábula em empresas como a JBS”, observa Gorga.

Na mira do regulador

Até agora, boa parte dos litígios a serem enfrentados pela JBS partiu da CVM. Desde que as informações que subsidiaram o acordo de delação dos irmãos Joesley e Wesley Batista começaram a ser divulgadas, o regulador abriu sete processos administrativos. A autarquia investiga, por exemplo, indícios de negociação irregular — da JBS no mercado futuro de dólar e do Banco Original, sua controlada, com derivativos — e a negociação de ações da JBS pelos próprios controladores. Paralelamente, a CVM avisou o Ministério Público sobre os sinais de insider trading.

Os irmãos Batista podem ainda ser processados por infração à Lei das S.As. Além de controladores da JBS, Joesley e Wesley são, respectivamente, presidente e vice-presidente do conselho de administração da companhia. Em processo aberto em 23 de maio, a CVM investigará se os executivos violaram seus deveres fiduciários em razão dos fatos que ensejaram o acordo de colaboração com o Ministério Público. “Pode não virar um caso do tamanho de Petrobras, mas com certeza será uma das grandes investigações da CVM”, avalia um advogado. Segundo ele, será difícil os irmãos Batista escaparem das sanções administrativas, uma vez que eles se apresentaram como operadores do esquema de corrupção da companhia e coletaram provas sobre seu funcionamento.

 


Para continuar lendo, cadastre-se!
E ganhe acesso gratuito
a 3 conteúdos mensalmente.


Ou assine a partir de R$ 34,40/mês!
Você terá acesso permanente
e ilimitado ao portal, além de descontos
especiais em cursos e webinars.


Você está lendo {{count_online}} de {{limit_online}} matérias gratuitas por mês

Você atingiu o limite de {{limit_online}} matérias gratuitas por mês.

Faça agora uma assinatura e tenha acesso ao melhor conteúdo sobre mercado de capitais


Ja é assinante? Clique aqui

mais
conteúdos

APROVEITE!

Adquira a Assinatura Superior por apenas R$ 0,90 no primeiro mês e tenha acesso ilimitado aos conteúdos no portal e no App.

Use o cupom 90centavos no carrinho.

A partir do 2º mês a parcela será de R$ 48,00.
Você pode cancelar a sua assinatura a qualquer momento.