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Jurisprudência com a forma da água
Ofício da CVM joga luz sobre contratos de indenidade, mas ainda é cedo para comemorar
Roberto Dias Carneiro*

Roberto Dias Carneiro*

O sempre aguardado Ofício-Circular da Superintendência de Relações com Empresas (SEP) da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), com orientações gerais sobre procedimentos a serem observados pelas companhias abertas, estrangeiras e incentivadas, neste ano foi publicado em 28 de fevereiro. Pode parecer que o ofício tem um ar de “matéria requentada” — para usar o jargão jornalístico —, mas é de fundamental utilidade para as companhias abertas e para os seus assessores, na medida em que consolida parte dos entendimentos da CVM proferidos no ano anterior, destacando o que mudou. Não é exaustivo nem mesmo nas matérias que aborda, mas sua serventia é inegável e o esforço da SEP, digno de nota.

O ofício deste ano retomou a discussão acerca do contrato de indenidade. De forma geral, trata-se de instrumento por meio do qual as companhias se comprometem a indenizar seus administradores caso eles venham a ter perdas pessoais em decorrência do exercício de seus cargos. Assemelha-se, num primeiro momento, aos seguros D&O, mas tem por finalidade justamente evitar que o administrador tenha prejuízo de patrimônio pessoal se o seguro retardar ou negar cobertura. Funciona como uma proteção adicional, garantida pela própria companhia. A exemplo do D&Os, usualmente os contratos de indenidade têm cláusulas que eximem a empresa de arcar com os custos dos prejuízos do administrador, caso este tenha agido com má-fé, dolo, culpa grave.

Em 2011, ao analisar a celebração de termo de compromisso pelos então administradores da Kepler Weber S.A.¹, o colegiado da CVM alinhavou, de maneira preliminar, as preocupações do regulador com os contratos de indenidade e os incentivos que deles podem decorrer. A forma como a questão foi colocada sugere a preocupação com um suposto conflito de interesses permanente na gestão desses acordos — tendo em vista que, ainda que o administrador a ser indenizado não participe da análise de sua própria indenização, os demais administradores que tomarem a decisão estariam sempre conflitados na presunção de que “na próxima vez pode ser comigo”. Esse conflito supostamente seria menor nas hipóteses de seguros D&O, já que a seguradora faria o papel de um terceiro independente analisando se o seguro é devido ou não.

O debate ganhou um pouco mais de corpo no caso Banestes S.A.², que envolvia diversos elementos que devem ser levados em consideração pela CVM caso decida regular esse tipo de relação privada, inclusive as experiências de outras jurisdições. Fatores centrais como conflito de interesses, deveres fiduciários, interesse da companhia e, claro, moral hazard, dão a tônica da discussão.

Mais recentemente, a CVM abordou a questão em pelo menos duas outras oportunidades. Na primeira³, a CVM analisou a mudança do estatuto social da hoje denominada B3 S.A. – Brasil, Bolsa, Balcão, e a área técnica destacou balizadores para os contratos a serem firmados com os administradores, baseando-se nas preocupações mencionadas pelo colegiado no caso Banestes. Na segunda, no âmbito do pedido de interrupção de prazo para convocação da assembleia da JBS S.A.⁴, o foco estava mais voltado a eventual conflito de interesses do acionista-administrador na votação em assembleia sobre a matéria.

Com a entrada em vigor da Lei 13.506/17, a quantidade de companhias interessadas em introduzir mecanismos para salvaguardar seus administradores tende a crescer, especialmente porque as penalidades e multas cominatórias foram substancialmente aumentadas.

O ofício de 2018 jogou um pouco mais de luz sobre a questão dos contratos de indenidade. Dessa vez, apresentou orientação para diversos itens que devem ser divulgados pela companhia — tanto quando os contratos de indenidade ou reformas estatutárias para autorizá-los forem submetidos para deliberação pela assembleia geral (parte final do item 3.4.2.a) quanto nas orientações para elaboração do formulário de referência (item 10.2.12.i do ofício, que trata do item 12.11 do formulário de referência). Em ambos os casos a CVM consignou uma espécie de “cartão amarelo”, com ressalvas sobre os deveres dos acionistas e administradores que aprovarem a celebração dos contratos de indenidade, bem como a necessidade de haver um benefício para a companhia.

Pois bem: num país onde até mesmo o passado é incerto — pedindo licença para parafrasear o ministro Pedro Malan — e em que a jurisprudência tem a forma da água, qualquer medida que possa inibir mecanismos que mitiguem os riscos pessoais a que os administradores de companhias abertas estão expostos deve ser discutida com cautela. O debate ainda está incipiente e os efeitos, qualquer que seja a decisão regulatória, ainda são pouco evidentes.


*Roberto Dias Carneiro ([email protected]) é sócio de BMA – Barbosa Müssnich Aragão. Colaborou Ana Paula Reis ([email protected]) advogada do mesmo escritório


¹ PAS RJ2009/8316

² PAS RJ2011/2595

³ Processo SEI 19957.004523/2016-20

⁴ Processo CVM no 19957.007563/2017-12

 


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