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Interesse convergente
Regras para acordos de leniência são boa notícia, mas faltam ajustes
Adriana Dantas*

Adriana Dantas*

O risco sempre foi um elemento essencial no mundo empresarial, e seu adequado gerenciamento pode significar o sucesso ou o fracasso de um negócio. Avaliações sobre demanda de mercado, momento da economia e sazonalidade são vistas como naturais em um ambiente cada vez mais competitivo, e não como algo acessório e secundário. A máxima de Bacon “o conhecimento é em si mesmo um poder” nunca se mostrou tão acertada, sobretudo no contexto atual, que adiciona uma variável a esse exame: o risco reputacional que, se mal gerenciado, pode destruir uma empresa.

A cooperação com autoridades surge, então, como uma forma de gerenciamento e mitigação de riscos quando uma empresa e/ou seus executivos praticam ilícitos. Seguindo o modelo americano, a legislação brasileira vem adotando acordos de leniência, permitindo que empresas ou indivíduos envolvidos em certas irregularidades possam espontaneamente procurar as autoridades para reportá-las, recebendo, em contrapartida, imunidade ou redução de eventuais penalidades. Trata-se de uma nova abordagem na forma como o Estado lida com agentes infratores, resultado do reconhecimento de que os meios de investigação clássicos são insuficientes para se alcançar infrações cada vez mais sofisticadas — com elaborados métodos tecnológicos, contábeis e organizacionais, muitas vezes até ultrapassando fronteiras. Foram editadas nos últimos anos a Lei 12.529/11, que trata das infrações antitruste, a Lei 12.846/13, que busca reprimir as práticas de corrupção envolvendo agentes públicos, e a Lei 12.850/13, que criou mecanismos para combate às organizações criminosas.

Se, por um lado, a postura do legislador merece elogios, por ter buscado modernizar as leis e criar meios mais efetivos de repressão a ilícitos, por outro ela também vem sendo objeto de críticas. Isso porque a profusão de leis que tratam de acordos de leniência acabou criando um ambiente de insegurança jurídica.

A legislação em vigor autoriza, ao menos em tese, as seguintes autoridades a celebrar acordos de leniência ou colaborações premiadas: Controladoria-Geral da União (CGU), recentemente absorvida pelo Ministério da Transparência, Fiscalização e Controle; Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade); controladorias-gerais dos estados; órgãos e entidades públicos vítimas de atos de corrupção; Ministério Público; delegados de polícia. Além disso, enquanto a Lei Antitruste prevê imunidade para todas as sanções que possam ser impostas a empresas e seus diretores e empregados, a Lei Anticorrupção só proporciona imunidade em relação às sanções civis; já a Lei de Organizações Criminosas oferece benefícios somente de natureza criminal. Soma-se a esse já conturbado cenário a instabilidade jurídica gerada por medidas provisórias que alteram leis por apenas 120 dias, ações diretas de inconstitucionalidade apresentadas ao Supremo Tribunal Federal por grupos políticos rivais e projetos de lei que tramitam por anos no Congresso e que criam expectativas de mudança que nunca chegam.

Assim como um empresário busca o maior número possível de informações antes de tomar uma decisão, indivíduos e pessoas jurídicas que se veem envolvidos em atividade ilícita desejam conhecer as consequências que podem sofrer caso optem por delatar o ocorrido. É por isso que especialistas de todo o mundo afirmam em uníssono que a efetividade de um programa de leniência depende diretamente de seu grau de transparência e previsibilidade, de forma a permitir aos seus possíveis candidatos entender como serão tratados. Ou seja, o interessado deve saber quais fatos deve reportar, para quem deverá reportá-los, o prazo que tem para divulgar as informações e quais benefícios poderá receber.

Infelizmente, o sistema brasileiro está longe de alcançar esse ideal. Na situação atual, é possível pensar em cenários em que determinada prática ilícita possa levar uma empresa e seus diretores e empregados a ficarem sujeitos a, pelo menos, cinco leis distintas, por meio das quais cinco autoridades públicas diferentes poderão aplicar sanções independentes — prisão, multa, proibição de contratação com a administração pública, suspensão de direitos políticos, pagamento de indenizações, proibição de recebimento de incentivos ou benefícios fiscais e até dissolução compulsória da pessoa jurídica. A esse desafio no plano interno junta-se a necessidade de se coordenar estratégias de defesa em mais de uma jurisdição quando a conduta violar leis de outros países, sobretudo em um contexto de intenso intercâmbio de informações entre autoridades.

Os recentes acontecimentos no Brasil demonstram que há uma potencial convergência de interesses: de um lado, o Estado, que deseja ter acesso amplo a informações que possam levá-lo a punir os responsáveis por crimes e ilícitos e adotar medidas para ressarcimento; de outro, empresas e indivíduos que, não obstante terem se envolvido em irregularidades e temerosos das numerosas penas pecuniárias, administrativas, civis e criminais, escolhem reportar os fatos em busca de benefícios.

Ressalte-se o papel da cooperação para o combate efetivo de ilícitos. A experiência dos EUA mostra-nos que iniciativas de combate à corrupção em determinados setores da indústria só lograram êxito por causa dos dados e detalhes obtidos por acordos de leniência. Ademais, os compromissos assumidos pelos grupos empresariais em contrapartida aos acordos foram fundamentais à difusão de uma cultura de compliance e transparência, nos EUA e em todo mundo.

Dentre todas as imperfeições identificadas na legislação brasileira, as mais urgentes a serem solucionadas são a definição das exatas competências das autoridades que podem celebrar acordos e a delimitação das matérias que podem ser tratadas por cada uma delas. Assim como nas relações negociais na esfera privada, o sucesso dos acordos de leniência com o Estado também depende da disponibilização de informações amplas e seguras para que as partes possam analisar os riscos envolvidos e tomar decisões conscientes.

Em um contexto carente de um instrumento jurídico seguro e claro que possa permitir essa convergência de esforços, impõe-se aos entes privados a coordenação de estratégias de cooperação, por meio do envolvimento das autoridades com competência sobre a matéria no Brasil e no exterior, com vistas a equalizar o ciclo punitivo. Desse modo, fortalecem-se as garantias de que os créditos decorrentes de uma cooperação efetiva serão considerados por um maior número de autoridades e evita-se que provas constantes desse ajuste sejam usadas no futuro contra a parte que as forneceu espontaneamente.


*Adriana Dantas ([email protected]) é sócia do BMA – Barbosa, Müssnich, Aragão. Colaborou João Augusto Gameiro, advogado da área de Ética Corporativa e Compliance do escritório.


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