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Futuro que pode repetir o passado
Lições do caso Arcelor para a avaliação da OPA de transferência indireta de controle da CPFL Renováveis
, Futuro que pode repetir o passado, Capital Aberto

Carlos Rebello*/ Ilustração: Julia Padula

“Se queremos progredir, não devemos repetir a história, mas fazer uma história nova.” — Mahatma Gandhi

Nossa lei de sociedades por ações prevê que a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) autorizará uma alienação de controle, direta ou indireta, após verificar que as condições da oferta pública de aquisição de ações asseguram aos demais acionistas com direito a voto o preço mínimo igual a 80% do valor pago por ação na alienação do controle da sociedade — mecanismo conhecido como tag along. Ademais, a lei delegou poderes para a CVM estabelecer normas para essas ofertas.

Com base nessa prerrogativa, a CVM editou em 2002 a Instrução 361 que, em seu artigo 29, dispõe para os casos de alienação indireta de controle acionário que o ofertante deverá apresentar uma demonstração justificada da forma do cálculo do preço devido aos acionistas minoritários, correspondente à alienação do controle da companhia objeto.

Assim, a metodologia adotada na decisão de compra do controle original, desde que comprovada, é aplicada também para o cálculo do valor das ações da sociedade controlada — valor estendido aos minoritários nos termos da lei, de disposição estatutária da companhia objeto do tag along ou de regras da Bolsa, como as do Novo Mercado da B3. A área técnica da CVM fica, portanto, encarregada de analisar se a demonstração justificada do preço contém elementos que comprovam ser a parcela do preço relativa ao controle indiretamente alienado aquela constante da OPA.

Tanto na OPA da Arcelor Brasil em 2007 quanto na da CPFL Renováveis neste ano, a área técnica da CVM chegou ao fim de extenuantes avaliações sem a convicção da adequada justificação do preço das ações indiretamente alienadas.

No primeiro caso, eu e Flavia Mouta — na época, respectivamente titular da área responsável pela OPA da Arcelor Brasil e gerente dessa área na CVM — concluímos inexistirem evidências concretas de que o critério de avaliação informado pelo ofertante (já que não houve contrato de alienação) foi o relevante para a realização do negócio original que resultou na transferência do controle.

Pareceu-nos cristalino que, na hipótese de a demonstração justificada de preço não ser consistente com os fatos ou conclusiva, a cotação das ações envolvidas na operação (de Arcelor e Arcelor Brasil) seria o critério mais adequado ao tratamento igualitário previsto pelo estatuto da companhia aos seus acionistas minoritários — por terem, até a véspera da divulgação da operação, ampla liquidez em seus mercados principais, compondo, pela ordem, os índices CAC-40 na França e Ibovespa no Brasil.

De modo semelhante, a atual área técnica da CVM considerou não ser possível atestar a consistência da demonstração justificada de preço relativa à OPA da CPFL Renováveis com base em laudo de avaliação apresentado pelo ofertante, nem mesmo fazendo-se um cotejo com critérios objetivos, baseados em dados considerados isentos existentes à época da alienação do controle, como preço-alvo de analistas para as ações e seu valor de patrimônio líquido.

No caso da Arcelor Brasil, o colegiado da CVM acatou o recurso do ofertante, concluindo ser adequado e razoável o critério informado para se justificar o preço da OPA — com base em uma mensagem eletrônica do adquirente do controle, ainda na fase de negociação da compra da Arcelor Europa, em que havia menção ao Ebitda.

Na oportunidade, em voto separado, o então presidente da autarquia listou importantes diretrizes para a atuação dos agentes de mercado e da própria CVM em casos futuros. Eis um resumo dos principais balizadores:

— A justificação do preço pode ser feita por instrumentos contratuais, se houver, ou por outros documentos que comprovem com razoabilidade a parcela do preço correspondente à companhia controlada.

— Se a CVM entender que existem indícios de que o preço informado nos documentos não é o verdadeiro, não poderá negar registro à oferta, devendo iniciar investigação em paralelo; comprovada fraude, deve formular acusação, sem prejuízo da indenização a ser postulada pelos destinatários da oferta.

— Caso os elementos apresentados pelo ofertante e colhidos pela CVM sejam insuficientes e as ações das companhias controlada e controladora tenham liquidez, o critério de comparação dos preços de mercado das ações de ambas as companhias antes do lançamento da oferta, ou do anúncio negócio de aquisição, deve ser considerado um critério justificado para a demonstração do preço, e pode ser adotado pela CVM.

Creio que se a área técnica considerasse essas diretrizes para nortear sua decisão para o caso da CPFL Renováveis a história poderia ser diferente.

Sabe-se que, após acertar o valor da transação com o alienante, nada impede ao adquirente do controle — a não ser por motivos éticos ou por receio de ser pego —, de formalizar no contrato de alienação a metodologia mais conveniente para poupar recursos na extensão de preço aos minoritários. Com o auxílio de bons assessores financeiros é perfeitamente possível minimizar custos do tag along. Entretanto, do lado oposto, reunir provas e evidências para formular uma robusta acusação a um ofertante e sua instituição intermediária por uma fraude como essa é tarefa muito complexa e desafiadora para a área técnica da CVM. O sucesso na empreitada, em compensação, pode significar uma multa correspondente a três vezes o montante da vantagem econômica obtida em decorrência do ilícito, nos termos da Lei 13.506/17.

Mantida essa diretriz pelo atual colegiado, é preciso que a área técnica se reinvente e busque com tenacidade as provas necessárias à realização da acusação. Isso para, ao final da jornada, diferentemente dos colegas que trabalharam no caso Arcelor Brasil, ficar com a sensação de dever cumprido por ter assegurado tratamento igualitário aos minoritários, o que seria possível por ações de indenização, contando com assessoria ao juiz pela CVM. Seria legado, além disso, um bom exemplo aos participantes do mercado: as vantagens advindas do cometimento de ilícitos não são proporcionais aos custos financeiros e de reputação resultantes dos riscos de uma condenação administrativa.


*Carlos Rebello ([email protected]) foi diretor de regulação de emissores da BM&FBovespa até 2015 e superintendente da CVM entre 1978 e 2009. 


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