Nos últimos anos, a forma como lidamos com a informação — um dos principais bens tutelados pela regulação do mercado de capitais — mudou radicalmente. Essa mudança decorreu, em larga medida, dos impactos da tecnologia no modo como a informação é produzida e disseminada. Mas outros fatores precisam ser considerados.
São cada vez mais numerosos e populares, por exemplo, os estudos acadêmicos que buscam analisar criticamente como processamos os dados disponíveis e as estratégias de regulação baseadas no full disclosure.
As mudanças tecnológicas e os estudos acadêmicos têm sido importantes vetores dos debates sobre possíveis reformas da regulação do mercado de capitais — que se baseia, em grande parte, na imposição de deveres informacionais a emissores de valores mobiliários ofertados publicamente.
De fato, a aplicação responsável das tecnologias hoje disponíveis, especialmente quando feita com o devido embasamento, pode tornar mais efetivas as regras de disclosure — seja melhorando a qualidade das informações, seja diminuindo os custos associados a sua produção e disseminação.
Um bom exemplo da força exercida pela tecnologia e pelos estudos acadêmicos (especialmente aqueles que se valem de insights da economia comportamental) na regulação do mercado de capitais é o debate acerca do conteúdo e da quantidade dos documentos exigidos, com uma forte pressão por eliminar informações excessivas, duplicadas ou irrelevantes.
A regulação brasileira, vale ressaltar, já vem dando passos importantes nesse sentido. A Instrução 555/14, por exemplo, promoveu importante racionalização nos documentos requeridos dos fundos de investimento. Outra iniciativa salutar foi a Orientação do Comitê de Pronunciamentos Contábeis (OCPC) 07, editada com o intuito de estimular a produção de notas explicativas mais enxutas, focadas na divulgação de informações realmente relevantes.
O sucesso dessas medidas — que, em pouco tempo, reduziram significativamente a quantidade de informações produzidas sem indicação de perda de qualidade — demonstra que podemos avançar nesse caminho. Devemos, ainda, repensar o conteúdo de certos documentos, especialmente daqueles baseados na consolidação de informações já divulgadas.
Os esforços para se implementar mudanças também precisam abarcar o formato dos documentos, especialmente daqueles cujo padrão foi pensado décadas atrás.
O ambiente tecnológico no qual vivemos nos permite trabalhar com documentos mais interativos e amigáveis. Mais uma vez, já temos uma boa experiência em nossa regulação: as páginas dos fundos de índice (ETFs) de renda fixa. A regulação dos ETFs dispensa prospectos e requer que as principais informações sobre eles sejam disponibilizadas em um website. Embora os dados exigidos sejam similares aos de um prospecto, uma rápida análise das páginas dos ETFs existentes mostra que novos formatos permitem que a informação seja transmitida de forma muito mais intuitiva e inteligível.
Finalmente, além das discussões sobre o conteúdo e formato dos documentos, é necessário avançar com o debate sobre processos mais eficazes de transmissão da informação.
As regras de disclosure da CVM vêm aos poucos incorporando novas formas de disseminação. Como ilustração, a Instrução 547/14 flexibilizou as normas de divulgação de fatos relevantes. Precisamos ir além e avaliar os prós e contras de se fazer um uso mais intenso da tecnologia nas normas relativas a informações periódicas e eventuais.
Mudanças na regulação devem ser feitas de maneira refletida e cuidadosa, ponderando os custos e benefícios. Por exemplo, a racionalização das informações exigidas não pode deixar o mercado desinformado. Adicionalmente, alterações no formato dos documentos devem atentar para possíveis impactos na fiscalização.
Os desafios são muitos, mas o caminho para modernização e aperfeiçoamento de nossas regras está trilhado. Muito já foi feito e, sem dúvida, ainda há muito a se fazer.
*Gustavo Machado Gonzalez é advogado e diretor da Comissão de Valores Mobiliários (CVM)
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