Pesquisar
Close this search box.
Jogo rápido
Avanço das negociações de alta velocidade preocupa os reguladores, mas, na prática, elas são um caminho sem volta

, Jogo rápido, Capital Aberto

 

Pense na panela de pressão, uma invenção tecnológica simples que tornou a vida muito mais fácil. Com ela, cozinham–se em poucos minutos alimentos que demorariam horas para ficar macios. É confiável, prática e segura… até explodir. A mesma lógica vale para as negociações em alta frequência (HFT, na sigla em inglês), feitas por programas de computadores. Por meio de algoritmos, eles analisam muitas variáveis ao mesmo tempo e disparam ordens de compra ou venda. Nos Estados Unidos, pelo menos 55% das operações em bolsa são feitas dessa forma. Na maioria das vezes, tudo dá certo, com gente comprando e vendendo em microssegundos (o que, sem esses programas, levaria alguns segundos). O problema é se explode. Por exemplo, quando as ordens de compra e venda vão todas na mesma direção, provocando movimentos abruptos e sem fundamento — um Flash Crash, como o que aconteceu em 6 de maio de 2010 na Nasdaq. Naquele dia, o índice Dow Jones despencou mil pontos (ou 9%) em questão de minutos. Mas assim como o risco de a panela de pressão ir pelos ares, sujar toda a cozinha e estragar o seu jantar não vai fazer com que você volte a preparar o feijão à moda antiga, a chance de a bolsa desabar de repente não vai levar os investidores a abandonar os programas de HFT.

A BM&FBovespa vem trabalhando para oferecer mais recursos de alta frequência aos investidores. Em agosto, anunciou o início da adoção do Puma Trading System, uma plataforma tecnológica que promete executar ordens em cerca de 1,5 milissegundo (0,0015 segundo) — bem menos que os 15 milissegundos atuais (0,015 segundo), mas não mais que o placar da Nasdaq, onde as ordens levam, em média, 300 microssegundos (0,0003 segundo) para serem executadas. A implantação do Puma deve ser concluída em 2012. Atualmente, as negociações com HFT representam 8,3% do total do volume financeiro transacionado no segmento BM&F e 10,29% da Bovespa.

O avanço preocupa os reguladores. “Precisamos nos aparelhar para supervisionar essas operações”, afirmou Maria Helena Santana, presidente da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), em palestra durante o 5º Congresso Internacional de Mercados Financeiros e de Capitais, em agosto, em Campos do Jordão (SP). Na prática, não há muito a fazer a não ser monitorar. “O que importa para a CVM é que essas operações não gerem instabilidade no mercado pela falta de filtros para impedir manipulações. Proibir ou restringir o uso não está na nossa agenda”, diz Otávio Yazbek, diretor da autarquia.

De fato, a restrição do uso seria um atraso. Se o Brasil vetasse essa tecnologia, outros países a permitiriam e atrairiam milhares de investidores ávidos por operar rapidamente. O obstáculo à frente do regulador, contudo, não é fácil de ser superado: a velocidade de fiscalização dificilmente vai ser tão rápida a ponto de analisar os milhões de ordens. “Há esse problema em todo lugar. Ainda é muito difícil interpretar os dados gerados pelos programas e evitar os danos que eles podem causar”, observa Gilberto Biojone, sócio diretor da consultoria SGB e integrante da associação International Stock Exchanges Executives Emeriti (ISEEE), que reúne executivos de bolsas de valores de todo o mundo.

Um dos desafios dos reguladores ao lidar com o HFT é perceber trapaças como as fleeting orders.Trata–se de um tipo de manipulação que consiste em enviar várias ordens de compra ou venda e cancelá–las logo em seguida, com o objetivo de diminuir ou aumentar o valor do ativo. A lógica é que o envio de ordens de compra a R$ 9 por ações negociadas a R$ 10 pode provocar uma baixa sem fundamento. Quem conseguir comprar a R$ 9, portanto, logo vai poder vender a um preço mais alto, assim que o efeito artificial se desfizer. O Brasil tem uma vantagem na hora de identificar e punir o autor desse tipo de manipulação. Diferentemente dos Estados Unidos, a nossa bolsa de valores tem como saber quem é o último beneficiário de uma operação. “A qualquer momento a Bolsa pode desligar a conexão de um negociador para verificar se ele está operando de forma adequada”, explica Waldir Nobre, superintendente de relações com o mercado e intermediários da CVM.

Mas esse controle talvez não seja assim tão simples, adverte Luís Gustavo Penteado, diretor da Progress Software Brasil, empresa que elabora programas para operação de alta frequência. Ele relata o caso de um de seus clientes, que opera em seis mercados diferentes e chega a enviar 800 mil ordens de compra ou venda pelo computador em busca de contraparte. Dessas, apenas cerca de 15 mil são executadas. Em outras palavras, pelo menos 785 mil ordens diárias desse investidor não chegam a virar negócios, porque essa é a natureza das operações com HFT. O problema é que, mesmo sem concretização, essas ordens podem ter efeito no preço do ativo, já que são entendidas pelo mercado como oferta ou demanda. “É fácil punir o manipulador aqui no Brasil, mas vai ser muito difícil a Bolsa analisar todas essas ordens e dizer qual foi honesta e qual foi manipuladora”, pondera Biojone.

PÂNICO SEM FUNDAMENTO — Se as fleeting orders são uma pedra no sapato, o risco de um movimento abrupto de alta ou baixa no pregão incomoda por sua imprevisibilidade. A Securities and Exchange Commission (SEC), órgão regulador norte–americano, realizou uma longa análise da queda repentina do índice Dow Jones em maio do ano passado e creditou–a às negociações de alta frequência. Para o órgão regulador, foi a reação rápida e automática dos computadores que levou o mercado a uma queda típica de dias de pânico quando não havia nada de anormal influenciando os investidores.

O estudo The Flash Crash: The Impact of High Frequency Trading on an Electronic Market, realizado por acadêmicos das universidades de Maryland e da Carolina do Norte, além da Commodity Futures Trading Commission, ajuda a desvendar o episódio. Tudo começou com investidores fundamentalistas colocando muitos de seus ativos à venda no mercado, em grande parte porque avaliavam que a crise grega poderia ter impacto sobre eles em um futuro próximo. Os compradores naturais dessa primeira leva de ações são os intermediários e os negociadores de alta frequência, que depois as repassam aos investidores fundamentalistas que têm interesse em comprar os papéis.

Num contexto normal, essa operação teria acontecido sem grandes problemas. Mas, como o volume de ativos à venda era muito grande, os operadores de alta frequência começaram a se desfazer de suas posições logo em seguida, competindo com os vendedores fundamentalistas que se mantinham na ponta vendedora. Dessa forma, os high frequency traders tiraram liquidez do mercado, e os compradores fundamentalistas não tinham como absorver tanta pressão de venda. O resultado foi a queda repentina. Passaram–se alguns minutos até que as pessoas por trás das máquinas se dessem conta do que estava ocorrendo e atuassem para reverter a situação.

As negociações HFT representam 8,3% do total do volume financeiro transacionado na BM&F e 10,29% na Bovespa

Tudo no crash aconteceu muito rápido, mas o debate depois dele vem sendo longo. O professor de finanças do Insper Marco Caetano acredita que esse foi um exemplo claro de como a análise dos fundamentos da economia e das empresas tende a ser cada vez mais desconsiderada com o uso de programas ultravelozes. “Nenhuma companhia deixa de ser um bom negócio em frações de segundo”, ressalta. Já Marco Avellaneda, professor de matemática na Universidade de Nova York, estudioso e defensor do modelo de HFT, não concorda que os fundamentos sejam abandonados. Segundo ele, ao elaborar os algoritmos com os quais o computador trabalha, o investidor faz uma série de escolhas baseadas na análise de setores econômicos e das companhias. Para Avellaneda, o flash crash pode até se repetir, mas trata–se de um fenômeno raro e que está longe de eliminar os benefícios do uso da tecnologia.

Os riscos das negociações de alta frequência também passam por questões que vão além da hipótese de explosão. Para ocorrerem, essas negociações precisam de papéis muito líquidos — afinal, só dá para comprar e vender em segundos ativos amplamente negociados. O efeito disso, alerta Biojone, pode ser a concentração dos negócios nas ações mais líquidas e o desestímulo à presença na Bolsa de companhias com menor potencial de liquidez ou à abertura de capital de novas empresas. Avellaneda contrapõe argumentando que a própria natureza do mercado tende a evitar isso: “A partir do momento em que todos usarem as mesmas técnicas e apostarem nas mesmas ações, tudo ficará tão previsível que alguém perceberá isso e tratará de operar de forma diferente”.

POPULARIZAÇÃO EM CURSO — Enquanto não há certeza sobre o tamanho dos riscos oferecidos pelas negociações do tipo HFT, as corretoras tratam de usá–las a favor dos seus negócios. A estratégia mais recente é levar a alta frequência aos investidores pessoas físicas. A TOV anunciou que planeja começar a oferecer o serviço para mais de mil clientes do home broker neste mês de dezembro, ao preço de R$ 100. Para Carlos Fraga, diretor de renda variável da corretora, o custo reduzido do serviço não fará, necessariamente, com que haja um aumento muito grande no volume de negócios por pessoas físicas, porque a taxa de corretagem por negociação continuará a ser cobrada. Fraga também destaca que a empresa pretende fazer um esforço para educar e orientar seus clientes com cursos e palestras. “Não podemos simplesmente oferecer o produto sem conscientizar o investidor do risco, pois uma perda grande pode fazer com que ele pare de apostar na Bolsa.”

A corretora Banif, que já oferece operações com algoritmos para investidores institucionais, considera a possibilidade de colocar o produto à disposição dos clientes prime. “É um serviço mais caro, exige um depósito de garantia maior e algum conhecimento de mercado”, esclarece Alexis Machado, gerente sênior de mesa eletrônica.

A popularização da alta frequência pode pôr fim a uma das maiores críticas a sua utilização: a de que pessoas físicas não têm como competir com as máquinas e, por essa razão, atuariam nas bolsas de valores em desvantagem. O quadro atual ainda reflete a desigualdade. A Progress Software, por exemplo, tem 27 clientes que operam com seus serviços no País, dentre corretoras, bancos e fundos multimercados, e apenas uma pessoa física. Cada cliente gasta, em média, R$ 10 mil por mês com o uso do software, o que justifica a predominância do investidor institucional.

Caetano, do Insper, não acredita que disseminar o produto seja a solução. Ele é da opinião de que as transações de alta frequência prejudicam a dinâmica do mercado e, por essa razão, já que é impossível interditá–la, sua adoção deveria ao menos ser restrita. Além de defender um aumento de imposto para operações do tipo, ele entende que não deveria ser permitido o uso desses programas por pessoas físicas. “Os algoritmos são para quem tem experiência e formação”, avisa. Seria como pensar, seguindo o raciocínio do professor, que as panelas de pressão deveriam ser excluídas do uso doméstico devido ao risco de explosão. Faz sentido? Depende do risco, é claro. A diferença é que os perigos das negociações de HFT ainda não são tão conhecidos como os da panela.


Para continuar lendo, cadastre-se!
E ganhe acesso gratuito
a 3 conteúdos mensalmente.


Ou assine a partir de R$ 34,40/mês!
Você terá acesso permanente
e ilimitado ao portal, além de descontos
especiais em cursos e webinars.


Você está lendo {{count_online}} de {{limit_online}} matérias gratuitas por mês

Você atingiu o limite de {{limit_online}} matérias gratuitas por mês.

Faça agora uma assinatura e tenha acesso ao melhor conteúdo sobre mercado de capitais


Ja é assinante? Clique aqui

mais
conteúdos

APROVEITE!

Adquira a Assinatura Superior por apenas R$ 0,90 no primeiro mês e tenha acesso ilimitado aos conteúdos no portal e no App.

Use o cupom 90centavos no carrinho.

A partir do 2º mês a parcela será de R$ 48,00.
Você pode cancelar a sua assinatura a qualquer momento.