Por um momento de reflexão
Mudanças estabelecidas pela MP 784 podem ter efeitos negativos sobre o mercado de capitais brasileiro
José Eduardo Guimarães Barros*

José Eduardo Guimarães Barros*

A Medida Provisória (MP) 784, de 8 de junho de 2017, estabeleceu novos parâmetros para o processo administrativo sancionador nas esferas do Banco Central e da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). No caso específico do regulador do mercado de capitais, há alguns pontos que chamam a atenção. Em primeiro lugar, pode-se destacar a possibilidade de a autarquia celebrar acordos de leniência.

Além disso, a MP 784 prevê a criação do fundo de desenvolvimento do mercado de valores mobiliários, de natureza contábil, com valores oriundos dos termos de compromisso fechados com infratores — a ser gerido e regulamentado pela CVM conforme diretrizes do Conselho Monetário Nacional (CMN). Por último, e não menos importante, há um considerável aumento do rigor das punições: o teto das multas pecuniárias salta de 500 mil reais para 500 milhões de reais e o cálculo da penalidade pecuniária passa a ser baseado no valor do faturamento total individual ou consolidado do grupo econômico obtido no exercício anterior à instauração do processo administrativo sancionador.

Era notória a defasagem do valor máximo da penalidade pecuniária da CVM (não era atualizada desde o início da última década), principalmente quando dissociada de algum parâmetro específico — como o dobro do ganho auferido ou a metade da operação tida por irregular. A CVM já vinha reivindicando uma revisão, e agora ela chega num cenário delicado, em que mais uma vez um escândalo de cunho político respinga no mercado de capitais.

No entanto, a alteração da magnitude das penalidades e o estabelecimento de disposições tão relevantes por MP surpreendem, inclusive por não seguirem a tradição democrática da CVM de recorrer, para a mudança de suas normas, ao diálogo com a sociedade e com os administrados por meio das audiências públicas. Existe um receio de que essa forma abrupta de se mexer com temas tão sensíveis para o mercado de valores mobiliários possa, em vez de gerar uma maior confiabilidade, denotar uma indesejada insegurança jurídica.

Em relação a esse ponto surge uma pergunta: qual será a régua de razoabilidade que o colegiado da CVM adotará, doravante, nesse incremento de penalidades? É lógico que o aumento dos valores tem clara função coercitiva, mas por outro lado é também cediço que os ilícitos no mercado de valores mobiliários não são sempre tão objetivos — e o claro equilíbrio entre condenações e absolvições corrobora esse fato.

Dessa primeira pergunta já deriva um possível reflexo sobre a celebração de termos de compromisso. Afinal, se é maior a penalidade, espera-se que a CVM acabe por replicar esse aumento na negociação dos termos — lembrando que, nesses casos, não há assunção de culpa, apenas os compromissos de cessação da atividade considerada irregular e de reparação dos prejuízos eventualmente causados.

Alie-se a isso a previsão expressa de direcionamento dos valores dos termos de compromisso para um fundo a ser gerido pela própria CVM. Apesar de essa determinação deixar indene a posição sempre adotada pela autarquia — de que a indenização, quando inexistir um prejuízo objetivamente mensurável, seja destinada ao mercado de forma indireta —, infelizmente pode também levar a um maior apetite da CVM nas negociações.

Por outro lado, a MP dá à CVM a ferramenta do acordo de leniência, cuja aplicação dependerá de regulamentação a ser editada pela própria autarquia, que deve sempre buscar a identificação dos demais envolvidos em infrações e obtenção de lastro probatório. Os requisitos básicos a serem especificados nessa regulamentação são a ordem de chegada (só a primeira instituição a se qualificar poderá celebrar acordo de leniência com relação aos fatos), a imediata interrupção na participação da proponente na irregularidade, a inexistência prévia de provas, a confissão da participação no ilícito e a cooperação com as investigações.

O problema é que todo esse novo arcabouço pode ter efeitos negativos para o próprio desenvolvimento do mercado de capitais.

Ante a subjetividade do acusador e do julgador — tanto na dosimetria das penas quanto na definição dos termos de compromisso —, é de se esperar um automático incremento nos valores dos prêmios dos seguros de responsabilidade dos administradores das companhias (os seguros D&O), bem como um aumento de remuneração desses profissionais, como prêmio de risco. E não será surpresa se custo e risco maiores intensificarem a saída de companhias do mercado. Como o cenário não é de pujança, o recrudescimento não refletido das regras e punições —ainda que pareça atender ao notório anseio popular por redução de impunidade —pode fazer minguar nosso já combalido mercado de capitais. A dose do remédio pode mandar o paciente para a UTI.

Essa é, sem dúvida, uma realidade que deverá ser enfrentada, com serenidade e reflexão, pelo colegiado da CVM e por seu novo presidente.


*José Eduardo Guimarães Barros ([email protected]) é advogado do escritório Galdino, Coelho, Mendes Advogados


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