Pesquisar
Close this search box.
Adeus ao passado
Lei 12.431 reconhece as vantagens da tecnologia para o mercado de capitais, mas a batalha contra a publicação de balanços foi perdida mais uma vez

Algumas velharias foram retiradas do armário com a Lei 12.431, assinada em 24 de junho pela presidente Dilma Rousseff. O texto — uma miscelânea de artigos sobre assuntos tão diversos como energia nuclear e precatórios (não por acaso, sua origem, a Medida Provisória 517, foi apelidada de árvore de Natal) — fez uma faxina em regras da Lei das S.As., removendo anacronismos que estavam mais do que na hora de sair de cena. As principais e mais comentadas mudanças até agora visam a destravar as emissões de títulos de renda fixa e criar um mercado secundário para eles. O assunto entrou convenientemente na agenda política em razão dos preparativos para a Copa e a Olimpíada no Brasil, que carecem de recursos privados para serem financiados. Mas há outras alterações que, apesar de terem sido menos badaladas, significam verdadeiros presentes para o mercado de capitais.

A legislação finalmente reconheceu que a tecnologia existe e pode evitar gastos de tempo e dinheiro. Um dos pontos mais relevantes nesse sentido é a possibilidade introduzida pela 12.431 de votar remotamente nas assembleias de acionistas. A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) já havia permitido o envio de procuração eletrônica, mas a legislação exigia a presença física de um representante no local do encontro. Com a mudança, o acionista poderá participar das decisões diretamente (dispensando a figura de um procurador) e sem sair de casa. A nova situação será regulamentada pela autarquia.

A Associação de Investidores no Mercado de Capitais (Amec) se prepara para as assembleias virtuais. Atualmente, está desenvolvendo em parceria com a Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima) um sistema de participação a distância nas reuniões. A MZ, consultoria de relações com investidores (RI) que presta o serviço de envio de procuração eletrônica, pensa em oferecer uma tecnologia para voto em tempo real. “Os recursos disponíveis hoje já permitem a realização desse procedimento com segurança”, diz Tereza Kaneta, executiva da MZ responsável pelos serviços de assembleias online. A consultoria aguarda definições da CVM para lançar o novo produto.

Um sinal de reconhecimento da evolução tecnológica veio também com a permissão para que livros de registros de ações nominativas, de transferência de ações e de partes beneficiárias sejam mantidos apenas em meios eletrônicos ou mecanizados.
A regra não vale para os demais livros, como o de atas de assembleias, que continuarão existindo fisicamente. Mas esse não é um custo relevante se comparado a outro que permanecerá na conta das companhias. No projeto que criou a lei, estava previsto o fim da exigência de publicação de balanços contábeis na imprensa oficial por companhias de pequeno e médio portes, mas a iniciativa foi vetada pela presidente Dilma. O plano era conferir essa dispensa a empresas com ativos inferiores a R$ 240 milhões ou receitas brutas anuais menores que R$ 500 milhões, autorizando-as a veicular uma versão simplificada dos balanços em jornais de grande circulação. Dilma alegou que a mudança diminuiria a transparência das companhias.

Em nota divulgada logo após o veto, a BM&FBovespa lamentou a decisão. A Bolsa acreditava que a redução do custo de divulgação seria um estímulo à abertura de capital das empresas.
De acordo com a Bolsa, essa despesa pode representar até 60% dos gastos de manutenção da condição de companhia aberta no caso das companhias menores. O manifesto cita ainda que a obrigatoriedade não apresenta qualquer justificativa nos tempos atuais, em especial após o advento da internet. Na mesma toada, muitos especialistas apostam que essa exigência não vá durar muito. “Podemos pressupor que todos os investidores têm acesso a meios eletrônicos. Ainda que alguns só se informem com jornais, a tendência é isso cair com o tempo”, prevê Daniel Tardelli Pessoa, sócio do escritório Levy & Salomão.

O requisito de que conselheiros detivessem ações da companhia foi outro arcaísmo derrubado. A intenção da norma anterior era vinculá-los aos resultados, mas a consequência foi o cumprimento pró-forma da regra. Era comum o conselheiro, antes de assumir o cargo, ganhar uma única ação. “Essa exigência, apesar de simples, gerava uma burocracia desnecessária para transferência de um valor irrisório”, recorda Sérgio Bronstein, sócio do escritório Veirano Advogados. “A saída de um conselheiro podia ser um problema para algumas empresas, principalmente as de pouca liquidez ou fechadas, pois era necessário fazer a devolução do ativo”, observa Eliana Chimenti, sócia do escritório Machado Meyer. Ela lembra que, quando o desligamento do profissional envolve litígio, pode ser difícil para a companhia reaver as ações.

Presidente Dilma alegou que a mudança na forma de publicação dos balanços diminuiria a transparência das empresas

IMPULSO ÀS CAPTAÇÕES — A parte da lei que estimula a emissão de debêntures também envolve os conselhos de administração. Com o objetivo de simplificar e apressar essas operações, o órgão ganhou o poder de autorizar uma emissão de debêntures com garantias reais (bens da empresa) não conversíveis em ações, com exceção dos casos em que o estatuto social disser o contrário.
Antes, era preciso convocar uma assembleia de acionistas para fazer essa captação. Nas emissões de debêntures conversíveis, a assembleia também estará dispensada se o estatuto determinar expressamente a possibilidade de o conselho aprovar a operação. Nesse caso, é necessário que o volume da operação não ultrapasse o limite do capital autorizado da emissora. As debêntures sem garantia real já podiam ser aprovadas pelos conselhos de administração até certo limite. Com a nova lei, essa barreira foi eliminada, independentemente da garantia.

A facilidade não agradou a todos. “Decisões sobre dívidas são relevantes e deveriam passar pelos sócios”, reclama Edison Garcia, superintendente da Amec. Ele teme que, ao ter a chance de lançar debêntures conversíveis sem passar pelo fórum dos investidores, os administradores — que, em muitos casos, são também os controladores — abusem de emissões que venham a diluir a participação dos minoritários. Otávio Yazbek, diretor da CVM, não tem esse receio. “A companhia já podia se endividar de várias formas menos vantajosas, com garantias reais e sem consultar minoritários”, afirma. Ele frisa que o capital autorizado é, por natureza, uma diluição pré-aprovada; logo, se os debenturistas se tornarem acionistas, ela ocorrerá dentro desse limite.

Ainda com a intenção de turbinar as emissões, a lei permitiu a recompra de debêntures por preço superior ao valor nominal. O intuito é possibilitar que as empresas quitem mais rapidamente suas obrigações com as debêntures para emitir novas, endividando-se de maneira mais barata quando houver a oportunidade. A restrição existente até então tinha o objetivo de minimizar o risco de transferência de valor entre acionistas e debenturistas, pois o dinheiro para o pagamento dos títulos sai do caixa da companhia. A CVM ficará responsável por endereçar essa questão no novo cenário, determinando as regras para a quitação. De acordo com Yazbek, esse e outros tópicos estão sendo analisados por diferentes setores técnicos da autarquia. No início de agosto, todas as áreas devem se reunir para compor a regulamentação, que provavelmente estará pronta até o fim de 2011.

Uma cereja colocada no bolo das debêntures é a autorização para que um mesmo agente fiduciário atue em várias emissões de uma empresa. Antes, cada emissão tinha de ter um agente diferente, para que ficasse assegurada a cada grupo de debenturistas a defesa dos seus interesses. A intenção do legislador era boa, mas a norma dificultava a vida dos emissores, pois são poucos os prestadores desse serviço no País. “Com essa restrição, havia o risco de a companhia chegar ao ponto de ter de contratar alguém em quem ela não confiava”, comenta Yazbek. Assim como na mudança sobre a recompra, a dúvida agora é como a preocupação anterior será gerenciada. Segundo o diretor, a regulamentação desse tema deverá seguir na direção de permitir a atuação do mesmo agente apenas em emissões com atributos similares, de modo que ele atenda clientes que tenham os mesmos interesses.

ALÉM DO PAPEL — A lei trouxe facilidades inegáveis para acionistas e administradores, além de outros benefícios, como algumas isenções fiscais para os investidores. Entretanto, é pouco provável que ela seja suficiente para o mercado de dívidas crescer significativamente. Há outras condições necessárias para a decolagem, como a mudança de cultura nas empresas, dos investidores e, claro, do próprio Estado. “A partir do momento em que ficar claro que temos bons pagadores, o mercado vai deslanchar”, considera Francisco Mussnich, sócio do escritório Barbosa, Mussnich e Aragão.

Outro entrave é a competição imposta por títulos públicos pouco arriscados e com alto retorno. “Enquanto o governo pagar juros tão altos por papéis com pouco risco, fica muito complicado fazer frente a isso”, conclui José Eduardo Carneiro Queiróz, sócio do escritório Mattos Filho Advogados.


Para continuar lendo, cadastre-se!
E ganhe acesso gratuito
a 3 conteúdos mensalmente.


Ou assine a partir de R$ 34,40/mês!
Você terá acesso permanente
e ilimitado ao portal, além de descontos
especiais em cursos e webinars.


Você está lendo {{count_online}} de {{limit_online}} matérias gratuitas por mês

Você atingiu o limite de {{limit_online}} matérias gratuitas por mês.

Faça agora uma assinatura e tenha acesso ao melhor conteúdo sobre mercado de capitais


Ja é assinante? Clique aqui

mais
conteúdos

APROVEITE!

Adquira a Assinatura Superior por apenas R$ 0,90 no primeiro mês e tenha acesso ilimitado aos conteúdos no portal e no App.

Use o cupom 90centavos no carrinho.

A partir do 2º mês a parcela será de R$ 48,00.
Você pode cancelar a sua assinatura a qualquer momento.