Oceano a desbravar
As redes sociais se revelam como valiosa fonte de informações para conselheiros e diretores, mas ainda há mais dúvidas do que certezas sobre os limites de uso desses canais

, Oceano a desbravar, Capital Aberto, Oceano a desbravar, Capital AbertoQuando Carl Icahn escreve no Twitter, o mercado presta atenção. Um dos mais renomados investidores do mundo é capaz de, com um só tuite, fazer as ações de uma companhia sacolejar bruscamente. Em agosto, a gigante de tecnologia Apple viu seu valor de mercado crescer US$ 17 bilhões na bolsa, após Icahn tuitar que havia conversado com o CEO Tim Cook e que esperava um aumento no programa de recompra de ações da companhia. A tendência é que postagens desse tipo se tornem cada vez mais frequentes no perfil do ativista na rede social. No fim de outubro, Icahn anunciou o lançamento do site Shareholder Square Table, no qual pretende divulgar cartas enviadas aos presidentes das empresas em que investe. Os principais trechos desses documentos e outros comentários deverão ser publicados no seu Twitter, que conta com quase 114 mil seguidores.

O uso das mídias sociais por pessoas influentes como Icahn tem chamado a atenção dos conselhos de administração. Hoje, além dos consumidores, os acionistas também estão ativos nesses fóruns. Um levantamento do National Investor Relations Institute (Niri) e do instituto de pesquisas Corbin Perception, com as equipes de 87 investidores institucionais americanos, mostra que 52% deles usam as redes constantemente, inclusive para tomar decisões de investimento. Essa tendência levou o Starbucks a contratar, ainda em 2011, Clara Shih, fundadora da empresa especializada em gerenciamento de marcas de companhias na internet Hearsay Social, para compor seu board. Clara já assessorou o Google e a Microsoft sobre o tema e é autora do livro The Facebook era: Tapping online social networks to market, sell and innovate. “As redes sociais estão cheias de dados que podem ajudar o conselho a conhecer tendências de consumidores, empregados e acionistas”, observa Santiago Chaher, diretor do Cefeidas Group, consultoria argentina especializada em risco político e governança corporativa.

No entanto, um levantamento feito em 2012 por David Larcker, Sarah Larcker e Brian Tayan, professores da Universidade Stanford, mostra que a maioria das empresas (65,6%) não usa os dados provenientes de mídias sociais para medir o sucesso de suas atividades e pelo menos 50% não os empregam para monitorar potenciais riscos. Além disso, 85,8% dos conselheiros e 55,5% dos diretores não recebem relatórios sobre o que acontece na internet a respeito da marca da companhia. Para chegar a essas estatísticas, os acadêmicos entrevistaram 250 executivos de alto-escalão (idade média de 55 anos) de empresas com faturamento anual superior a US$ 500 milhões. As redes sociais mais famosas fazem parte da rotina de uma parcela considerável deles: 80,4% têm conta no LinkedIn, 67,9% usam o Facebook e 46,7% estão no Twitter.

Publicado em 2012 pelos mesmos professores, o estudo Monitoring risks before they go viral: Is it time for the

board to embrace social media? cita alguns exemplos em que informações coletadas nas mídias sociais poderiam ter auxiliado os conselhos a prevenir crises. Um deles envolve a Nestlé. No começo de 2010, a fabricante de alimentos foi publicamente acusada pelo grupo de defesa do meio ambiente Greenpeace de importar óleo de palmeira de um fornecedor que estaria destruindo as florestas tropicais da Indonésia. A notícia correu o mundo pelas redes sociais e forçou a empresa a assumir uma série de compromissos, entre os quais usar apenas óleo de palmeira certificado como sustentável a partir de 2015.

A Nestlé conseguiu contornar a situação, mas, na visão dos professores de Stanford, o prejuízo para a marca teria sido bem menor caso os conselheiros recebessem constantemente relatórios sobre o que é dito da companhia no ambiente virtual. As acusações sobre o uso de matéria-prima ecologicamente incorreta já percorriam a internet bem antes de o Greenpeace usar seu poder de influência para amplificá-las. “Se o conselho estivesse monitorando as discussões on-line, poderia ter percebido os riscos antes e agido proativamente para solucioná-los”, diz o estudo.

Esse conjunto de dados aparentemente desordenados, provenientes de várias fontes dispersas e repletos de informação, foi nomeado pelos profissionais de tecnologia da informação de “big data”. Para Chaher, embora as discussões geradas por acionistas nas redes sejam mais tímidas que as de consumidores e ativistas do meio ambiente, elas poderiam servir, inclusive, para o board traçar tendências de votos de investidores em assembleias. “Atento a isso, o conselho poderia endereçar casos polêmicos e tentar chegar a um consenso com seus acionistas antes da reunião anual”, diz o especialista em governança.

Pessoal versus profissional

Ao mesmo tempo em que os boards buscam os meios de usar o oceano de informações das redes sociais a favor de suas decisões, os conselheiros se deparam com outro desafio: os limites do uso pessoal — e profissional — dessas mídias. A discrição, em princípio, é bem-vinda, mas há exemplos inspiradores de executivos que navegam pela internet sem atravessar as bordas que separam o conteúdo privilegiado do público.

Parece ser o caso do CEO do grupo Virgin, Richard Branson. Em sua conta do Twitter e em seu blog, Branson opina sobre assuntos da atualidade, como a legalização das drogas, fala de sua trajetória profissional, dá dicas para ser bem-sucedido e feliz e, sim, cita algumas iniciativas da Virgin. “Essa postura é boa para a imagem da companhia”, avalia Chaher. Uso parecido com esse é feito pelo empresário brasileiro Abílio Diniz, ex-presidente do Grupo Pão de Açúcar e agora chairman da BRF. Em seu Twitter, Diniz escreve sobre empreendedorismo, futebol e, de vez em quando, sobre as companhias em que trabalha. Ele usou o canal para falar da sua saída do conselho do grupo varejista, mas o fez somente após a comunicação ao regulador. Com relação à BRF, a única postagem até agora foi uma foto do BRF Day na BM&FBovespa.

No geral, entretanto, conselheiros e diretores pisam em ovos na hora de usar a internet. “Todas as empresas deveriam adotar uma política de uso de redes sociais hoje em dia, mas a maioria não faz isso”, observa Larcker, da Stanford. Dos 250 executivos ouvidos pelos professores da universidade em seu levantamento, apenas 48,1% disseram ter em suas empresas regras de conduta para uso das mídias sociais pelos empregados. Quando se trata de recomendações voltadas para diretores e conselheiros, esse percentual cai, respectivamente, para 43,2% e 14,7%. A ausência de regras não apenas inibe posturas que seriam saudáveis como abre espaço para comportamentos impróprios. Gene Morphis, diretor financeiro da rede de roupas femininas Francesca’s, foi demitido em maio de 2012 por um tuíte publicado em março daquele ano. Seis dias antes da divulgação de resultados trimestrais, ele fez o seguinte comentário na rede social: “reunião do conselho, bons números = conselho feliz”. No dia da publicação, as ações da Francesca’s subiram 15%. A companhia entendeu que Morphis divulgou informações relevantes sobre a empresa impropriamente e o despediu.

Em julho de 2012, o presidente da Netflix, Reed Hastings, disse no Facebook que o serviço de TV pela internet havia exibido 1 bilhão de horas. Como resultado, as ações da empresa valorizaram 16% em um dia. A SEC encrencou com o fato de Hastings ter publicado essa informação, considerada relevante, em veículo não oficial

Mais emblemático do que o caso do CFO da Francesca’s foi o de Reed Hastings, presidente da empresa de TV pela internet Netflix. Em dezembro de 2012, a Securities and Exchange Commission (SEC) anunciou que iria iniciar uma investigação contra ele devido ao seu comentário, feito em julho do mesmo ano no Facebook, de que os espectadores haviam assistido a 1 bilhão de horas por meio da Netflix. Como resultado, as ações da empresa valorizaram 16% em um dia. O regulador encrencou com o fato de Hastings ter difundido essa informação, considerada relevante, em um veículo não oficial, privando usuários que não usam o Facebook ou não acompanham a página do CEO de vê-la.

Para a sorte de Hastings, a SEC acabou encerrando o processo em abril de 2013, sem responsabilizá-lo. O regulador aproveitou a oportunidade, no entanto, para normatizar a utilização das mídias sociais como meio de comunicação com os investidores — contanto que a companhia avise quais redes serão utilizadas para esse fim. Hastings comemorou a decisão com novo informe na sua página do Facebook, agora devidamente indicada no site de relações de investidores como um canal oficial de comunicação: os serviços da Netflix haviam ultrapassado a marca de 4 bilhões de horas de uso.

Supercomunicação

No Brasil, problemas com postagens de executivos nas mídias sociais eram algo distante até o colapso das empresas de Eike Batista. O uso que o empresário fez do Twitter é uma das reclamações de investidores que estão processando a OGX por divulgação de informações falsas. Na visão deles, Eike utilizava a rede para fazer a companhia parecer melhor do que era, juntamente com aparições na mídia e fatos relevantes otimistas demais. O empresário tinha perfil ativo do Twitter até 29 de maio deste ano, quando interrompeu as atualizações. Durante seu período na rede social, falava prodigamente de todas as suas empresas: desde os investimentos que elas recebiam até o quão grandiosas eram. “Canais de drenagem do Superporto do Açu terão 76 km, a mesma extensão dos canais de Amsterdã e quase o dobro dos de Veneza”, gabava-se, em 17 de maio de 2012. Em outubro, as obras do porto do litoral fluminense passaram para as mãos do grupo americano EIG, agora detentor do controle da empresa de logística LLX.

A tarefa de analisar as 21,7 mil postagens de Eike e verificar se alguma delas continha informação relevante comunicada de modo impróprio será árdua. A CVM não regula o uso das mídias sociais pelas companhias. Porém, deixou claro que está atenta ao tema ao lançar o edital de audiência pública da Instrução 358, que consultou o mercado sobre a pertinência da veiculação de fatos relevantes em sites de notícias. Embora não tenha sinalizado se modificará regras em breve para contemplar as redes virtuais, declarou que a utilização desses meios é “objeto de estudo paralelo” na autarquia.

O Comitê de Orientação para Divulgação de Informação ao Mercado (Codim) também está atento ao assunto. Em pronunciamento publicado no fim de outubro, aconselhou as companhias a acompanhar informações a seu respeito que circulem nas redes sociais, avaliando a necessidade de resposta ao mercado em caso de rumores ou especulações. A internet também está na pauta do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC).

A comissão de comunicação do instituto está estudando o tema e deve propor recomendações a executivos e reguladores sobre como utilizar as mídias sociais. De fato, é melhor agir antes que a moda de Gene Morphis pegue por aqui.

Confira os estudos dos professores da Universidade Stanford:
Pesquisa com 250 executivos sobre mídia social (What do corporate directors and senior managers know about social media?)
The Facebook era: Tapping online social networks to market, sell and innovate


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