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Estreia modesta
Os obstáculos que atrapalharam o uso do boletim de voto a distância nas assembleias de 2017
Ilustração: Rodrigo Auada

Ilustração: Rodrigo Auada

Estreias quase nunca saem 100% conforme o esperado. Estudos, ensaios e simulações muito raramente dão conta das diversas expectativas dos atores envolvidos e dos imprevistos que surgem na hora H. Talvez essa ideia ajude a ilustrar o que aconteceu na primeira temporada de operação do boletim de voto a distância no mercado brasileiro, que teve lugar nas assembleias gerais ordinárias (AGOs) de 2017, encerradas em abril. Não há ainda um balanço consolidado, mas as primeiras impressões divergem: alguns investidores e participantes dos mercados financeiro e de capitais identificaram complexidades e problemas no sistema que impediram uma estreia mais redonda; já a B3, que atua como intermediária no processo (tem papel de central depositária) e o regulador mostraram-se por ora satisfeitos, considerando suas expectativas, mais vinculadas à viabilização técnica do processo.

O boletim de voto a distância, regulado pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) na Instrução 561, passou a ser obrigatório para as 94 companhias abertas integrantes das carteiras do Ibovespa e do IBrX-100 — nesse quesito, a estreia ganhou aplausos: além desse grupo, outras onze empresas disponibilizaram voluntariamente aos acionistas os boletins remotos. De acordo com dados da B3, por ela passaram votos encaminhados a 88 companhias desse universo por um total de 13,6 mil boletins, oriundos de CNPJs e de CPFs. Esse número reflete apenas uma parte dos boletins transmitidos, já que os investidores poderiam optar por encaminhar suas manifestações diretamente para as respectivas empresas, sem passar pela central depositária.

“Nosso objetivo era garantir que todas as empresas conseguissem gerar o boletim e que os acionistas que assim quisessem pudessem votar, e isso aconteceu”, observa Cristiana Pereira, diretora comercial e de desenvolvimento de empresas da B3. De acordo com ela, a expectativa da Bolsa não era de uma grande adesão neste momento inicial, uma vez que “há uma curva natural de aprendizado dos investidores”. Isso ajuda a explicar outro aspecto da estreia do instrumento: “Temos a impressão de que não houve a adesão de acionistas que não votavam e passaram a fazê-lo com o boletim”, afirma Pereira, destacando que se trata apenas de percepção, não corroborada por números.

Adesão de extremos

Neste primeiro ano de uso em massa do boletim de voto, o quórum médio das assembleias ordinárias subiu 6% (para 77%), com adesão de 40% dos minoritários, segundo balanço da B3. O resultado, no entanto, mescla duas realidades distintas. Em 20 companhias, o uso do boletim atingiu 20% do capital — a campeã foi a Weg, com 82,10% dos votos exercidos a distância, indicando que até o controlador aderiu. Já em outras 26 empresas, os votos via boletim não atingiram 1% do capital social.

Documentos arquivados no site da CVM revelam que, de fato, pouquíssimos acionistas usaram o boletim para votar nas maiores companhias brasileiras: a Petrobras, por exemplo, recebeu votos correspondentes a 2,8% de seu capital social, percentual que foi de 6% na Vale e de 0,7% no Itaú. Em geral, as explicações para a baixa adesão estão relacionadas à complexidade do sistema (e, em alguns casos, a um surpreendente arcaísmo) e à incapacidade do modelo de boletim remoto de proporcionar uma participação de melhor qualidade dos minoritários.

, Estreia modesta, Capital Aberto

Na avaliação de Wanda Brandão, superintendente de societário e governança da SulAmérica, o mecanismo acabou sendo pouco utilizado porque seu formato ainda não é muito amigável aos acionistas. Segundo ela, além de disponibilizar o boletim aos seus acionistas, a seguradora decidiu fazer uma simulação, e preencheu boletins de outras companhias para testar o processo. A companhia constatou dificuldades no preenchimento principalmente por falta de clareza. “Nas questões de tratavam de voto múltiplo ou em separado, havia algumas respostas contraditórias ou confusas”, comenta Brandão. A SulAmérica recebeu 120 mil votos em sua AGO (equivalentes a 0,01% do capital social) por meio de dois boletins enviados por dois fundos de investimentos nacionais. Um deles, porém, zerou sua posição nas ações da companhia entre o envio do boletim e a data da assembleia — ou seja, no fim seus votos não foram contabilizados. Na avaliação de Brandão, essa situação gera insegurança jurídica para a empresa, à medida que cria uma expectativa de votação que pode não se concretizar.

Advogado do escritório Faoro & Fucci, Raphael Martins observa que, da maneira com que foi regulado, o boletim de voto cria uma dinâmica ruim para o exercício de direitos dos minoritários. “A participação do acionista não se resume a votar”, observa. Ele reclama, por exemplo, dos prazos estabelecidos pela regulamentação para um minoritário (ou um grupo deles) poder incluir propostas para serem apreciadas no boletim de voto. Conforme a Instrução 561, para que uma proposta entre na pauta da AGO por esse canal ela deve ser apresentada 45 dias antes do encontro. Um dos problemas, destaca Martins, é que as propostas da administração são divulgadas com antecedência de 30 dias, o que evidentemente impossibilita o encaminhamento de alternativas.

Igualmente é alvo de crítica pelo advogado a exigência de um percentual mínimo de participação acionária para inclusão de proposta. Na opinião de Martins, não há planejamento possível entre os minoritários que garanta esse quórum, por exemplo, em grandes companhias como Vale, Petrobras e Ambev — nas companhias com capital social superior a 10 bilhões de reais, pelo menos 0,5% dos detentores de uma classe de ações devem se juntar para garantir a inclusão de candidatos à administração no boletim de voto; no caso de inclusão de propostas à pauta de votação, a representatividade deve ser de 1% do capital social.

Questionado sobre o porquê dessa exigência, Gustavo Mulé, assistente da superintendência de relações com empresas da CVM, explicou que ela nasceu de um estudo feito pela autarquia e a intenção era evitar que as companhias recebessem uma enxurrada de pedidos. “Vamos observar esse item para verificar se será preciso algum tipo de ajuste para as assembleias dos próximos anos”, esclarece.

Corrida de obstáculos

A Amec, entidade que representa acionistas minoritários, notou ainda um problema nos processos relacionados aos investidores institucionais, como gestoras de recursos e fundos de pensão. De acordo com Mauro Cunha, presidente da associação, no caso dos gestores de fundações há falhas de comunicação entre o gestor — que é quem decide o voto nas assembleias das empresas investidas — e as áreas administrativas da gestora para que o voto chegue ao seu destino final.  Ele diz que é necessário que as áreas internas das gestoras disponibilizem aos tomadores de decisão as ferramentas para o exercício do voto a distância. Cunha também identifica um problema cultural. Parte dos gestores, afirma, ainda não compreende que faz parte de seu dever fiduciário votar nas assembleias das empresas em que investem por meio dos fundos que administram.

Muitos institucionais usaram o boletim apenas como teste neste ano. Alessandra Zequi, advogada do Stocche Forbes especialista em companhias abertas, observou que em muitas assembleias de empresas que adotaram o novo mecanismo houve acionistas que enviaram os boletins remotos sem abrir mão de procuradores para votar diretamente nos encontros (segundo a regra, nesses casos de duplicidade vale o voto do dia da AGO). “Esses acionistas participaram a distância para conferir se o mecanismo funcionaria e avaliar uma possível migração no futuro”, comenta Zequi.

Houve também queixas de ordem técnica. Investidores institucionais e individuais reclamaram que os custodiantes não ofereceram processos automatizados para o preenchimento do boletim remoto em seus sistemas, como já se faz para processos de subscrição de ações e de pagamento de dividendos, por exemplo.

“Precisei imprimir folha por folha de todos os boletins, rubricar e assinar todas elas e depois digitalizar para enviar. Um trabalho hercúleo”, afirma o especialista em governança corporativa e investidor individual Renato Chaves, que usou o boletim para votar na maioria das assembleias das 23 empresas que tem na carteira de ações.

Como em 2018 todas as empresas que emitem ações terão que aderir ao boletim remoto, a expectativa é de um incentivo adicional para a melhora da tecnologia dos custodiantes. Procurados pela reportagem, os três maiores custodiantes do mercado (Bradesco, Itaú e Banco do Brasil) não quiseram comentar as críticas. A primeira experiência do boletim de voto a distância mostrou que o mercado tem que melhorar tecnicamente, destaca José Roberto Pacheco, diretor de relações com investidores da Odontoprev. “Hoje é possível abrir conta no banco e a comprar ações por meio do celular, mas não é possível votar em uma assembleia da mesma forma”, afirma. A Odontoprev está no grupo de empresas que não recebeu nenhum voto pelo novo canal.

Outras companhias igualmente identificaram pontos que podem ser melhorados. A CPFL é uma delas. A companhia do setor elétrico tentou mexer no formulário do boletim remoto para alterar o candidato indicado pelos controladores ao conselho fiscal. Para os detentores de ADRs, a empresa reenviou os formulários e recebeu os votos normalmente, mas a B3 e a CVM barraram procedimento análogo para o caso do boletim de voto a distância, sob a alegação de que a mudança não está entre as permitidas pela regra (depois de divulgado ao mercado, o documento não pode sofrer alterações). Assim, os acionistas que quisessem votar naquele item específico precisariam comparecer à assembleia. Diretor de relacionamento com os investidores da CPFL, Leandro Cappa explica que, nessa situação específica, o voto dos minoritários não faria diferença (o controlador tinha maioria de votos para decidir sobre o assunto), mas ressalta que em outros contextos poderia ter pesado. A CPFL recebeu votos a distância correspondentes a 13% do capital social.

É provável que o boletim de voto evolua depois dessa primeira experiência, mas isso não garante, para a CVM, que a temporada de 2018 será mais tranquila. Ao contrário: como o canal será obrigatório para todas as empresas, incluindo aquelas que os investidores não acompanham tão de perto, será preciso acomodar no palco todos esses novos personagens. Talvez o roteiro vá mesmo precisar de muitas adaptações — e o público conta com a direção da CVM.

Mudanças sob avaliação

Apesar dos problemas verificados na estreia do boletim de voto, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) não garante alterações de curto prazo. “É preciso distinguir melhorias a serem feitas de dificuldades iniciais de uma norma que transforma a maneira de votar”, ponderou Claudia Hasler, gerente de desenvolvimento de normas da autarquia, em evento realizado pela Associação de Investidores no Mercado de Capitais (Amec). Ainda assim, ela listou algumas demandas dos investidores que serão avaliadas pela CVM:

  1. Flexibilidade para inclusão de propostas e candidatos: Atualmente, a norma prevê representatividade mínima para que os acionistas incluam candidatos e propostas no boletim. Além disso, depois de divulgado ao mercado, o documento não pode sofrer alterações;
  2. Possibilidade de votação através das corretoras: Diferentemente dos escrituradores, corretoras e distribuidoras de valores ficaram de fora da cadeia obrigatória de transmissão de voto para que aderissem ao sistema apenas em caso de demanda;
  3. Extensão do prazo para exercício do voto: Hoje, os investidores podem enviar o boletim de voto até seis dias antes da AGO;
  4. Inclusão de AGEs: A partir do próximo ano, o boletim de voto a distância será adotado nas assembleias ordinárias de todas as companhias com ações listadas no pregão; a norma, no entanto, não prevê obrigatoriedade para as assembleias extraordinárias;
  5. Transparência dos mapas de votação: Na véspera da assembleia, as companhias divulgam o mapa consolidado do uso do boletim (tanto os recebidos por prestadores de serviço quanto os que foram enviados diretamente para a companhia). O modelo identifica a quantidade de votos, mas não permite identificar quem votou em cada uma das deliberações.

 


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