Quando uma família não conta com um planejamento patrimonial e sucessório ou com uma estrutura adequada de governança e gestão para seus negócios e propriedades, aumenta o risco de haver conflitos. As faltas de comunicação e de transparência das informações entre a empresa e os membros da família também contribuem para piorar a situação, impactando negativamente o desempenho dos negócios e das próprias relações familiares.
Os desentendimentos em uma empresa familiar são peculiares. Os interesses são tão misturados que é difícil separar as questões oriundas da gestão empresarial daquelas decorrentes do relacionamento pessoal. Imagine-se a seguinte situação: dois irmãos, descontentes com a atuação do irmão mais velho na condução dos negócios da família, pretendem destituí-lo do cargo. O desejo, porém, não é respaldado pelo patriarca, que entende ser o primogênito seu natural sucessor.
Desavenças desse tipo surgem amiúde na empresa familiar, e suas consequências podem prejudicar o ambiente de trabalho, desperdiçar recursos, paralisar o processo decisório, gerar ressentimentos, desconfiança e, em última instância, o rompimento da unidade familiar.
Mas o que fazer nessas situações?
O recurso a um procedimento judicial ou arbitral resulta numa decisão de “vencedor-perdedor” (win-lose decision), pois o juiz ou o árbitro tem legitimidade para impor sua resolução às partes — e ela é vinculativa, decorrente da ordem jurídica a que as partes estão sujeitas, o que amplia a distância entre os interesses das partes.
A experiência mostra que conflitos nascidos no âmbito familiar-empresarial submetidos a esses procedimentos nunca resultam em “vencedor-perdedor” — apenas em “perdedores”, já que a decisão é desprovida de conteúdo psicossocial e familiar. Não se pode desconsiderar que os danos psicológicos causados às relações familiares são severos e duradouros; muitas vezes, recalcados no inconsciente das partes e transmitidos às gerações seguintes.
Não é à toa que, segundo pesquisas, apenas uma minoria (entre 5% e 15%) das empresas familiares chega à terceira geração.
Uma alternativa que tem se mostrado eficaz é a submissão do conflito à mediação, atividade técnica exercida por um terceiro, neutro e imparcial, sem poder decisório. Escolhido ou aceito pelas partes, esse terceiro as auxilia e as estimula a identificar ou desenvolver soluções consensuais para a controvérsia, resguardadas a privacidade do procedimento e das partes e a confidencialidade das discussões.
A mediação pode evitar que o conflito caia numa disputa arbitral ou judicial e fazer todas as partes saírem ganhadoras — ou, no mínimo, permite que o resultado seja mutuamente aceitável (win-win decision). Nesse caso, há maior disposição para o cumprimento espontâneo do acordado, já que as partes são as únicas responsáveis pelo resultado final. É um procedimento que maximiza, em vez da diferença, o compromisso entre as pretensões das partes.
Desempenha o mediador um papel fundamental nesse processo; ele é um facilitador da comunicação e da troca de informações entre as partes, funcionando como um tradutor de interesses.
É importante que o mediador seja capaz de lidar com aspectos psicológicos inerentes aos conflitos, que têm um conteúdo manifesto e um latente. O primeiro, objetivo e verbalizado, disfarça o segundo, o inconsciente. Por isso, dentre as técnicas utilizadas pelo mediador ganha destaque a escuta do discurso das partes. Não basta que o mediador as ouça ativamente — afinal, nesse discurso, sempre existe um algo “por dizer”. A escuta deve ser diferenciada, “clínica”, para que se possa perceber o que está por trás do discurso, normalmente o que gera e sustenta a desavença. Assim o mediador pode manejar as emoções que interferem na comunicação e criar padrões objetivos para solução das controvérsias.
A mediação, conduzida por um profissional que tenha habilidade para perceber e compreender os aspectos emocionais, parece ser a forma mais apropriada para a resolução de disputas no âmbito de empresas familiares. Ao facilitar o diálogo e a negociação, de forma que a solução atenda a todos os interesses e contribua para as relações que venham a se estabelecer futuramente, preserva o negócio e a relação familiar. Talvez seja esse o caminho que permita às empresas familiares chegar à terceira geração e afastar o agouro do ditado: “Pai rico, filho nobre, neto pobre”.
*Rodrigo Piva ([email protected]) é sócio do escritório Cantidiano Advogados e psicanalista
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