Olhos voltados para ela
Em boa hora, mercado busca resgatar a confiança na Justiça. Depois de OGX, escândalo da Petrobras tem tudo para provocar uma enxurrada de pedidos de ressarcimento

olhos-voltadosO mercado de capitais sacudiu o Judiciário nos últimos meses. O desmanche da OGX, que entrou com um pedido de recuperação judicial em 2013, levou um grupo de minoritários à Justiça. Eles querem ser ressarcidos pelo investimento em papéis que, segundo apurações em curso, podem ter tido seus preços manipulados. Agora, os juízes se preparam para enfrentar a fúria dos investidores da Petrobras, cuja ação derreteu 21,39% em um ano — em valor de mercado, são R$ 65 bilhões a menos. A queda deve-se, principalmente, à repercussão da Operação Lava Jato. Conduzida pela Polícia Federal, a investigação apura denúncias de que executivos da companhia pagavam propinas a políticos e empresas que firmavam contratos com a petroleira. “Vamos ver uma avalanche de reclamações de investidores. E a problemática do caso é enorme”, avalia a juíza Marcia Cunha, que acaba de deixar a vara empresarial do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro para ser desembargadora. O aumento dos casos de alta complexidade sobre a mesa dos magistrados surge em boa hora. Há uma percepção generalizada da importância de resgatar a confiança no Judiciário para a resolução de processos que envolvem o mercado de capitais.

Um dos motivos para isso é a experiência com o caminho alternativo — a arbitragem. Apontada durante anos como meio mais eficaz de solução de questões societárias, ela começa a mostrar suas limitações. “Sempre fui um defensor da arbitragem, mas ouço dos meus amigos advogados que, além de dispendiosas, as sentenças arbitrais nem sempre são tecnicamente primorosas e, pior, estão sendo demoradas”, afirma o desembargador Pereira Calças.

Na dissertação de mestrado Abuso de poder de controle e a utilização da arbitragem para a resolução de conflitos societários, o pesquisador Felipe de Almeida Mello aponta algumas deficiências. O estudo, de 2010, estima em R$ 40 mil o custo mínimo do processo arbitral no Brasil. O valor elevado pode “inviabilizar a submissão de um determinado litígio cujo valor monetário envolvido seja reduzido, sendo que o recomendável nesse caso seria submeter o litígio ao Judiciário”, diz. Mello conclui que a inclusão estatutária da arbitragem, quando feita com a ajuda do voto do acionista controlador, deve ensejar o direito de retirada do dissidente. “A escolha da câmara arbitral feita pelo acionista controlador pode recair sobre uma câmara com pouca experiência ou mesmo inidônea.”

Outra razão para revalorizar a Justiça comum é a excessiva atribuição de responsabilidades à Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Em consequência da ideia de que o Judiciário é lento e pouco efetivo na resolução de conflitos societários, as demandas dos investidores acabam, exclusivamente, nas mãos da autarquia. Nos pedidos de interrupção de assembleia a situação fica evidente. Os acionistas poderiam recorrer à Justiça, mas, em geral, só o fazem à CVM. Em março, a autarquia decidiu positivamente sobre a legalidade do voto dos controladores da Oi na aprovação da incorporação da Portugal Telecom, deixando inúmeros investidores insatisfeitos. O caso enfatizou quanto a baixa confiança nos tribunais promove a centralização de expectativas sobre decisões da CVM. “O problema do Judiciário é maior do que o nosso mercado de capitais, mas, no que cabe à CVM, temos tentado estabelecer uma relação de proximidade”, explica Julya Wellisch, subprocuradora-chefe da Procuradoria Federal Especializada.

A base do problema atual é o congestionamento do Judiciário. Segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), há 66,8 milhões de casos tramitando nas cortes brasileiras. Ao mesmo tempo, cerca de 40% das vagas destinadas a juízes estão desocupadas. Para agravar o problema, são poucos os tribunais especializados em questões empresariais — solução que poderia amenizar o estoque elevado de processos. No Rio de Janeiro, as varas de direito empresarial foram criadas em 2001. O esforço foi exitoso. No artigo “CVM e Judiciário: o efeito da incerteza jurídica nos investimentos em ações e a Justiça especializada”, o pesquisador Ivan César Ribeiro concluiu que, entre 2004 e 2006, houve uma redução de 15% no número de reformas, em segundo grau, de sentenças oriundas de varas especializadas.

Em São Paulo, a opção inicial foi pela especialização em segunda instância, por meio das câmaras. Isso significa que os casos ingressam no Tribunal de Justiça (TJ-SP) pela via comum e, apenas quando as partes recorrem da primeira decisão, eles passam a ser analisados por um magistrado especializado. Numa tentativa de juntar os dois modelos, o TJ-SP e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) estão se preparando para também criar varas empresariais (por definição, as varas atuam na primeira instância). Assim, as demandas do mercado de capitais tramitarão sob os cuidados de juízes e desembargadores conhecedores do direito empresarial em primeira e segunda instâncias, um modelo inédito no País.

É verdade que a especialização não tem apenas aspectos positivos. A tendência é que ela concentre casos nas mãos de poucos magistrados, o que pode gerar uma jurisprudência previsível. O mercado, de todo modo, parece disposto a correr o risco. “É melhor conviver com a concentração do que ser uma loteria”, avalia Rodrigo Castro, responsável, na OAB, pela criação das varas especializadas de São Paulo. Um desafio, porém, é alcançar a propalada especialização. Não basta que a vara seja especializada; o juiz também deve sê-lo. “Muitos concorrem à vaga porque ela oferece gabinete com melhores instalações e a matéria é mais prestigiosa. Mas ele não se pergunta se gosta de economia”, diz Marcia Cunha.

olhos-voltados-tab2Falta demanda
As tentativas de aprimoramento evoluem de um lado. Só que do outro ainda há poucos investidores dispostos a recorrer ao Judiciário. “Ir à Justiça é um investimento muito arriscado e sem qualquer previsibilidade”, relata Lucila Prazeres da Silva, advogada da gestora Credit Suisse Hedging-Griffo. A asset se envolveu em alguns dos maiores embates societários dos últimos anos, como a reestruturação da Telemar e a negociação do Grupo Ipiranga, mas coleciona poucas vitórias. “Deparamos com situações absurdas, como a falta de qualificação para elaborar ou entender um laudo de avaliação”, conta. A pouca disposição do investidor para recorrer ao tribunal, por sua vez, impede que a Justiça adquira a prática que se espera dela. Da mesma forma, não se constrói jurisprudência. O histórico de casos arbitrados seria importante para dar celeridade a reclamações semelhantes feitas posteriormente.

O retorno dessas ações tampouco tem sido satisfatório para os acionistas. No Brasil, há apenas um caso em que investidores tenham sido ressarcidos por meio de uma decisão judicial. O episódio é da década de 1980 e pouco conhecido. Na ocasião, a Justiça paulista determinou uma compensação aos acionistas da Servix Engenharia. As ações que eles compraram foram vendidas pelos controladores da companhia, até então os únicos detentores de uma informação que faria o preço dos papéis despencar.

Uma saída para estimular o investidor a recorrer à Justiça, afirmam especialistas, pode estar nas ações de classe (ou “class actions”, como são conhecidas no exterior). Nessa modalidade, um grupo de acionistas que se julgam lesados une-se para acionar a Justiça. No estudo Is the U.S. law enforcement stronger?, a pesquisadora Erica Gorga analisou como Brasil e Estados Unidos agiram diante das perdas bilionárias registradas por Sadia e Aracruz em 2008. A conclusão? Os investidores americanos foram indenizados nos dois casos; os brasileiros, não.
A diferença deve-se, basicamente, à forma como o Judiciário americano funciona: há advogados especializados em reunir investidores e ingressar com as ações conjuntas, sites que dão transparência ao andamento dos casos e, ainda, uma larga jurisprudência para dar respaldo aos investidores.

É através de ação coletiva que um grupo de investidores da OGX, hoje rebatizada de Óleo e Gás Participações, pretende ser ressarcido. Os acionistas reclamam que o controlador, o empresário Eike Batista, vendeu ações de posse de informação privilegiada. Além disso, teria mentido nos fatos relevantes divulgados ao mercado. Como insider trading e manipulação de mercado são crimes contra o sistema financeiro, os investidores podem ganhar fôlego se as investigações reconhecerem que houve irregularidade. Além das apurações administrativas conduzidas pela CVM, que envolvem não só a OGX como outras empresas do grupo, Eike é alvo de investigações criminais. O julgamento do episódio que envolve a petroleira começou a ser julgado no dia 18 de novembro, mas só terá um desfecho no ano que vem. Seu desdobramento terá enorme significado para a confiança depositada na Justiça e no próprio mercado.

Ilustração: Beto Nejme/Grau180.com


Logo_GD_Rel_Societarias“Acionistas na Justiça”. Este foi o tema do primeiro Grupo de Discussão Relações Societárias, realizado pela Capital Aberto, em São Paulo. Veja mais aqui.


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