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Interesses soberanos
Peter Clifford
, Interesses soberanos, Capital Aberto

A consolidação das bolsas de valores tem se revelado um movimento intrincado. Em maio, Nasdaq e ICE retiraram a proposta que fizeram pela Nyse Euronext, porque os órgãos antitrustes torceram o nariz para a ideia. Um mês antes, os australianos haviam vetado a fusão da sua bolsa com a de Cingapura. No fim de junho, foi a vez de os acionistas da canadense TMX dizerem não para a proposta de fusão com a Bolsa de Londres. A negativa veio após uma proposta concorrente ter sido apresentada por um grupo de instituições financeiras canadenses que não gostaram nada da ideia de ver a TMX em braços ingleses.

Na opinião do secretário geral da World Federation of Exchanges (WFE), Peter Clifford, dá para entender os ares de xenofobia que pairam sobre essas negociações, dada a importância das bolsas de valores na captação de poupança pública. Mas ele enxerga uma certa incoerência no comportamento dos reguladores: no dia a dia, as bolsas são meros agentes do sistema financeiro e não merecem muita atenção da parte deles; já quando alguém fala em fusão, viram um valioso tema de interesse nacional. Para Clifford, as bolsas deveriam ser tratadas como as companhias aéreas, que se fundem umas com as outras além das fronteiras de seus países sem significar uma ameaça à soberania de ninguém.

CAPITAL ABERTO: Quais os temas principais na agenda da WFE hoje?

PETER CLIFFORD: Nos últimos dois ou três anos, um dos assuntos mais importantes para nós tem sido a reforma dos mercados de balcão, porque foram eles que levaram a um descrédito dos mercados de capitais em geral. Nós não queremos que as bolsas e os investimentos globais sofram com os problemas criados por esses mercados desregulados. A fragmentação de mercados como o norte-americano, em que vários players exercem a função de uma bolsa de valores, é uma questão muito importante. Como lidar com essas plataformas alternativas, que não estão sujeitas hoje às mesmas regras de uma bolsa? Na Europa, 16% das negociações acontecem em mercados completamente desregulados. Nos Estados Unidos, estima-se que 33% dos negócios ocorram nesses ambientes. Precisamos deixar esses mercados mais parecidos entre si. Se você tem o mesmo tipo de atividade, deve estar sujeito às mesmas regras.

A fragmentação dos mercados, com vários ambientes competindo entre si, seria, então, um problema?

A fragmentação deveria ser a melhor coisa. Quando há pouca competição, a negociação ocorre a preços menos atrativos

A fragmentação, em geral, deveria ser a melhor coisa. Estive em um encontro dos mercados de opções nos Estados Unidos recentemente e vi que, nesse segmento, eles têm várias plataformas competindo, mas todas são reguladas. Você não tem “internalização” (quando bancos e corretoras decidem criar suas próprias bolsas para fazer negócios entre eles, sem mostrá-los para o mercado) e não tem dark pools. Isso faz com que seja muito mais fácil disciplinar esses ambientes e, ao mesmo tempo, promover a competição. Quando você tem um mercado fragmentado, pode haver acidentes como o flash crash. Quando se tem pouca competição, as pessoas acabam negociando a preços menos atrativos do que fariam se pudessem compará-los com os de outros ambientes.

O senhor considera sustentável um modelo de monopólio como o que a BM&FBovespa tem hoje no Brasil?

Não vejo a bolsa brasileira exatamente como um monopólio. Ela compete com a Bolsa de Nova York na parte dos American depositary receipts (ADRs), por exemplo. Além disso, no geral, as bolsas de valores têm de ser eficientes e competitivas, senão os bancos e as corretoras começam a negociar no mercado de balcão, fora das bolsas, ou a criar outros ambientes de negociação. Esse é um tipo de concorrência que existe no modelo de qualquer bolsa. Mas é verdade também que, nos últimos anos, houve a onda de lançamentos de sistemas alternativos de negociação e que, após a crise financeira, os reguladores ficaram mais resistentes a eles, porque perceberam que os ambientes regulados das bolsas são mais seguros para todo o sistema. Não sabemos ainda o efeito que essa visão dos reguladores vai ter sobre a competição.

Na sua opinião, por que a Nyse Euronext, que negocia US$ 17 trilhões por ano em ações (dado de 2010), aceitou ser vendida para a Deutsche Börse, que negocia US$ 1,6 trilhão?

Há algumas razões, e a primeira delas é tecnologia. Tanto a Nyse como a bolsa alemã investiram muito em tecnologia nos últimos anos e hoje possuem data centers que, juntos, poderiam dar conta de todas as negociações com ações no mundo. Quando você atinge uma situação como essa, novos investimentos se tornam desnecessários. Por isso a ideia de se juntar. Outro aspecto é o objetivo de criar um modelo transatlântico de negócios, o que abre espaço para se dirigir a outras regiões e fazer parcerias, assumindo uma posição muito mais forte. Olhar, por exemplo, para o mercado asiático e para o latino-americano. Com esse tamanho, eles se tornam parceiros mais óbvios para esses mercados potenciais.

O objetivo seria assumir a liderança no processo de consolidação mundial…

Olhando para o tamanho das empresas, as maiores bolsas hoje são a CME, a de Hong Kong e a BM&FBovespa (em 2 de junho, as bolsas mais valiosas eram, nesta ordem: Hong Kong, CME, Deutsche Börse e BM&FBovespa). E todas são bolsas com estruturas de custódia e liquidação integradas, o que faz delas grandes mercados em relação às que não têm essa característica. A Nyse, devido à estrutura de mercado dos Estados Unidos, não tem o modelo integrado. Além disso, não é forte no mercado de futuros. Faltam a ela alguns componentes importantes para ter um portfólio completo de serviços. Com a Deutsche, terá os serviços de pós-trading ao menos na Europa. Há muitas sinergias interessantes.

Mas parece que, para a maioria das pessoas, faria mais sentido a Nyse Euronext ter comprado a bolsa alemã, e não o contrário.

Não necessariamente. A Nyse tem outros 40 ambientes de negociação competindo com ela, entre bolsas criadas pelos bancos, dark pools e ECNs (plataformas eletrônicas), e a maior parte dos seus negócios está no mercado à vista, que hoje é considerado uma commodity. Ela tem essa desvantagem, embora possua uma marca muito respeitada e seja bastante eficiente, como mostraram os resultados do último trimestre. Tomando por base os números recentes, a Nyse é muito menor que a Deutsche Börse em ativos (US$ 13,8 bilhões contra € 172 bilhões, segundo o balanço de 31 de março). Então, a ideia de que a Nyse compraria a bolsa alemã não faz sentido economicamente. Lembre-se de que Hong Kong, CME e BM&FBovespa são maiores (em capitalização de mercado). Portanto, elas seriam as verdadeiras líderes em qualquer processo de consolidação do ponto de vista econômico.

Se a nova empresa a ser formada por Nyse e Deutsche Börse tentar comprar bolsas no Brasil ou na Ásia, terá dificuldade com os reguladores locais

O senhor vê a união entre Nyse e Deutsche Börse, se concretizada, como potencial para uma consolidação com a bolsa brasileira?

O maior obstáculo a isso seriam as questões regulatórias. Nos Estados Unidos, a Nasdaq não conseguiu manter a sua oferta pela Nyse por essa razão. Cingapura e Austrália também tiveram esse problema. E, provavelmente, se a nova bolsa a ser formada por Nyse e Deutsche Börse tentar comprar bolsas no Brasil ou na Ásia, terá a mesma dificuldade com os reguladores locais, que não vão querer uma bolsa estrangeira controlando o seu mercado. Isso é surpreendente porque, de um lado, as bolsas de valores são tratadas como simples atores do sistema financeiro pelos reguladores, como meras provedoras de índices. Mas quando o assunto vira uma fusão, elas subitamente se transformam em objeto de interesse nacional. A verdade é que não sabemos como os reguladores vão se comportar. Por essa razão, acho provável vermos mais parcerias em serviços e linhas de produtos entre as bolsas do que fusões propriamente ditas. É possível que vejamos uma abertura para a instalação de bolsas estrangeiras, como aconteceu na Austrália, que abriu espaço para a entrada da europeia Chi-X. Porém, a aquisição de bolsas locais por grupos de fora é sempre mais difícil.

Existe ainda muita resistência política às aquisições de bolsas?

As reações políticas existem e são compreensíveis. As bolsas são provedoras de serviços para as principais indústrias do país e também lidam com a poupança pública. Do ponto de vista da WFE, se as bolsas operam nos mais elevados padrões de qualidade no que diz respeito a segurança e eficiência, elas estão aptas a operar além das suas fronteiras e a consolidar atividades. Entendemos que, teoricamente, as bolsas deveriam funcionar como as companhias aéreas, que estão liberadas para se unir a empresas de outros países.
Mas sabemos que, na prática, não é bem assim.

As parcerias entre bolsas e o desenvolvimento da tecnologia, que permite a investidores negociar ações de empresas de outro país com facilidade, podem reduzir o interesse das companhias pelo cross listing ao longo do tempo?

Ter ações negociadas por investidores de outro país nunca é fácil. Você pode listar a companhia na bolsa desse país ou simplesmente ter as ações negociadas lá graças a uma parceira, mas, em qualquer caso, sempre será preciso esforço para atrair a atenção dos investidores locais e gerar liquidez. Dependendo do caso, se a empresa tem negócios no mercado em questão, faz sentido listar-se na bolsa para ganhar exposição e, eventualmente, usar essas ações em uma aquisição. Há também um pouco de moda nessa questão. Ter uma listagem em Nova York já foi importante; contudo, hoje, Londres está mais na moda, ou talvez Hong Kong. Essa decisão depende muito, por exemplo, do quanto os investidores daquele país estão valorizando os papéis do segmento da companhia que quer se listar.


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