Marcelo Trindade: Mais juiz, menos mágico
Advogado indicado para ser o próximo presidente da Comissão de Valores Mobiliários conta à Capital Aberto como pretende conduzir o órgão regulador do mercado de capitais

 alt=Marcelo Trindade, 39 anos, é o indicado do ministro da Fazenda Antônio Palocci para ocupar a presidência da CVM pelos próximos três anos. Se aprovado na sabatina a ser realizada em breve pelo Senado Federal, concluirá o mandato de Luiz Leonardo Cantidiano, que assumiu a CVM em julho de 2002 e foi o primeiro presidente a receber o mandato oficial de cinco anos designado pela nova Lei das S.As (10.303/01).

Trindade foi o escolhido de Palocci em uma lista de três nomes sugerida por Cantidiano para substituí- lo na principal cadeira da autarquia. Sua primeira passagem pela CVM foi como diretor, entre os anos 2000 e 2002, quando se destacou pela condução da Instrução 361. O regulamento, apesar de tratar de um dos temas mais intrincados nas relações societárias – as ofertas públicas para recompras de ações – e passar por duas audiências públicas, acabou bem recebido pelo mercado.

Apesar da permanente incerteza quanto ao andamento das questões macroeconômicas, ele assume o comando da autarquia em melhor situação que a encontrada inicialmente por seu antecessor. Em 2002, o mercado de capitais amargava os efeitos de uma política de juros elevados e, ano a ano, via minguar o número de companhias abertas registradas na CVM e na bolsa e os volumes de emissões de ações ou de qualquer outro valor mobiliário. Hoje, mesmo distante do ideal, o mercado vive a perspectiva de novas aberturas de capital, de um ano mais animador para as emissões de debêntures e do lançamento de novas operações com produtos recém modernizados pela regulamentação – como os fundos de direitos creditórios.

DO CONTENCIOSO AO SOCIETÁRIO – Trindade caiu na área societária do direito por influência de investidores minoritários. Depois de quase dez anos atuando como advogado na área do contencioso, começou a ser contratado para cuidar da causa de investidores que rivalizavam com acionistas controladores. Em 1998, foi escolhido pelos gestores do Icatu, Dynamo Administração de Recursos e Investidor Profissional para tocar a mais importante delas: a emblemática disputa que os três acionistas travaram contra as Lojas Renner.

Dali em diante, Trindade nunca mais deixou a área societária. Ao final da operação, ele e seus sócios foram chamados para liderar a filial carioca do Tozzini, Freire, Teixeira e Silva Advogados, escritório que tinha sido seu adversário no episódio de Lojas Renner. Depois da passagem pela CVM, Trindade voltou ao Tozzini e, mais recentemente, preparava- se para tocar um vôo solo quando veio o chamado de Brasília.

POR REGRAS MAIS GENÉRICAS – O advogado indicado para a presidência da CVM prefere ter uma visão pragmática do papel do regulador no mercado de capitais. É a favor de regras formuladas sob conceitos mais genéricos, passíveis de serem aplicadas caso a caso e livres de amarras concebidas para inibir situações específicas, do tipo que possam ter efeito adverso sobre o equilíbrio do mercado. “Não adianta querer ser mágico ou tentar ser Deus. É melhor ser juiz”, afirma.

Para Trindade, regulamentação ideal, no caso da CVM, é aquela que resiste ao exercício abusivo de poder sem subutilizar as ferramentas concedidas pela legislação para desenvolver o mercado e proteger o interesse dos investidores. “Se for o caso, vamos batalhar por apoio político para mudar a lei, mas nunca abusar do poder concedido ao regulador”, afirma.

Sobre as situações de conflitos de interesses, aquelas que centralizam boa parte das discussões societárias até pela falta de clareza no texto da lei sobre o tema, Trindade julga que a tendência são as soluções caso a caso. A emissão de um parecer de orientação a respeito – decisão que teria de ser tomada por todo o colegiado e não apenas pelo presidente – também precisaria, a seu ver, seguir diretrizes gerais, para evitar injustiças futuras.

Foco e agilidade são suas prioridades para a CVM na solução de conflitos. “Como todo órgão que tem limitações de pessoas, de capital e de tempo, a CVM requer que os recursos disponíveis sejam direcionados para a fiscalização dos assuntos mais importantes”, afirma. Entre os projetos que pretende tocar à frente da CVM, ressalta o aprimoramento do atendimento ao pequeno investidor. Figura em ascensão na bolsa nos últimos anos, o investidor pessoa física, muitas vezes leigo em relação ao mercado, requer respostas rápidas e em linguagem acessível, afirma Trindade. Cantidiano deixa o posto depois de 20 meses à frente da autarquia e de 32 instruções lançadas. Entre elas estão a que regulamenta a atividade do market maker, a que cria as debêntures padronizadas e a que moderniza as distribuições públicas de títulos. “Terminei o que planejava fazer mais rápido do que imaginava”, brinca o advogado, que, desde a eleição do presidente Lula e a posse da nova equipe ministerial, vinha se mostrando desconfortável no cargo.

Cantidiano volta agora para a iniciativa privada, não antes de aproveitar a quarentena obrigatória para finalizar um livro de comentários sobre a lei das sociedades anônimas. Enquanto isso, Trindade mostra que já tem na ponta da língua as respostas para algumas das principais preocupações do mercado, como revela a entrevista a seguir.

A Capital Aberto consultou representantes das principais entidades relacionadas ao mercado de capitais para saber o que cada um tem a perguntar para Marcelo Trindade. Veja abaixo os principais trechos da entrevista.

Alfried Plöger – presidente da Associação Brasileira das Companhias Abertas (Abrasca)
O senhor já mencionou em entrevistas que gostaria de melhorar os trabalhos de fiscalização na CVM. Sua idéia é fiscalizar somente a conduta dos acionistas controladores ou também atentar para atitudes dos minoritários que possam prejudicar as companhias?

É claro que a conduta dos minoritários também deve ser analisada e que qualquer dano à companhia, seja ele provocado pelo controlador ou pelo minoritário, precisa ser reprimido. O mercado é formado pelas companhias e não por seus acionistas e são elas que precisam ser protegidas para que se possa dar segurança aos investidores.

Waldir Corrêa – presidente da Associação Nacional dos Investidores do Mercado de Capitais (Animec)
O senhor considera a possibilidade de ter um conselho consultivo formado por representantes do mercado ao qual a CVM possa recorrer regularmente para discutir determinadas questões?

Tenho uma visão bem definida sobre esse assunto. Acho que Estado e sociedade civil têm papéis distintos e não devem se misturar. Dar um caráter estatal a entidades da sociedade civil só retiraria dessas entidades a sua verdadeira finalidade e a autenticidade. A CVM tem que estar sempre aberta para ouvir a sociedade, os investidores organizados, os acionistas controladores e todas as demais entidades. Mas elas precisam estar do outro lado da mesa e trazer uma visão de fora, o que seria prejudicado no momento em que tudo estivesse misturado no mesmo conselho. Isso contaminaria, na minha visão, a autenticidade e a espontaneidade dessas organizações.

Raymundo Magliano – presidente da Bovespa
Como o senhor encara a criação de estímulos para que o trabalhador participe do capital das empresas nas quais atua ou do mercado de capitais como um todo?

Eu encaro de maneira muito positiva. Acho que o crescimento do mercado depende do engajamento da classe média e dos trabalhadores em geral e da criação de uma cultura de investimento. Mas acredito também que a CVM tem que estar muito bem aparelhada para que, quando isso acontecer, ela possa esclarecer muito amplamente a esses investidores que eles estão entrando num mercado de risco e atender rapidamente às questões que eles vierem a formular quando seus investimentos sofrerem perdas ou coisas do gênero.

Guy Almeida Andrade – presidente do Instituto Brasileiro dos Auditores Independentes (Ibracon)
O senhor tem noção dos efeitos do rodízio de auditores sobre o mercado? Considera necessária a manutenção dessa medida à luz da existência de outras obrigações também introduzidas pela CVM como o exame de qualificação e a revisão pelos pares?

Considero que essa questão foi extremamente debatida pelo colegiado atual da CVM e que seria muita pretensão da minha parte achar que o que eles decidiram está errado, apesar de terem discutido o assunto à exaustão com o mercado. Não tenho a menor intenção de modificar esse entendimento. E certamente essa não é uma prioridade do colegiado da CVM. Mas, sem prejuízo disso, estamos abertos a ouvir a avaliação do mercado sobre a medida. Não agora, tão pouco tempo depois de implementado o rodízio, mas depois de um ou dois anos. Se o Ibracon tiver dados concretos que revelem que o trabalho da auditoria piorou, que os custos aumentaram sensivelmente ou que há caminhos alternativos, certamente a CVM vai examinar.

Haroldo Levy – vice-presidente da Apimec-SP
Qual o grau de independência que a CVM terá para regular o mercado sem interferências políticas de Brasília?

Estive na CVM por dois anos e nunca recebi um telefonema de ninguém me pedindo ou me dizendo para fazer alguma coisa. E, até onde eu sei, o presidente Cantidiano também nunca recebeu nenhum telefonema deste tipo neste governo. Então a minha impressão é de que esse não é um risco concreto. Não me preocupa em nada. O que eu espero contar é com o apoio do governo à CVM, apoio esse que eu tenho convicção de que vai ser dado. O ministro da Fazenda e seus colaboradores estão comprometidos com o crescimento do mercado de capitais brasileiro e este é um projeto deste governo. Não teria aceitado o convite se não acreditasse nisso.

Doris Wilhelm – presidente executiva do Instituto Brasileiro de Relações com Investidores (Ibri)
Como a CVM pode auxiliar para que medidas que conduzam à sustentabilidade do mercado de capitais entrem de fato na agenda política do governo?

Trabalhando, é isso o que eu pretendo fazer. Acho que o mercado de capitais já está na agenda política do governo e o que eu quero é trabalhar intensamente para que essa agenda seja desenvolvida, além de me colocar inteiramente à disposição do governo, do mercado e da sociedade para ser um veículo entre as partes que ajude nos assuntos relacionados ao fortalecimento do mercado.

Walter Machado de Barros – presidente do Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças de São Paulo (Ibef)
Que providências é possível tomar para evitar situações de descrédito para o mercado brasileiro como a que ocorreu recentemente com a Ambev?

Não posso comentar o caso especificamente, mas acho que uma CVM que atue sempre na forma da lei e de maneira rápida, clara, sem sinais confusos para o mercado cumpre esse objetivo.

Heloisa Bedicks – diretora executiva do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC)
Como fazer para evitar que as companhias abertas utilizem o mecanismo da incorporação de ações como forma de adquirir ativos de partes relacionadas a preços desmedidos?

Para evitar que as companhias utilizem a incorporação de ações, a única forma seria proibir esse dispositivo. O que seria um despropósito, uma vez que essa restrição só existiria no Brasil. Mas, para evitar que as incorporações ocorram por valores errados, o jeito é provar que esses valores estão indevidos mediante o exame das operações e, se esse for o caso, punir as pessoas que fizeram as operações ou até impedir que elas aconteçam.

 

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