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Insiders se sofisticam
O uso indevido de informações privilegiadas ocorre de forma cada vez mais tênue e complexa

O uso de informações privilegiadas para negociação de papéis — chamado, de forma simplificada, “insider trading” — é um velho problema dos mercados de capitais. Um dos casos mais antigos registrados foi o do financista londrino Nathan Rothschild, que enviou agentes particulares para saber em primeira mão o resultado da batalha decisiva de

Waterloo, em 1815. Ao tomar conhecimento da derrota de Napoleão, Rothschild espalhou boatos de que as tropas inglesas é que haviam sido derrotadas. Em poucas horas, os títulos do governo inglês despencaram de valor. Foi quando ele se aproveitou para comprá-los em grande quantidade. Com a chegada da notícia verdadeira a Londres, os títulos se apreciaram fortemente. Rothschild realizou um ganho extraordinário com a operação, multiplicando sua fortuna pessoal em cerca de vinte vezes e passando a controlar a economia britânica.

Essa história ilustra como as informações ainda não divulgadas valem ouro. Logo, é muito tentador utilizá-las. Entretanto, é óbvio que essas operações podem causar sérios prejuízos a terceiros. Ao se adquirir uma ação antes da publicação de uma boa notícia, ganha-se à custa de seus antigos proprietários. Se ela é vendida antes de uma má notícia, transfere-se o prejuízo aos novos donos do papel. Trata-se de um tema a ser enfrentado pelas companhias, que precisam ficar atentas ao vazamento de informações sigilosas; e pelos reguladores, que devem monitorar sistematicamente o mercado e punir adequadamente os infratores.

O problema é que as transações de insiders têm se tornado mais complexas. Podem-se elencar três grandes gerações da operação, em ordem crescente de sofisticação. A primeira, mais simples, é aquela na qual pessoas diretamente envolvidas com o dia a dia da empresa, como administradores e controladores, operam no mercado antes da divulgação de fatos relevantes. Essa é a situação mais tradicional e bastante monitorada por empresas e reguladores.

Dois casos recentes dessa natureza tiveram grande repercussão na mídia brasileira: Sadia e Randon. No primeiro, de 2005, dois administradores da Sadia realizaram lucro após comprar e vender recibos de ações (ADRs) da Perdigão durante a tentativa de aquisição hostil da companhia. Em outro episódio, de 2002, seis administradores da Randon foram acusados de comprar ações de empresas do grupo antes do anúncio da entrada de um sócio estratégico norte-americano, o qual levou a um aumento substancial do preço dos papéis. Esses casos foram os primeiros a ocasionar processos na esfera penal, algo viabilizado a partir da reforma da Lei das S.As., em 2001 (além de multa e inabilitação, a legislação prevê reclusão de até cinco anos). Os insiders da Sadia já foram condenados em primeira instância; os da Randon aguardam julgamento.

A segunda geração de insider trading envolve prestadores de serviço que assessoram as empresas nas suas decisões estratégicas, como operações de fusões e aquisições, em que bancos de investimento acabam recebendo informações confidenciais em primeira mão. Dois exemplos merecem destaque no Brasil pelo valor recorde dos montantes arrecadados pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) com termos de compromisso, ambos envolvendo o banco Credit Suisse como assessor contratado.

A linha que divide as informações publicamente disponíveis das privilegiadas se torna cada vez mais cinzenta

Em 2009, a instituição financeira acertou um termo com o regulador, no valor de R$ 19,2 milhões, para encerrar um processo no qual era acusado de usar informações privilegiadas para comprar ações da Embraer antes do anúncio de que a companhia ingressaria no Novo Mercado da BM&FBovespa. No fim de 2010, o banco foi multado em R$ 26,4 milhões por usar informações privilegiadas na compra de ações da elétrica Terna dias antes da notícia da venda da empresa para a Cemig, em abril de 2009. Os ganhos irregulares encontrados pelo regulador, nas duas transações, teriam sido obtidos por meio de fundos de investimento do Credit Suisse.

Recentemente, desenvolveu-se uma terceira geração de operações de insider trading, ainda sem ocorrências identificadas no País. Essas operações envolvem as chamadas “redes de especialistas” (“expert networks”). Essas redes são formadas, basicamente, por empresas que oferecem aos investidores, geralmente institucionais, informações oriundas de prestadores de serviços a determinadas companhias, como analistas, consultores, acadêmicos, etc.

O problema é que a linha que divide as informações publicamente disponíveis das privilegiadas se torna cada vez mais cinzenta, aumentando o potencial para operações de insider trading. Um caso descrito pela revista The Economist evidencia a questão: em novembro de 2010, um médico francês participante de uma das redes de experts vazou a informação para um fundo hedge de que um paciente de um medicamento revolucionário em fase de testes havia morrido, o que levaria a uma queda das ações da fabricante do produto.

O principal exemplo dessa terceira geração é o do fundo hedge Galleon, um dos maiores da história norte-americana. Em outubro de 2009, seu fundador, Raj Rajaratnam, foi acusado de comprar informações confidenciais de inúmeras empresas por meio das redes de experts, tendo seu julgamento iniciado em março deste ano.

Rajaratnam era considerado um dos principais expoentes da indústria de fundos hedge, chegando a ter US$ 6,5 bilhões sob gestão. Após anos de investigações da Securities and Exchange Commission (SEC), com ajuda do FBI, 26 pessoas foram acusadas de conexões com o fundo, e 19 delas já assumiram culpa. Durante o processo de julgamento, poderão ser ouvidas cerca de cem testemunhas, incluindo membros da elite de Wall Street como Lloyd Blankfein, CEO do Goldman Sachs. Caso seja considerado culpado, Rajaratnam poderá ser condenado a até 20 anos de prisão (quatro vezes mais do que o limite estabelecido pela legislação brasileira).

Dentre os demais investigados, merece destaque o ex-CEO global de 1994 a 2003 da McKinsey, Rajat Gupta. Ele foi acusado formalmente pela SEC de ter repassado informações confidenciais para Rajaratnam, seu amigo e sócio em investimentos na Índia, sobre Procter & Gamble e Goldman Sachs, empresas nas quais atuava como conselheiro independente. De acordo com o processo administrativo da SEC, Gupta telefonou para Rajaratnam apenas 23 segundos após o término de uma reunião de conselho na qual o CFO da Goldman Sachs previu um resultado trimestral abaixo do esperado. Na manhã seguinte, o fundo Galleon vendeu suas ações do banco, evitando perdas de cerca de US$ 3 milhões.

Gupta negou todas as acusações, deixando os diversos conselhos dos quais fazia parte para se concentrar em sua defesa. Em caso de condenação, teme-se que o caso respingue negativamente sobre as consultorias de estratégia, dentre elas a prestigiada McKinsey, que acessam sistematicamente informações sigilosas e que dependem da confiança de seus clientes.

Tendo em vista a crescente sofisticação das operações de insider trading, o que podem fazer empresas, reguladores e investidores institucionais? Às empresas, cabe não apenas elaborar políticas de negociação de valores mobiliários — algo já feito por cerca de 90% das maiores companhias brasileiras da bolsa —, mas, principalmente, assegurar que os funcionários as assimilem e monitorar seu cumprimento por meio de sistemas específicos. Ao regulador, recai a difícil tarefa de ampliar o grupo de pessoas investigadas, sofisticar os métodos de apuração e premiar delatores que levem à descoberta de infrações. As recentes parcerias da CVM com a Polícia Federal e o Ministério Público Federal constituem um bom sinal nesse sentido.

Os investidores institucionais, por sua vez, precisam reforçar seus procedimentos internos de compliance de forma a evitar a compra de informações obtidas ilegalmente e a negociação de ações de modo irregular ou antiética por seus próprios gestores. Além dos riscos reputacionais e legais, problemas dessa natureza podem levar à perda de pessoas-chave. Um episódio recente na Berkshire Hathaway, empresa de investimentos do lendário Warren Buffett, mostra bem isso. Em março, David Sokol, executivo até então apontado como provável sucessor de Buffet na condução da holding de participações, se demitiu após a divulgação de que teria lucrado US$ 3 milhões com a compra de ações da petrolífera Lubrizol dias antes de a Berkshire adquiri-la. O uso indevido de informações privilegiadas, apesar de crônico, é, portanto, um problema que pode e deve ser mitigado e enfrentado por todos que desejam um mercado sadio e atraente para novos investidores.


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