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É correta a criminalização do insider trading secundário?
Meses após inclusão do insider secundário em tipificação criminal, validade de punição é debatida
insider trading secundário, É correta a criminalização do insider trading secundário?, Capital Aberto

Edson Garutti e Ludmila Groch/ Ilustração: Julia Padula

SIM

Por Edson Fábio Garutti Moreira*

A simetria de informações é um fundamento do mercado de capitais: cada participante espera que elas estejam igualmente acessíveis a todos. Desse princípio decorrem as regras de sigilo e divulgação e a proibição de negociação de valores mobiliários com base em informações relevantes ainda não divulgadas ao mercado. A proibição é tão importante que sua desobediência pode acarretar punição criminal. Em 2001 foi incluído na Lei 6.385/76 o artigo 27-D, que criminalizou o insider trading.

Inicialmente, a configuração do crime exigia que seu autor tivesse dever de sigilo sobre a informação privilegiada (por força de lei, contrato ou decisão administrativa ou judicial) — ele era designado insider primário. Quem usasse a informação sem ter esse dever era o insider secundário, que poderia ser considerado partícipe do crime desde que provada relação com o primário e/ou com seu dever de sigilo. Mas em 2017 uma alteração legal tirou do crime de insider trading a menção ao dever de sigilo. Em tese, qualquer pessoa pode ser considerada autora do crime, mesmo que não tenha obrigação legal, infralegal ou contratual de sigilo de informação relevante.

A partir de agora surgirão numerosas teses sobre a nova redação. Os defensores dos insiders desfilarão suas razões para a não aplicação desse crime: dirão que a alteração é inconstitucional, que mesmo que a caracterização do dever de sigilo tenha sido tirada do texto ainda seria necessária para a formalização do crime; apresentarão outras teses, que podem convencer ou confundir.

Mudança talvez iniba a prática do crime de insider

Pensando de modo pragmático: antes era a acusação que devia provar a relação do insider com o dever de sigilo; agora é a defesa que terá que lapidar teses para tentar descaracterizar esse aspecto do crime. Antes da alteração da lei, o insider secundário quase sempre escapava ileso, mas seu risco de penalização aumentou muito. Talvez isso iniba a prática desse crime.

A questão é que, de 2001 a 2017, houve apenas quatro registros de ação penal pelo crime de insider trading no Brasil. A única condenação existente fixou pena de pouco mais de dois anos de prisão e multa inferior a 350 mil reais — alcançou um diretor de relações com investidores de uma grande empresa, alguém com responsabilidades de sigilo decorrentes da lei criminal, das instruções da CVM e da Lei das S.As.

Com a alteração determinada pela Lei 13.506/17, o Estado não precisará mais obter a prova da obrigatoriedade de sigilo do insider, mas continua diante do desafio de provar todos os outros elementos do crime — que não são poucos, nem simples. Aliás, o mais complexo deles talvez seja a caracterização da informação como “relevante” para fins penais, adequando esse conceito à potencialidade lesiva da conduta criminosa ao bem jurídico tutelado — no caso, a higidez do sistema financeiro nacional. Ao insider secundário ainda caberá uma gama imensa de possibilidades de defesa, como dizer que a informação não era relevante para fins penais, que já era de domínio público que poderia ser inferida de outros dados públicos, que poderia ser obtida por fontes acessíveis a qualquer pessoa.

Infelizmente, o debate é mais acadêmico do que prático, já que não há histórico de casos que permita uma fundamentação estatística.

*Edson Fábio Garutti Moreira é delegado de Polícia Federal e atua na Delegacia de Repressão a Corrupção e Crimes Financeiros em SP


 

NÃO

Por Ludmila de Vasconcelos Leite Groch*

No mundo todo há assimetria de informações entre participantes dos mercados de valores mobiliários, o que leva os reguladores a se valerem de normas para proteger os investidores, como, por exemplo, a regulação de insider trading.

Quem usa informação relevante ainda não divulgada ao mercado e que possa propiciar vantagem indevida mediante negociação de valores mobiliários é chamado de insider, que pode ter relação com a empresa (acionista, diretor, conselheiro, funcionário, advogado, consultor) ou não. Conforme o tipo de acesso à informação relevante, ele é classificado como primário ou secundário. No primeiro caso, o acesso a informação relevante ocorre em função de cargo, profissão, atividade ou função que envolva a obrigação de sigilo; no segundo, alguém sem vínculo com a companhia recebe informação relevante por meio de um insider primário.

O crime de insider trading está previsto no artigo 27-D da Lei 6.385/76 e, até as alterações feitas pela Lei 13.506/17, restringia as hipóteses criminosas às condutas de insider primário — para não expor toda e qualquer pessoa que tenha contato com uma informação relevante ainda não divulgada ao mercado ao crime de insider trading.

A partir da vigência da Lei 13.506/17, ambas as formas de insider passaram a ser consideradas crime no Brasil: estão descritas na mesma figura típica, sendo apenadas da mesma forma na figura básica do caput; há apenas uma majorante nos casos em que sabidamente havia obrigação de sigilo. Mas restam dúvidas sobre a razoabilidade e a proporcionalidade dessa criminalização.

Questionamos a necessidade de tipificação criminal da conduta daquele que, desprovido da obrigação de sigilo, obteve algum tipo de informação relevante e a utilizou em benefício próprio ou de outrem, como no caso do insider secundário. O que mudou para que não se justifique mais o equilíbrio entre a tutela do mercado por meio de regulação administrativa de insider trading primário e secundário e as hipóteses criminosas restritas às condutas de insider primário? Por que o mercado conseguiu conviver durante anos com esse equilíbrio e agora não consegue mais? Que evidência empírica justifica essa mudança radical?

Questionamos a necessidade de tipificação criminal

A situação é agravada pelo fato de a questão não ter sido discutida com os participantes do mercado. A alteração do crime de insider trading não constava da Medida Provisória 784/17 (e nem poderia, já que MPs não podem tratar de matéria criminal), precursora da Lei 13.506/17, não foi discutida na audiência pública da MP no Congresso e foi incluída de última hora na lei. A falta de debate impossibilitou a compreensão das características do mercado de valores mobiliários, refinamentos no texto legal e inserção de exceções.

Não se pode aceitar que modalidades diferentes e com diversos graus de reprovabilidade abstrata estejam capituladas no mesmo dispositivo. Ademais, ao Direito Penal só deve caber a proteção subsidiária de bens jurídicos essenciais ao convívio em sociedade — privilegiando-se outras formas de resolução de conflito antes de uma conduta ser criminalizada. Medidas desproporcionais podem gerar insegurança jurídica e impedir que o caráter educativo da norma opere seus efeitos.

*Ludmila de Vasconcelos Leite Groch ([email protected]) é sócia na área penal empresarial de TozziniFreire Advogados. Colaborou Alexei Bonamin ([email protected]), sócio na área de mercado de capitais do escritório. 

 


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