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Olho no lance
Levantamento inédito da Direito GV aponta aumento dos processos julgados e das punições por insider trading no Brasil. E a tendência é esse crescimento continuar

, Olho no lance, Capital AbertopremioNão há quem nunca tenha ouvido falar de Martha Stewart. Pelo menos nos Estados Unidos, onde a apresentadora de TV e empresária é exemplo de mulher bem-sucedida. E, um detalhe, ela também é ex-presidiária: em 2004, passou cinco meses atrás das grades. Isso é quase o equivalente a ver a saudosa Hebe Camargo indo em cana. O motivo do encarceramento? Martha vendeu ações da empresa de biotecnologia ImClone em 2001, após saber, por um dos executivos, que os papéis estavam prestes a despencar na bolsa.

Para os brasileiros, o episódio é exemplo da competência da Securities and Exchange Commission (SEC). Lá, quem negocia ações com base em informação privilegiada vai para a cadeia — quer seja celebridade, quer não. No Brasil, a primeira e única condenação judicial do tipo aconteceu em 2011, envolvendo funcionários da Sadia, mas a vida dos insider traders também está ficando mais difícil. A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) tem aprimorado suas técnicas de investigação e construção de provas em casos de denúncia. Além disso, está atuando cada vez mais em parceria com a Polícia Federal e o Ministério Público, que podem colocar os infratores no xadrez. Um levantamento realizado pelos pesquisadores da Direito GV Viviane Muller Prado e Renato Vilela, ao qual a CAPITAL ABERTO teve acesso exclusivo, faz uma radiografia inédita de como a CVM tem agido em casos de uso de informação privilegiada.

, Olho no lance, Capital AbertoÉ possível verificar, por exemplo, um aumento na quantidade de processos julgados: foram 18 entre 2009 e 2013, ante 12 entre 2003 e 2008. O número de punidos com multa, inadvertência e inabilitação também cresceu nessa mesma base de comparação: de 12 para 24. E não será surpreendente se esses dados crescerem significativamente nos próximos anos. Conforme estudo feito pelo escritório de advocacia Stocche Forbes, a autarquia vem sendo não apenas mais ativa como mais rigorosa no combate ao mau uso de informação privilegiada. Em sua pesquisa, os advogados notaram que a CVM vem cobrando multas maiores e tende a ser mais exigente na hora de propor termos de compromisso.

Em 2010, o Credit Suisse recebeu penalidade de quase R$ 23 milhões depois de um de seus fundos adquirir ações da elétrica Terna Brasil, em abril de 2009, utilizando-se de informações obtidas com um cliente. O banco havia sido contratado pela Terna Itália, controladora da Terna Brasil, para fornecer uma fairness opinion acerca da venda da subsidiária para a Cemig. O provável aumento de casos como esse, no entanto, levará algum tempo para se fazer notar. Entre a abertura da investigação e o julgamento (ou acordo), há um período que normalmente varia de um a quatro anos.

Flavio Meyer, sócio do Stocche Forbes, vem observando uma postura mais inquisitiva. “A CVM tem investigado mais os suspeitos e cobrado explicações. É como se presumisse a culpa”, diz. A prática que ele compara com a presunção de culpa faz parte, segundo Alexandre Pinheiro, superintendente geral da CVM, do processo atual de investigação. Desde 2006, a regra vigente na autarquia é convidar os envolvidos em insider trading a falar sobre os fatos, ainda que estejam desobrigados a responder aos questionamentos. Apenas depois de ter ouvido — ou tentado ouvir — as partes, o regulador pode abrir um processo. Essa conversa anterior é a oportunidade que o acusado tem para apresentar provas contrárias. Se elas forem convincentes, podem evitar a abertura do processo.

Algo parecido ocorre na SEC. É parte do procedimento da agência americana ligar para o investigado e perguntar sobre suas atividades de negociação. A semelhança de condutas não é mera coincidência. Profissionais da SEC e da Financial Industry Regulatory Authority (Finra) vieram ao Brasil algumas vezes para ministrar cursos sobre o tema a profissionais da CVM e de outros órgãos brasileiros, a exemplo da Associação Nacional das Entidades do Mercado Financeiro e de Capitais (Anbima).

Falta dentro da área
O levantamento da FGV mostra que a maioria dos processos julgados entre 2002 e 2013 está relacionada a notícias de modificação do controle acionário (são 13) ou reorganização societária (11). Ainda de acordo com o estudo, embora a maior parte dos suspeitos de uso de informação privilegiada esteja do lado de fora da companhia — dos 189 indiciados por insider desde 2002, 50 tinham ligação com a emissora e 139 eram externos —, a grande parte dos condenados está dentro de casa, e em cargos de gestão. Das 38 pessoas físicas multadas, advertidas ou inabilitadas pela autarquia nesse período, 11 eram administradores e 4, ex-administradores.

A estatística tem explicação. Para a CVM, é muito mais fácil provar que houve negociação com base em informação privilegiada por um administrador de companhia do que por um investidor. Como conselheiros e diretores são vetados pela Instrução 358 de negociar ações às vésperas da divulgação de um fato relevante, o simples fato de eles o fazerem já é o suficiente para uma presunção de culpa.

Não é difícil para o regulador buscar indícios de insider trading por meio da análise de negociações: ele tem um software específico para essa função. Além disso, o Brasil possui um eficiente sistema de identificação do chamado beneficiário final, ou seja, a pessoa ou a empresa que comprou ou vendeu ações. O complicado é provar que o supeito teve acesso à informação.

A operação conjunta da CVM com a PF e o MPF — comum nos Estados Unidos entre a SEC, o FBI e o Departamento de Justiça — deve facilitar a obtenção de provas que apoiem a tese de que um investidor usou em seu favor uma informação privilegiada. Com o apoio desses órgãos, as chances de a autarquia obter acesso a registros telefônicos (ou mesmo escutas), mensagens eletrônicas e outros documentos aumenta. Não é sempre, entretanto, que o órgão administrativo notifica o Ministério Público; ele tem a obrigação legal de fazer isso sempre que houver indício de crime. Cabe ressaltar que as entidades usam definições diferentes. Enquanto o MPF determina que é crime usar uma informação relevante da qual se deva manter sigilo para obter benefícios para si ou para terceiros, a CVM vai além. No seu entender, comete uma infração também quem não tem dever de sigilo para com a informação mas a usa para conseguir vantagem. Assim, nem todos os casos que são investigados na esfera da CVM vão parar na Justiça.

O inverso também pode ocorrer: um caso ser encerrado na autarquia e continuar tramitando no Judiciário, como aconteceu em fevereiro. O MPF ofereceu uma denúncia contra Wady Santos Jasmin e Washington Cristino Kato, da Santos Participações, que, em dezembro de 2008, adquiriram units da companhia pouco antes da divulgação de dividendos. O problema é que eles estavam na reunião que deliberou a distribuição de lucros. O primeiro comprou 100 mil units por R$ 6,57 cada, e o segundo adquiriu 9,2 mil, ao preço de R$ 7. A ação atingiu R$ 6,85 depois do anúncio. Os próprios executivos, na ocasião, procuraram a CVM para esclarecer a situação e acabaram firmando um termo de compromisso de R$ 150 mil cada um, encerrando o processo administrativo. Entretanto, como o caso se enquadrava na definição criminal de insider, continuou a ser investigado judicialmente e culminou com a denúncia feita pelo MPF contra os executivos.

, Olho no lance, Capital AbertoLegalize já!Descriminalizar a negociação com informações privilegiadas parece uma ideia descabida, mas tem seus defensores. Um deles é o americano James Altucher, gerente de investimentos da asset Formula Capital, blogueiro e escritor de vários best-sellers sobre investimentos. Altucher defende que quanto mais informação há no mercado, mais eficientes são os preços. Na sua visão, se alguém começa a comprar ou vender baseado em dados privilegiados, os preços atingem o nível correto de forma mais suave, sem os picos repentinos típicos de quando uma notícia é divulgada. Ele acredita também que a descriminalização forçaria as empresas a ser mais transparentes ou cuidadosas com suas informações materiais, “em vez de serem complacentes com a ideia de que a lei vai proteger seus segredos”. Ainda segundo Altucher, é difícil provar que houve o insider trading, e o governo gasta muito dinheiro nas investigações.A corrente favorável à legalização gera barulho. Em novembro de 2012, o professor George Dent Jr., da Case Western Reserve University School of Law, publicou um artigo de título incisivo: “Por que legalizar o insider trading seria um desastre”. Na visão dele, os defensores da legalização acreditam que os efeitos do uso de informação privilegiada seriam pequenos, limitados à riqueza dos insiders. Dent Jr. contrapõe o argumento: com a permissão, os insiders facilmente conseguiriam financiamento de outros para explorar sua vantagem, e não teriam nenhum motivo para não fazê-lo. As empresas, por sua vez, não teriam meios ou incentivos para barrar o uso de seus dados em negociações. “Corporações têm que operar para o benefício dos seus acionistas, e não em prol de outros grupos ou de uma parcela de investidores”, alega.

O mundo concorda cada vez mais com Dent. No fim de 2013, as 28 nações que compõem a União Europeia lançaram uma proposta de lei para criminalizar o insider trading e a manipulação de mercado. Além disso, a União Europeia quer uniformizar a tipificação do crime em todas as jurisdições, com o intuito de evitar uma arbitragem legal.

 

Terceira divisão
Embora o Brasil tenha avançado no combate ao uso de informação privilegiada, nossos números ainda são bem diferentes dos americanos, por exemplo. Em 2013, a SEC tomou 44 medidas de fiscalização relacionadas a insider trading. Nesse dado estão incluídos casos em que os acusados pagaram multas, outros em que houve acordo e alguns que permanecem abertos. No que se refere às condenações da esfera criminal, não faz nem sentido comparar Brasil com Estados Unidos: há um total de 79 condenações por insider trading na Justiça americana em toda a história.

Com mais empresas e mais investidores, as possibilidades de insider são evidentemente maiores por lá. Além disso, a Justiça americana está mais acostumada com esse tipo de caso e preparada para analisá-los: a primeira jurisprudência relativa ao uso de informação privilegiada data de 1909. Em fevereiro, foi noticiado o maior caso de todos os tempos. O ex-funcionário da SAC Capital Mathew Martoma foi declarado culpado, com pena de 45 anos de prisão, do pagamentro de propina a médicos da farmacêutica Elan em troca de dados sobre uma droga de combate ao Alzhaimer que estava sendo pesquisada pelo laboratório. As dicas geraram à SAC uma vantagem financeira de US$ 275 milhões. O ex-patrão de Martoma, o bilionário Steve Cohen, também se deu mal. Teve que pagar uma astronômica multa de US$ 1,8 bilhão e fechar as portas de sua gestora.

No Brasil, insider trading é crime desde março de 2001. A primeira e única condenação judicial foi a de Luiz Murat e Romano Fontana, então funcionários da fabricante de alimentos Sadia. Em 2011, eles foram sentenciados à prisão por terem negociado ADRs da Perdigão na Nyse com base em informação privilegiada. Na época, a Sadia tentava tomar o controle da concorrente. Em 2013, a CVM venceu um recurso para aumentar as penas: a de Murat passou de um ano e nove meses para dois anos e seis meses; e a de Fontana foi de um ano e cinco meses para dois anos e um mês. Por serem inferiores a quatro anos, as penas foram convertidas em prestação de serviços para a comunidade.

Alguns executivos da empresa gaúcha Randon também chegaram a ser processados criminalmente por insider trading, mas, em julho de 2012, a ação foi suspensa condicionalmente.Esse tipo de recurso é permitido quando os acusados não são reincidentes em crimes dolosos e não respondem por outros crimes. Para obter a suspensão, os réus devem cumprir algumas condições. No caso da Randon, os quatro tiveram de pagar multas que, somadas, atingiram meros R$ 51 mil.

No momento, a CVM lida com casos que podem gerar repercussão. Investiga o empresário Eike Batista por ter vendido 126 milhões de ações da OGX cerca de 20 dias antes de a empresa informar ao mercado que vários poços de petróleo não eram viáveis. Em estágio mais avançado, está o caso da Mundial, cujas ações dispararam 1.500% em três meses em 2011. O presidente da companhia, Michael Ceitlin, e um investidor são processados nas esferas criminal e administrativa. Suspeita-se que Ceitlin tenha vazado para alguns acionistas notícias sobre a reestruturação de dívida da empresa e sua migração de segmento de listagem antes de avisar ao mercado. Nos próximos anos, à medida que os resultados dessas e de outras investigações vierem à tona, será possível perceber se a tentativa da CVM e da Justiça de aprenderem com os americanos deu certo.

 

Ilustração: montagem sobre reprodução, por Beto Nejme/Grau180.com

 

 


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