Hora de comprar, vender ou unir forças
Fusões e aquisições dão sinais de retomada em 2004 depois de três anos de baixas sucessivas em meio ao cenário de crises internas e externas

, Hora de comprar, vender ou unir forças, Capital AbertoDepois de amargar dois anos consecutivos de fraco desempenho, o mercado de fusões e aquisições volta a despontar. Os primeiros vestígios de recuperação começaram a aparecer em 2003. Excluindo-se as privatizações, o número de negócios apurado nos nove primeiros meses do ano cresceu 9,6% em relação ao mesmo período de 2002, de acordo com levantamento feito pela KPMG.

É verdade que, em 2002, foram fechadas somente 227 operações no país, o menor saldo desde 1995 (ver gráfico), o que torna o crescimento de 2003 um tanto tímido. Mas a percepção dos especialistas é de que esta é só a primeira reação. De carona nas boas perspectivas para a economia brasileira, 2004 promete ser um ano promissor também para as operações conhecidas pelo termo M&A (mergers and aquisitions). “O mercado ensaia uma retomada”, constata Raul Beer, sócio da PriceWaterhouseCoopers.

E não são só os números que indicam uma reversão no quadro de fusões e aquisições no país. As conversas também. Beer conta que, até a primeira metade de 2003, todo investidor estrangeiro tinha uma resposta taxativa às suas ofertas de compra. “Desculpa, mas nesse momento não invisto em Brasil”, diziam. Incertezas quanto à direção da economia, provocadas, em grande parte, pela sucessão presidencial, deixavam os investidores assustados.

Mas o controle da inflação, a estabilidade do dólar e a expectativa de expansão econômica mudaram o cenário. Pelos cálculos de Márcio Lutterbach, sócio da KPMG, o crescimento neste ano deverá ser de 30% em relação a 2003. Até 2005, a estimativa é que o volume de transações volte ao mesmo patamar de 1997 – auge desse mercado, quando foram registradas 372 operações. A procura já vem aumentando, segundo ele, no que diz respeito ao número de consultas. “Passei a receber mais sondagens, de investidores locais a gestores de fundos de private equity de capital estrangeiro”, conta.

A retomada do mercado também pode ser sentida na ponta vendedora. “A oferta de negócios à venda vem aumentando”, afirma Beer, da Price. Dentre os setores que tendem a abrigar um número maior de transações, ele cita o de bens de consumo. “Tratase de um mercado extremamente difícil, com marcas estabelecidas e que requer um sistema logístico complexo para abastecer um país de dimensões continentais como o nosso”, explica. “O caminho mais fácil para quem quer entrar nesse ramo é, portanto, partir para a compra.”

O setor de bens de consumo tradicionalmente lidera o ranking de fusões e aquisições no país. Um levantamento feito pela KPMG mostra que, entre 1997 e 2002, alimentos, bebidas e fumo responderam por 10,6% das transações, seguidos pela área de telecomunicações, com 8,6%, e tecnologia da informação (TI), com 7,7% (ver gráfico).

Lutterbach acrescenta a área de infra- estrutura à lista dos setores que podem contribuir para a retomada dos negócios de fusão e aquisição. Há também, pela frente, uma segunda leva de privatizações e concessões a serem realizadas, como rodovias, ferrovias e toda a parte de saneamento.

Dentre os casos de maior urgência, entretanto, figura o setor de energia elétrica. Depois do racionamento obrigatório em meados de 2001, as empresas se viram, no ano seguinte, diante de uma equação cruel: retração das vendas somada à escalada da dívida em moeda estrangeira. Isso sem contar os escândalos corporativos que vieram à tona, como o protagonizado pela Enron, controladora no Brasil da Elektro. “A venda de empresas para solucionar problemas financeiros será inevitável no setor elétrico”, prevê Andre Sales, diretor do banco Pátria. “Há, ainda, uma tendência de formação de grupos maiores para diminuir o risco.”

INSEGURANÇA PELA FALTA DE NORMAS – O interesse em setores como energia e saneamento, porém, esbarra na ausência de um marco regulatório. Um estudo recente da Tendências Consultoria Integrada, realizado com apoio da Câmara Brasileira de Investidores em Energia Elétrica (CBIEE), concluiu que a principal dificuldade para se investir na área é justamente a insegurança provocada pela falta de normas. “O investidor quer regras claras”, afirma o advogado Ricardo Sette, cuja clientela é composta, na maior parte, por estrangeiros. Ele lembra, por exemplo, o episódio em que alguns membros do governo tentaram barrar, no ano passado, o reajuste das tarifas de telefonia, previsto em contrato. “Desse jeito, o investidor fica no mínimo confuso”, diz. O novo modelo definido para o setor elétrico também vem levantando críticas e pode ser mais um elemento de controvérsia para futuros investimentos no setor.

Cálculos da KPMG sinalizam crescimento de 30% nas operações de fusões e aquisições em 2004

A telefonia celular e a de longa distância deverão passar, em breve, por um processo de consolidação. As operadoras investiram pesado para cumprir as metas estipuladas para o setor e precisam, no momento, se capitalizar. É consenso entre especialistas que o mercado de telecomunicações abriga players além de sua capacidade e que o rearranjo societário é o caminho natural para esse ajuste. A Embratel está à venda – o anúncio foi feito em novembro pela controladora WorldCom (MCI), que detém quase 52% do capital votante (ações ordinárias) – e, até o fechamento desta edição, contava com três ofertas de compra. Também não é novidade que a Telemig Celular está à procura de um sócio. Ambas vêm conseguindo melhorar seus resultados. A Embratel, registrou lucro líquido de R$ 15 milhões no terceiro trimestre de 2003, contra um prejuízo de R$ 550 milhões um ano antes. A Telemig Celular apresentou um lucro de R$ 179 milhões no período de 12 meses encerrado em setembro, 163% mais que o registrado em igual período do ano anterior. “Este é o momento”, aposta Sette.

Vale ainda destacar que a redução nas taxas de juros mundiais favorecem a captação de investimentos estrangeiros para o Brasil. A queda de 36% no número de transações entre 2000 e 2002 sofreu o impacto não só de fatores internos (leia-se incertezas durante as eleições), mas também do baixo crescimento global, da forte queda nos mercados acionários e dos ataques terroristas. O aquecimento da economia mundial, em especial a dos Estados Unidos, de longe o principal investidor internacional (ver gráfico) do país, é, portanto, de suma relevância para o processo de retomada.

Nessa onda de novas fusões e aquisições, contudo, o terreno não estará tão livre para os estrangeiros. Marcelo Trindade, sócio do escritório Tozzini, Freire, Teixeira e Silva Advogados, vem acompanhando algumas negociações de M&A e acredita que as companhias brasileiras estão muito mais competitivas para participar ativamente do processo. “Elas recuperaram a capacidade de fazer aquisições, conhecem muito melhor o mercado e têm uma percepção de risco menor sobre os investimentos”, afirma. Em 2004, avalia o advogado, a tendência é que as empresas nacionais consolidem suas vantagens competitivas, motivadas pela alternativa de buscar financiamento no mercado de capitais à vista de um cenário mais favorável para os preços das ações em bolsa.

Companhias brasileiras estão mais competitivas e mercado de capitais promete ajudar

RETOMADA VIRÁ COM MAIOR CAUTELA – O novo ânimo para ir às compras, no entanto, não eliminará a tendência de maior cautela por parte dos compradores, haja vista as experiências problemáticas ocorridas na década de 90, no Brasil e no mundo. E elas não foram poucas. A AT&T, por exemplo, vendeu a NCR por US$ 3 bilhões em 1995, sendo que havia adquirido a empresa quatro anos antes por US$ 7 bilhões.

Em 1997, a Quaker vendeu a Snaple por US$ 300 milhões, empresa que lhe custara seis vezes mais alguns anos antes. Detalhe: a Quaker usou o Gatorade – produto cujo sucesso poderia ter sido mais bem aproveitado – para comprar a empresa por um preço que superava o dobro de seu faturamento bruto. Essa aquisição mal sucedida foi, provavelmente, a razão da venda da Quaker para a Pepsi, em 2000. No Brasil, a rede varejista Paes Mendonça deixou de existir pouco tempo depois de comprar os supermercados Disco. Todos esses problemas indicaram a exigência de maior prudência.

Estudo bianual da KPMG, realizado em 2001 e com uma segunda versão em 2003, com base em uma amostra das 1.000 maiores empresas sediadas no Brasil, revela que o número de empresas que utilizaram serviços especializados de due diligence (processos de investigação para reduzir o risco das operações) subiu de 72% (em 2001) para 76%. Do total de empresas pesquisadas, 54% já venderam algum de seus negócios ou receberam oferta para uma venda gerando processo de due diligence por parte de um possível comprador. Outras 61% afirmaram que considerariam a possibilidade de contratar esse tipo de serviço. Os principais trabalhos de uma empresa especializada em due diligence são o de revisão financeira, fiscal, trabalhista e previdenciária, ambiental e de documentação legal.

Nova Lei de Falências vai influenciar operações de M&A


O fantasma da falência assombra cada vez mais a vida das empresas. Um levantamento feito pela Serasa revela que ela cresceu 10,6% nos primeiros dez meses do ano passado em relação ao mesmo período de 2002. O fenômeno não é restrito aos países emergentes. Basta lembrar que a americana WorldCom protagonizou, pouco tempo atrás, o maior pedido de concordata da história corporativa.

É para amenizar esse quadro que entra em vigor, ainda este ano, a nova lei de falências. O projeto, que prevê a criação de um plano de recuperação das empresas em situação pré-falimentar, poderá afetar o mercado de fusões e aquisições de duas maneiras – uma boa, a outra nem tanto.

O projeto acaba com a figura da concordata, uma espécie de moratória concedida por dois anos para que a empresa em liquidação possa, nesse período, se reestruturar e honrar todas as suas dívidas. De acordo com a nova lei, uma proposta de recuperação é apresentada aos credores e, com o aval da justiça, estabelece-se um cronograma de pagamento das obrigações. Não existe mais o limite de dois anos da concordata – a única exceção fica por conta da dívida trabalhista, que deverá ser quitada dentro de um ano.

“A medida é boa para ambas as partes: o devedor tem um tempo maior para honrar seus compromissos e os credores têm mais segurança de que os débitos serão pagos”, afirma Rogério Tubino, coordenador tributário da Sette Azevedo Advogados Associados. O acordo, no entanto, é único e irrevogável. Isso significa que, se uma empresa quiser adquirir ou fazer uma fusão com outra que se encontre nessa situação, terá de aceitar o calendário de pagamento de dívidas estabelecido pela justiça. “O comprador não terá liberdade para propor outra negociação, o que torna a operação menos atrativa.”

Por outro lado, a nova lei de falências afasta o risco de sucessão tributária para empresas que resultarem de processos de fusão e aquisição. Assim, quaisquer débitos tributários que não estiverem incluídos no cronograma de pagamentos serão de responsabilidade do antigo dono. Seja por um trabalho de avaliação prévio mal feito (due diligence), seja pelo prazo de cinco anos que o governo tem para cobrar impostos atrasados, é comum que surjam pendências não conhecidas. Trata-se, portanto, de uma medida que evita surpresas desagradáveis.

Segundo a KPMG, houve também aumento nas contratações de outros serviços externos para a preparação de operações de M&A. A assessoria legal cresceu de 86% em 2001 para 91% em 2003.

Mas o aumento da cautela não chega a ser nada que se sobreponha à necessidade imperativa das corporações de crescerem. Prevalece o papel estratégico das operações de fusões e aquisições para o mundo empresarial e a dinâmica da economia.


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