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Fim da festa
CVM fecha cerco a marketing exagerado de casas de análise
, Fim da festa, Capital Aberto

Ilustração: Rodrigo Auada

Tudo começa com uma promessa forte e impactante, que logo se transforma num texto que suscita a ambição das pessoas, na linha “saiba como transformar 1,5 mil reais em 227 mil reais em apenas um mês”. Depois de percorrer esse caminho sedutor, o candidato a investidor — em geral usuário de redes sociais com pouca ou nenhuma familiaridade com os mercados financeiro e de ações — se depara com uma oferta para comprar um relatório de análise de investimentos — este escrito com linguagem serena e moderada, como manda a Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Usando esse roteiro, casas de research podiam adotar uma estratégia de marketing ousada para impulsionar suas vendas sem sofrer sanções do regulador, cujas regras para a atividade de análise se limitavam aos profissionais pessoa física e aos relatórios assinados por eles. No início de maio, entretanto, a autarquia fechou essas brechas.

Editada para substituir a antiga Instrução 483, de 2010, a Instrução 598 obriga as casas de análise, na pessoa jurídica, a se credenciar em entidades autorizadas pela CVM em um prazo de 180 dias contados da data de edição da instrução (3 de maio). Passado esse período, elas passarão a ser punidas caso divulguem relatórios ou anúncios sobre esses materiais que não usem “linguagem serena e moderada”. Uma linguagem comedida também deve ser adotada para “exposições públicas, apresentações, vídeos, reuniões, conferências telefônicas e quaisquer outras manifestações não escritas, cujo conteúdo seja típico de relatório de análise”.

“Percebemos nesse segmento uma ampliação do uso de ferramentas de divulgação ou propaganda descasados das expectativas da CVM”, diz o superintendente de Relações com Investidores Institucionais da CVM, Daniel Maeda, destacando que a autarquia quer deixar claros os princípios de comunicação que considera adequados para a proteção do investidor. “Não podemos dar uma receita de bolo, mas a ideia é de que os investidores recebam informações verdadeiras, que não os levem a um erro de avaliação. Garantias de retorno ou de acerto de uma determinada estratégia não existem no mercado de valores mobiliários”, ressalta.

 

Chega de promessas

Embora oficialmente a nova instrução não tenha alvo específico, é inevitável observar que ela atinge em cheio o modus operandi da mais famosa das casas de análise independentes do mercado brasileiro, a Empiricus (leia também a reportagem E agora, Empiricus). Fundada em 2009 e hoje sócia do americano Agora Group, a empresa tem faturamento anual de 200 milhões de reais e cerca de 170 mil assinantes, basicamente pessoas físicas. Por considerar impróprias as ofertas de rentabilidade feitas pela Empiricus, em outubro do ano passado a Associação dos Analistas e Profissionais de Investimento do Mercado de Capitais (Apimec) puniu três de seus analistas (Felipe Miranda, Gabriel Casonato e Bruce Barbosa). A entidade autorreguladora determinou que eles não poderiam assinar relatórios de análise, e-mails de marketing ou qualquer outra comunicação relacionada a valores mobiliários por um período de 30 dias, a partir de 16 de novembro de 2017. Na avaliação da Apimec, as mensagens transmitidas pelos três analistas temporariamente desabilitados tinham “clara indicação de garantia de retorno de investimentos, com base em resultados obtidos no passado, induzindo os potenciais clientes da Empiricus a interpretações equivocadas quanto aos resultados de seus futuros investimentos”. O caso já indicava o que estava por vir — na época, a minuta da regra que substituiria a Instrução 483 passava por audiência pública.

“Não se entendia, com a Instrução 483, que a análise era em si uma atividade empresarial. O que importava para a CVM e para a Apimec não era a pessoa jurídica, mas o indivíduo com CNPI [certificação obrigatória para exercício da função de analista de valores mobiliários]”, comenta Guilherme Cooke, sócio da área de mercado de capitais e compliance do escritório Velloza Advogados. Ele vê na edição da nova norma uma continuidade das reformas das regras aplicáveis a prestadores de serviços de investimentos — em 2015, a CVM publicou a Instrução 558, que dispõe sobre o exercício profissional de administração de carteiras de valores mobiliários, e, em 2017, a Instrução 592, que trata da atividade de consultoria. Na opinião do presidente da CFA Society Brazil, Mauro Miranda, as novidades da Instrução 598 são positivas, principalmente para se evitar abusos das casas de análises com promessas ilusórias de retorno.

 

Sem escapatória

Ainda como parte da reformulação da atuação das casas de análise, a Apimec vai discutir com a CVM uma proposta de revisão do código de conduta que os analistas e empresas da área deverão seguir. “Havia um exagero no marketing dessas novas casas de análise independentes, mas agora os responsáveis não terão como se eximir de suas responsabilidades”, avalia o presidente da Apimec, Ricardo Martins.

E nem adianta tentar dar um jeitinho. “O fato de uma casa de análise se apresentar como empresa de mídia ou de divulgação e elaboração de periódicos não modifica o dever de credenciamento e a sujeição à regulamentação. Na prática, o que importa, independentemente da forma jurídica, é se a empresa está ou não fazendo a divulgação de um relatório de análise”, informa Maeda, da CVM. Reportagem de 12 de novembro do ano passado da CAPITAL ABERTO mostrou que em junho de 2017, pouco depois de a autarquia apresentar ao mercado suas sugestões de reforma para a Instrução 483, a Empiricus alterou seu registro na Junta Comercial de São Paulo, deixando de ser consultoria de investimentos para se tornar empresa de comunicação.

Assim como a Empiricus, outras casas de research não ligadas a bancos ou corretoras, como Eleven, Whats-Call, Suno e Toro Radar, surgiram nos últimos anos. Até o fim de 2018, todas elas terão de se adaptar às exigências da CVM. À parte o interesse dos investidores pessoa física por recomendações independentes de investimento, o surgimento desse nicho de mercado foi impulsionado pela redução das áreas internas de análise de corretoras e bancos — a crise ensejou o enxugamento dos quadros e a terceirização desse tipo de trabalho.

Enquanto o período de adaptação à norma continua em aberto, a Empiricus mantém a sua velha — e sedutora — estratégia. É que indica o teor de um comunicado enviado pela casa à base de assinantes de newsletters na manhã do dia 12 de maio — depois, portanto, da edição da Instrução 598. O texto promete ser possível garantir um valor de 228 reais a mais na conta “TODO DIA” — em maiúsculas no original —, sem a necessidade de “acordar (cedo), tomar banho, pegar trânsito e ficar 8 horas (ou mais) no trabalho” de segunda a sexta. Mas como? Segundo a Empiricus, assinando a série “Vacas Leiteiras”, sobre ações que pagam gordos dividendos. Procurada pela reportagem, a empresa não se manifestou. Pelo jeito, regulador e autorreguladores terão muito trabalho pela frente, mas pelo menos agora com munição reforçada.

 


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