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A saga da BR Distribuidora
Caso evidencia uma sucessão de erros da CVM
Carlos Augusto Junqueira de Siqueira*

Carlos Augusto Junqueira de Siqueira*

No dia 20 de outubro de 2000, a Petrobras e a BR Distribuidora divulgaram comunicado de fato relevante para informar terem firmado protocolo para efetivar a incorporação das ações da BR, o que a transformaria em subsidiária integral da Petrobras. Uma assembleia geral extraordinária (AGE) foi convocada para deliberar sobre o assunto. Na época, esse tipo de operação já estava disseminado, e sempre foi aceito sem condicionamentos pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Por isso, foi inusitado o fato de a autarquia ter determinado à Petrobras a realização de uma oferta pública de aquisição de ações (OPA) para o fechamento do capital da BR antes da incorporação, além da reconvocação da AGE.

A Petrobras recorreu, mas não teve sucesso. O colegiado manteve a decisão: a OPA deveria ser feita antes da incorporação das ações. Alguns meses depois, em abril de 2001, as empresas anunciaram terem desistido dessa operação, embora sustentando sua legalidade.

O posterior cancelamento do registro da BR foi concedido pela CVM logo no início de 2003, sendo claro o nexo de causalidade entre a exigência anterior do regulador — que jamais foi revogada — e a decisão de fechamento do capital da BR. Dito de outro modo, a intenção de incorporar as ações da BR sempre foi a primeira opção da Petrobras e a OPA para fechamento do capital decorreu de uma imposição da CVM, casuística e carente de fundamentação.

Passados muitos anos, em maio de 2016, a Petrobras consultou a CVM a respeito da incidência do direito de preferência previsto no art. 253 da Lei das S.As. no caso da eventual venda de ações de emissão da BR, por entender que o dispositivo legal não se aplica ao caso (a companhia citou precedentes da CVM de 2010 e 2011) — afinal, a BR passou à condição de subsidiária em decorrência de OPA (voluntária) e de resgate (compulsório) de ações. A Superintendência de Relações com Empresas da (SEP) afirmou que o direito de preferência deve ser assegurado aos acionistas da controladora, contestou os argumentos da Petrobras e apontou diferenças entre o caso concreto e os precedentes invocados.

A Petrobras recorreu dessa decisão que, no entanto, foi mantida pela SEP. Em consequência, o recurso foi encaminhado ao colegiado e a decisão foi favorável à empresa, por três votos a um. Data venia, acredito que o entendimento da SEP é o mais adequado, sendo importante notar que os antecedentes do caso foram considerados apenas parcialmente; se examinados em sua inteireza, vulneram o entendimento do colegiado.

Situando a questão conforme tratada na Lei das S.As., temos que o direito de preferência constitui direito essencial dos acionistas (art. 109, IV), que dele não podem ser alijados sem expressa previsão legal, posto que fundamentado nos princípios de igualdade, proporcionalidade e integridade das participações acionárias. O art. 253, ao regular a admissão de acionistas em subsidiária integral, prevê expressamente a aplicação do disposto no art. 171 (que trata do direito de preferência), sem mencionar o art. 172, que prevê a exclusão desse direito. Essa previsão afasta interpretações visando excluir o direito de preferência, como mostra a boa doutrina[1].

A forma de criação da subsidiária integral não alcança o direito dos acionistas — muito menos para derrogá-lo. A lei não faz a distinção que se pretende fazer para atender, inclusive, a conveniências de controladores ou investidores relevantes. No caso da BR, a incorporação de ações foi precedida por três etapas: a compra de ações na OPA de fechamento do capital, a compra de ações remanescentes após o leilão e o resgate das ações pertencentes àqueles que não alienaram seus títulos nas etapas anteriores. Com o resgate compulsório, a Petrobras assumiu a titularidade de 100% do capital social da BR, que se tornou sua subsidiária integral.

O alegado caráter voluntário da aquisição das ações, invocado para excluir a preferência, não constitui elemento suficiente para afastar os direitos previstos no art. 253. Já no resgate impróprio, estabelecido no art. 4º, §5º, da Lei das S.As., não há, por óbvio, que se falar em voluntariedade dos acionistas.

Verifica-se, assim, a omissão dos fatos antecedentes à OPA, dada a inexistência da devida conexão com a verdadeira razão da operação de fechamento do capital da BR — a determinação feita pela CVM em novembro de 2000, o que retira, também da oferta de fechamento, o caráter voluntário.

Vale notar que a voluntariedade na aceitação de OPA visando o cancelamento do registro tem duas faces. Se a regulamentação não obriga a aceitação de ofertas de compra, as circunstâncias fáticas que eventualmente se apresentem no negócio podem torná-la imperativa para os minoritários.

Portanto, considerando o disposto nos arts. 109, 171 e 253 da Lei das S.As. e, ainda, o histórico do caso, não apreciado em seu todo, parece-nos equivocada a argumentação da Petrobras e acatada, por maioria de votos, pelo colegiado.


*Carlos Augusto Junqueira de Siqueira ([email protected]) é advogado e autor de Transferência do Controle Acionário


[1]“A admissão de acionistas na subsidiária integral (art. 253) [da Lei 6.404/76] significará a quebra da unipessoalidade e o fim do particularismo. Essa decisão dependerá da assembleia-geral da controladora, na qual inclusive será oferecida aos seus acionistas a preferência para a aquisição (art. 171). Observe-se que o art. 253 apenas se reportou ao art. 171, não fazendo qualquer alusão ao art. 172, este concernente aos casos de exclusão do direito de preferência.” José Edwaldo Tavares Borba. Direito Societário. Renovar, 9ª edição, p. 498


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