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O caminho torto do aumento de capital
, O caminho torto do aumento de capital, Capital Aberto

Raphael Martins*/ Ilustração: Julia Padula

O aumento de capital mediante emissão de ações é a operação por meio da qual sócios aportam recursos em uma companhia recebendo em contrapartida ações por ela emitidas. Principalmente nos momentos de crise, a operação é tratada com enorme complacência — existe até um senso comum que nela identifica um tratamento adequado para quase todas as deficiências societárias. Afinal, que maneira seria melhor para reforçar o caixa do que o sócio dispor de seu patrimônio em benefício da empresa?

Ocorre que essa visão, entre outros problemas, mascara profunda incompreensão da estrutura de capital de uma sociedade. Ela coloca em segundo plano o fato de que a divisão do capital social entre os sócios, como regra, estabelece uma repartição dos poderes políticos e do aproveitamento econômico da sociedade. Nesse sentido, todo aumento de capital tem o potencial de desestruturar o equilíbrio
então existente.

Essa potencialidade desestabilizadora levou os autores da Lei das S.As., sempre ciosos do resguardo das prerrogativas do poder de controle, a criar numerosas restrições e condições para essa operação. Há, para tanto, uma minuciosa regulação de seus principais aspectos, que inclui justificativa e finalidade, avaliação dos bens que são aportados, precificação das ações emitidas, procedimentos para aprovação, entre outros.

Na operação imaginada pelo legislador como benéfica, o aumento de capital decorreria de uma necessidade do plano de negócios ou da estrutura de capital da empresa; seria adotado quando não houvesse estruturas de capitalização mais vantajosas; implicaria o aporte de recursos estritamente necessários à implementação do plano ou ao saneamento de deficiências naquela estrutura; envolveria a emissão de ações precificadas com base em critérios que não provoquem a diluição injustificada daqueles acionistas; conferiria um tratamento igualitário aos acionistas; seria aprovada observando-se apenas o melhor interesse da empresa; e, como em toda deliberação, seria decidida pelos acionistas sem conflitos de interesse com a matéria.

Entretanto, longe desse modelo ideal, operações ocorridas nos últimos cinco anos evidenciam problemas em todos os pressupostos. A lista é imensa para tão curto período de tempo — já foram vistos aumento de capital como instrumento para transferência de controle, sem o disparo do gatilho do direito de tag along; atribuição de condições especiais de subscrição para determinados acionistas; aporte de bens de natureza duvidosa e não adequadamente avaliados; participação nas deliberações de acionistas claramente conflitados; e precificações de emissão de ações com base em condições altamente diluitivas.

Embora todas essas situações sejam ilegais, a última é a que se vê amiúde nestes tempos de instabilidade (e sem o adequado tratamento). A lei acionária estabelece que o preço de emissão das ações, para não provocar diluição injustificada, deve ser calculado com base em três critérios: a perspectiva de rentabilidade da companhia, seu patrimônio líquido e a cotação das ações em bolsa. A CVM já se manifestou no sentido de que os três itens precisam ser observados (apesar de ser legítimo que um ou outro prevaleça). Na prática, entretanto, o valor de cotações em bolsa tem sido utilizado exclusivamente e como única justificativa necessária para qualquer precificação.

Essa técnica, em tempos de crise e de grande oscilação de preços, é a ideal para se provocar a diluição injustificada, especialmente quando se trabalha com médias históricas de cotações de períodos muito curtos — em geral, 30 dias (em vez de 90 dias, como seria recomendável). Nesse cenário, pontuais depressões no valor de mercado de companhias abertas transformam-se na régua definidora.

A vantagem dessa situação para a pessoa que participará do aumento de capital — coincidentemente sempre é o caso do responsável por adotar esse critério — é evidente. Mas, além de o preço assim obtido ser diluitivo, por si só, ele força os acionistas minoritários a acompanhar a operação, sob pena de perda não apenas de sua participação relativa na empresa, mas do próprio valor do seu capital investido.

Em tempos difíceis, qualquer crítica a operações dessa natureza costuma ser abafada com argumentos fatalistas, ao estilo “é a única forma de salvar a empresa” ou “é o único meio de viabilizar o aporte de recursos”. Contestar tais argumentos nem sempre é fácil, pela falta de informações qualitativas disponíveis. Contudo, a análise da maioria dos casos tende a desmentir essas afirmações. É necessário, portanto, impedir que momentos de crise se transformem em momentos oportunistas.


*Raphael Martins ([email protected]) é sócio de Faoro e Fucci Advogados


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