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O último romântico
, O último romântico, Capital Aberto

Carlos Rebello*/ Ilustração: Julia Padula

Confesso que a ideia da BM&FBovespa de tirar, na reforma do Novo Mercado, a garantia do acesso dos pequenos investidores às ofertas públicas de distribuição de ações me pegou desprevenido. Na minuta do novo regulamento não há referência à obrigatoriedade de se assegurar esse acesso a todos os investidores interessados. Como todos sabem, hoje as regras do Novo Mercado ainda garantem ao pequeno investidor individual o direito de participar dos IPOs e das ofertas subsequentes. Tudo indica que eles venceram e que o sinal está fechado para nós, pequenos investidores e sonhadores.

Esse acesso levou muitas pessoas a escolher o investimento em ações, o que motivou a Bolsa a traçar, em um passado recente, a meta de atingir a marca de 5 milhões de pessoas com posições em ações em custódia. O objetivo não foi atingido, e agora sai pela porta dos fundos, deixando-me melancólico…

Os indivíduos, que chegaram a representar 31% do volume negociado nos pregões da Bolsa em 2009, após uma vigorosa atividade de lançamentos públicos de ações em anos precedentes, hoje são responsáveis por apenas 16% desse volume. Ouço nos meus pesadelos a bela voz de Nora Ney cantando “Ninguém ama o pequeno investidor, ninguém o quer [na Bolsa]”.

Os bancos que estruturam os IPOs sempre alegaram que esses indivíduos, agora na iminência de serem banidos do clube, só entram na oferta para vender as ações logo no primeiro pregão (no chamado comportamento de “flippers”), não obstante o fato de trabalhos empíricos não terem evidenciado a exclusividade de tal comportamento para essa categoria de investidores. Na realidade, há grandes investidores e institucionais que adotam essa mesma estratégia de investimento, privilegiando o curto prazo.

Estudos acadêmicos atestam que as ações em IPOs são vendidas com desconto em relação ao preço de fechamento do primeiro pregão de negociação dessas ações na bolsa. Nos EUA, esse desconto atinge 14%. Já no Brasil, para empresas que abriram capital no período de 2004 a 2011, o desconto foi de 5%.

Assim, vingando o banimento dos pequenos investidores das ofertas públicas de distribuição de ações, estes somente serão aceitos no mercado de ações se pagarem um pedágio de 5% no mercado secundário ou uma taxa para o banco (sendo cotistas de um fundo de investimento em ações que compre as ações diretamente no IPO ou em oferta subsequente).

As bolsas no mundo todo adotam em seus regulamentos dispositivos diretos ou indiretos para se permitir o acesso do público investidor ao capital das empresas que buscam a listagem — diretamente, como fazem BM&FBovespa, HKEX e outras, exigindo o acesso dos pequenos poupadores aos IPOs; ou indiretamente, estabelecendo um número mínimo de acionistas no capital das empresas para que suas ações sejam admitidas à negociação.

Esses requisitos, não importa se diretos ou indiretos, visam garantir uma liquidez mínima para as ações em seu début nas bolsas.

A baixa representatividade dos indivíduos nos investimentos em ações — o valor mobiliário mais emblemático do mercado de capitais — provavelmente contribui para a percepção de nossa sociedade de que é pouca a importância do mercado para o desenvolvimento do País. Essa sensação se reflete em políticas públicas que não tomam conhecimento das possíveis contribuições que o mercado poderia oferecer; não se enxerga interesse público em tê-lo como aliado.

Todavia, diferentemente do que disse o poeta morto, eu não vejo o futuro repetir o passado. Fico torcendo para que as gerações Y e X, aquelas que conseguem dominar os smartphones, quebrem as barreiras da intermediação e exijam que todos os produtos financeiros sejam ofertados em seus celulares, sem discriminações ou excessivas comissões de acesso.

Minha última esperança agora está depositada no regulador, que precisa analisar e aprovar novas regras da Bolsa. Para tanto, aproveito para refrescar a memória dos cinco membros do colegiado da CVM, transcrevendo trecho dos “Fundamentos para Regulação do Mercado de Valores Mobiliários” de 1979, aprovado pelo Conselho Monetário Nacional:

“6. Proteção ao Investidor
Com vistas a manter a confiabilidade do mercado e visando a atrair um contingente cada vez maior de pessoas, há necessidade de um tratamento equitativo a todos os que dele participam, devendo dar-se destaque especial ao investidor individual. Este, em face de seu menor poder econômico e menor capacidade de organização, precisa de proteção, de forma a resguardar seus interesses no relacionamento com intermediários e companhias, dentro da orientação de que seus riscos fiquem limitados apenas ao investimento realizado, sem que venha essa proteção a distorcer as características de risco inerentes às aplicações em valores mobiliários. Além disso, o investidor individual é o protagonista da maior relevância no processo de dispersão da propriedade e de diversificação dos centros de decisão, o que contribui para aumentar a eficiência do mercado.”

Soa como música para meus ouvidos.


*Carlos Rebello ([email protected]) foi diretor de regulação de emissores da BM&FBovespa até junho de 2015 e superintendente da CVM entre 1978 e 2009.


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