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Livres do regulador
Colegiado da CVM surpreende ao decidir que presidentes de mesa de assembleia estão fora do seu radar
Ilustração: Rodrigo Auada

Ilustração: Rodrigo Auada

Até há pouco menos de um mês, empresas e advogados consideravam consolidado o entendimento da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) a respeito do presidente de mesa em assembleias gerais de companhias abertas: ele poderia, sim, ser responsabilizado pela autarquia por uma atuação irregular — palavra unânime do colegiado que em 2008 julgou um caso envolvendo a Telebrás. Pois agora não há mais certeza. Sem unanimidade e contrariando o parecer da Superintendência de Relações com Empresas (SEP), no último dia 20 de fevereiro o colegiado decidiu que punir a conduta de um presidente de assembleia é uma ação que foge da alçada da CVM — uma punição, portanto, dependeria de recurso ao Judiciário dos que se sentiram lesados. A reviravolta na jurisprudência provocou controvérsia: os críticos acusam o regulador de fomentar insegurança jurídica e ir contra o que se espera da governança de uma assembleia.

No julgamento de 20 de fevereiro estava sobre a mesa do colegiado um processo relacionado, entre outros assuntos, à eleição de conselheiros fiscais na Companhia de Participações Aliança da Bahia. Segundo a acusação da SEP, que apurou denúncia de um grupo de minoritários, na assembleia geral ordinária de 30 de abril de 2012, o presidente dos trabalhos, Marcelo Zarif, computou os votos da Aliança Seguros na eleição em separado para o conselheiro fiscal que representaria os acionistas preferencialistas, apesar de ter “sido advertido” da existência de “flagrante impedimento”. O problema é que a Aliança Seguros e a Aliança da Bahia são controladas pelo mesmo acionista — Paulo Sérgio Tourinho —, que é também presidente do conselho de administração e diretor presidente de ambas. Foi ilegal, portanto, a Aliança Seguros votar em uma eleição em separado de minoritários.

Mas o mérito da questão não foi sequer julgado, já que a maioria do colegiado divergiu da SEP, acompanhando o voto do relator, Henrique Machado, pela extinção do processo, dada a “ilegitimidade ativa da CVM para apurar mediante processo administrativo supostos atos ilegais e aplicar sanções a presidentes de mesa” — avaliação que recebeu o aval dos diretores Gustavo Gonzalez e Pablo Renteria. Em entrevista à CAPITAL ABERTO, Machado reiterou a sua tese. “Não há previsão, seja nas leis 6.385 [que criou a CVM] e 6.404 [Lei das S.As.] ou na regulamentação da CVM de que o presidente de mesa de assembleia possa ser punido por um processo administrativo no órgão”, destaca o relator, acrescentando que a atuação da autarquia se justificaria apenas se o presidente de mesa fosse acionista, administrador, conselheiro fiscal, intermediário ou outro participante do mercado. Segundo o artigo 9º da Lei 6.385, são esses os cinco tipos de agentes que a CVM pode envolver em processo administrativo para investigação de atos ilegais e práticas não equitativas — e Zarif, afirma Machado, não se encaixa em nenhum desses papéis. “No rol do dispositivo, aquela expressão [demais participantes do mercado] é a única de conteúdo aberto, mas isso não confere, e nem poderia conferir, à CVM o poder de instaurar processo sancionador em desfavor de qualquer sujeito, face à constitucional sujeição do poder punitivo do Estado aos termos da Lei”, argumentou Machado, em seu voto. Conforme o que disse o diretor à reportagem, a nova jurisprudência é “um delimitador claro, que dá mais segurança jurídica para o mercado”.

Indefinição

A redação aberta da Lei 6.385, no entanto, suscita avaliações bem diferentes da do relator. Uma delas é a de Gustavo Borba, voz dissonante no julgamento do caso no colegiado. Para o diretor, uma interpretação demasiadamente restritiva da expressão “demais participantes do mercado” impediria a fiscalização pela CVM de órgãos e agentes institucionais que exercem funções extremamente relevantes e delicadas por determinação da Lei das S.As., mas que não foram explicitamente indicados no inciso V do art. 9º da Lei 6.385 — como, por exemplo, o agente fiduciário.  Borba ressalta ainda que “o presidente da assembleia exerce uma função que, apesar de predominantemente burocrática, possui relevância estratégica para o funcionamento” das sessões. “Nesse contexto, o presidente da mesa desempenha função extremamente sensível, visto que conduz os trabalhos do órgão em que todos os acionistas podem se manifestar e exercer seus direitos, por conseguinte, sujeito a diversas pressões e dificuldades.”

Outro argumento usado por Borba para amparar seu voto está num precedente da Telebrás, em que todo o colegiado decidiu punir o presidente de mesa de uma assembleia realizada em 2007 (não se discutiu, na ocasião, se a CVM estaria extrapolando seus limites como órgão regulador) por ele ter impedido o voto de um acionista minoritário. Vale ressaltar que, posteriormente, a decisão do colegiado foi reformada. Em 2014, o Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional (CRSFN) absolveu o presidente de mesa punido na primeira instância pela CVM por entender que sua conduta foi correta — os acionistas não teriam observado norma do edital para participação na assembleia. O fato de a decisão ter sido reformada, observa Borba, no mérito indica que o CRSFN não vê qualquer entrave à apuração da responsabilidade administrativa do presidente da mesa.

O diretor menciona ainda um precedente endereçado pelo ex-presidente da autarquia Marcelo Trindade. Em uma análise sobre impedimento de voto, de 2007, ele passou ocasionalmente pelo tema: “Se existir impedimento de voto e, ainda assim, o acionista votar, devem responder o próprio acionista impedido e o presidente da assembleia.”

Impressão errada?

Alguns especialistas consultados pela reportagem afirmam que a decisão configura um perigoso precedente para futuros atos praticados por presidentes de mesa. “Trabalhava-se com o pressuposto de que entre as obrigações do presidente de mesa perante a CVM estava a atribuição de declarar ou não o recebimento de votos que pudessem estar escancaradamente conflitados”, observa Raphael Martins, sócio do Faoro & Fucci Advogados. “Essa decisão vai na contramão do que se espera da governança de uma assembleia, já que o presidente passa a ser responsabilizado apenas civilmente por seus atos”, completa. Membro do colegiado na época do julgamento da Telebrás, Eli Loria, sócio do escritório Loria e Kalansky Advogados, ressalta que “sempre pareceu” que a CVM tinha o poder de avaliar a conduta de um presidente de mesa. “Agora o presidente da assembleia tem autonomia total. Não precisa temer uma punição quando aceita voto irregular, nem quando impede um minoritário de integrar o conselho fiscal”, analisa, destacando que, se em todos casos houver recursos ao Judiciário, a CVM deixará de cumprir seu papel preventivo.

Opinião bem diferente tem Julian Chediak, sócio do Chediak Advogados, que segue o colegiado na interpretação de que não é atribuição da CVM julgar presidente de mesa de assembleia. “Na minha avaliação é cristalino que a lei não dá essa competência à CVM, que pode muito, mas não pode tudo”, diz. Ele entende, no entanto, que essa imunidade em relação à autarquia não representa frouxidão na regulação, uma vez que a CVM tem condições de punir acionistas que eventualmente se aproveitem do papel do presidente de mesa para votar de maneira abusiva. Um bom exemplo está no próprio processo julgado em fevereiro. Tourinho foi punido por ter votado em três situações de conflito de interesses, com multas que somam 900 mil reais.


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