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Hora da verdade
Primeira safra de dados sobre a remuneração dos administradores expõe distorções e excessos — além de preguiça e descuido no preenchimento das informações

, Hora da verdade, Capital Aberto

Atenção investidores que gostam de escarafunchar os números das companhias abertas: a “caixa-preta” da remuneração dos administradores no Brasil revelou uma série de informações interessantes. A mudança se deve à Instrução 480 da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que tornou obrigatório o detalhamento dos sistemas de remuneração, e à Instrução 481, que exigiu a divulgação desses dados ao investidor até 30 dias antes da assembleia ordinária. Uma análise qualitativa feita pela CAPITAL ABERTO a partir do conteúdo de 15 propostas de remuneração de empresas de diversos portes e setores publicadas até 20 de abril (Iochpe Maxion, Paraná Banco, BR Malls, Minerva, Inpar, Net, Iguatemi, JBS, Weg, OGX, Lojas Renner, SLC Agrícola, Marcopolo, Vale e Marisa) mostrou que, apesar dos inúmeros erros cometidos por essas companhias, muita informação nova sobre a remuneração dos altos executivos já pode ser esmiuçada.

, Hora da verdade, Capital AbertoNa Marcopolo, uma das líderes mundiais no desenvolvimento de soluções para o transporte coletivo de passageiros, o disclosure do valor máximo, médio e mínimo dos órgãos de administração revelou um comitê executivo muito mais bem remunerado que toda a diretoria. Enquanto o maior salário fixo individual dos diretores, em 2009, foi de R$ 821 mil (e a parcela variável, de R$ 942 mil), o do comitê, cuja função é assessorar os trabalhos do conselho, foi de R$ 2,42 milhões (podendo esse valor atingir o dobro quando acrescido da parcela variável). Os conselheiros de administração, por sua vez, receberam, no máximo, R$ 247 mil, sem remuneração variável.

Na Marcopolo, o disclosure do valor máximo, médio e mínimo revelou um comitê executivo muito mais bem remunerado que toda a diretoria

Um detalhe é que o salário milionário do comitê executivo aplica-se a apenas três dos seus cinco integrantes, os chamados membros efetivos: Paulo Pedro Bellini e Valter Antônio Gomes Pinto, ambos representantes do grupo controlador, e José Antônio Fernandes Martins, acionista com participação relevante na Marcopolo. Os outros dois são diretores da companhia. “Isso é um dividendo disfarçado para os conselheiros que também são controladores”, disse um profissional do mercado que pediu para não ser identificado. Procurada, a Marcopolo não se pronunciou, afirmando que estava em quiet period.

As informações divulgadas pela Lojas Renner também se destacaram. Em 2009, o profissional mais bem pago da diretoria ganhou R$ 15,6 milhões, o equivalente a 64% da remuneração global oferecida aos 15 membros da administração da empresa no período. Esse montante foi inflado, segundo a companhia, por uma outorga especial de 1,82 milhão de opções de ações aprovada, em março de 2009, quando foi discutido um novo contrato para que o diretor-presidente da Renner, José Galló, permanecesse por mais cinco anos na empresa. O exercício das opções estará sujeito a um prazo de carência de seis anos, com exercício antecipado de 20% ao ano, a partir do segundo aniversário da data da outorga, se atingidas as metas. Durante a vigência do contrato, novas opções não poderão ser concedidas a Galló.

Na lojas Marisa, que também atua no setor varejista, salta aos olhos o fato de a companhia não ter um programa de participação nos lucros e resultados (PLR) direcionado aos seus funcionários — um incentivo bastante comum, principalmente em empresas do ramo. Questionada pela reportagem, Marília Parada, diretora de Recursos Humanos da Marisa, explicou que está em fase final a negociação de um programa de PLR com o sindicato de sua categoria. A companhia possui, no entanto, um programa de bônus aplicável a 150 executivos.

Na Weg, empresa especializada na fabricação e comercialização de motores elétricos, transformadores, geradores e tintas, a diferença entre o maior salário pago aos conselheiros de administração em 2009 (de R$ 651 mil) e o menor (de 12 mil, o equivalente à média de R$ 1 mil por mês) é de 98%. Nesses valores, estão considerados os salários de todos os conselheiros que atuam nas empresas do grupo, constituído por Weg S.A., listada em bolsa, e por controladas. “A distância entre esses valores é adequada, pois alguns conselheiros das controladas recebem apenas remunerações nominais por esses serviços, visto que já são pagos por outras funções desempenhadas no Grupo Weg”, informou a assessoria de imprensa da empresa.

O programa de opções de ações da OGX para diretores e alguns membros do conselho de administração desagradou a consultoria RiskMetrics, especializada em recomendação de voto. Estabelece um período de vesting — tempo que o executivo deve permanecer com suas opções até poder exercê-las — de um ano. A cada aniversário do contrato de opção (que, no total, varia de 4 a 7 anos), um percentual de 14% a 20% da quantidade total das ações pode ser adquirido. Patrícia Kanashiro, analista para os mercados latino-americano e ibéricos da consultoria, considera esse período muito curto, já que segundo a política da RiskMetrics, as opções de ações devem ser usadas com horizonte de longo prazo. “Entendemos que o período de vesting deve ser de, no mínimo, três anos”, avalia. À CAPITAL ABERTO, a companhia afirmou que a estratégia de prever vestings anuais para seu plano “visa a atrair, incentivar e motivar funcionários, remunerando-os de forma a refletir a geração de valor criada ao longo do desenvolvimento dos negócios”.

Na Weg, a diferença entre o maior e o menor salário pago aos conselheiros de administração em 2009 é de 98%

“Quando a empresa não precisa divulgar suas informações, ela se acomoda. Agora, vai ficar evidente para o investidor tudo o que for diferente do resto do mercado”, afirma Adriane de Almeida, coordenadora geral do centro de conhecimento do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC). “Isso deve fazer com que as empresas caprichem mais nas suas políticas de remuneração.”

NÃO AO BOICOTE — Favorável ao disclosure do valor máximo, médio e mínimo da remuneração dos órgãos de gestão, a RiskMetrics recomendou aos seus clientes votar contra todas as propostas de remuneração que usaram a liminar do Instituto Brasileiro dos Executivos de Finanças do Rio de Janeiro (Ibef-Rio). O recurso, julgado por Firly Nascimento Filho, da 5ª Vara Federal do Rio, permitiu às companhias em que atuam os associados do Ibef-Rio não informar os gastos com salários. “Divulgar a remuneração individual dos executivos é uma prática internacional e não tem por que as companhias brasileiras se apoiarem na liminar”, argumenta Adriana Doniak, analista de governança corporativa da RiskMetrics.

Dentre as empresas analisadas, Vale, Net, OGX, Iguatemi e Minerva recorreram à liminar. As duas últimas, contudo, não deixaram claro em sua proposta se estão fazendo uso desse dispositivo judicial. Na contabilidade da RiskMetrics, das 186 propostas de remuneração analisadas, 54% receberam recomendação de voto a favor e 46% contra. Os principais motivos para o “não” foram o uso da liminar e a falta de informação.

INEXPERIÊNCIA OU DESLEIXO? — A estreia das instruções 480 e 481 foi também marcada por um festival de erros, alguns deles patéticos. No formulário da fabricante nacional de rodas e chassis Iochpe-Maxion, os valores mínimos da remuneração da diretoria estatutária, tanto de 2009 como de 2010, são maiores que a média. Na administradora de shopping centers BR Malls, a remuneração média da diretoria é igual à mínima (ver tabela na página 16). No Paraná Banco, a remuneração média do conselho fiscal é maior que a máxima e a mínima. A instituição financeira, contudo, disse que vai reapresentar os números à CVM.

“Informações básicas como essas não deveriam apresentar falhas. Falta de tempo não serve como pretexto”, diz Renato Chaves, ex-diretor de participações da Previ e estudioso das práticas de governança corporativa. “As empresas deveriam ter dado mais prioridade ao preenchimento do documento. O disclosure correto dessas informações não é apenas um cumprimento da lei, mas um direito do acionista”, ressalta Patrícia. Para 2011, a RiskMetrics pretende não só olhar os números, mas também fazer uma análise qualitativa do que foi divulgado.

Respostas genéricas e evasivas foram encontradas. No item em que deveria descrever a metodologia de cálculo e de reajuste da remuneração, a produtora de commodities agrícolas SLC Agrícola simplesmente respondeu que se baseia “nas melhores práticas de mercado”. Já no campo em que deveria divulgar os principais indicadores de desempenho considerados na determinação da remuneração, limitou-se a apresentar critérios de avaliação individual como foco em resultado, inovação, senso de urgência, desenvolvimento de equipes e liderança.

Para Marcelo Ferrari, diretor da Mercer, não são os princípios genéricos que interessam ao investidor. “Ele quer saber se a remuneração variável dos diretores está atrelada ao EVA, ao Ebitda ou a qualquer outro indicador que ele próprio possa acompanhar”, afirma. Dwight Clancy, analista da Glass Lewis, outra consultoria de recomendação de voto, complementa: “Somente com a informação sobre as métricas quantitativas é possível avaliar se a companhia está pagando bônus coerentes aos seus executivos.” Segundo Frederico Logemann, coordenador de RI da SLC, a empresa vem discutindo internamente a necessidade de detalhar mais o item 13 do Formulário de Referência. “Com a ajuda da CVM, a qualidade desses dados tende a ser melhorada gradativamente”, diz.

Companhias mais antigas da Bolsa, como a Net, também deram respostas insuficientes. No item sobre as justificativas da composição da remuneração, afirmou apenas que segue “práticas adotadas pelo mercado, verificando por meio de pesquisas periódicas [sic] e buscam manter os executivos alinhados à estratégia da companhia, bem como incentivar a alta performance e reter os talentos”. A Net também não preencheu informações obrigatórias como o item 13.2 do formulário, que requer o detalhamento dos itens da remuneração dos órgãos da administração e do conselho fiscal no ano corrente e nos três exercícios anteriores.

A Marisa apresentou duas informações opostas na mesma proposta da administração. Disse que não tem uma política de remuneração baseada em desempenho e, mais adiante no documento, estimou, para 2010, bônus de
R$ 2,66 milhões para a diretoria. Procurada pela CAPITAL ABERTO, reconheceu que houve falha no preenchimento do documento e que irá reapresentá-lo à CVM. Há três anos, a companhia tem um programa de pagamento de bônus que está associado a metas individuais e de desempenho financeiro, como o Ebtida.

Felipe Rebelli, consultor da empresa especializada em contratação e remuneração de executivos Towers Watson, aconselha que as companhias estudem melhor como divulgar sua política de remuneração e o façam de maneira ampla, transparente e acessível. “Independentemente do que a CVM exigir, os investidores vão privilegiar as empresas que façam um bom trabalho ao reportar informações.
O caminho da transparência é sem volta”, conclui.

Companhias diferentes, MD&As iguais

A falta de cuidado no preenchimento do Formulário de Referência chegou ao extremo do “copia e cola”. No item 10, dedicado aos comentários da diretoria, a multinacional de frigoríficos JBS, a empresa de shopping centers Iguatemi, a incorporadora Inpar, a Hypermarcas e o banco Sofisa apresentaram texto praticamente idêntico para o campo em que foram solicitados a opinar sobre suas condições financeiras e patrimoniais: “A administração da companhia entende que a companhia (sic) apresenta condições financeiras e patrimoniais suficientes para implementar o seu plano de negócio e cumprir as suas obrigações de curto e médio prazo”, responderam.

“Isso foge completamente do propósito da CVM, que é o de aumentar a transparência”, comenta Dóris Pompeu, sócia-diretora da Global RI. A nova seção de comentários dos administradores, inspirada no modelo norte-americano denominado Management Discussion and Analysis (MD&A), tem o propósito de transmitir a visão dos gestores sobre os negócios. “A ideia, portanto, é fugir de padrões”, reconhece Antonio Piccirillo, advogado do Proskauer. “Esse deve ser um documento opinativo, que explique os resultados da companhia de maneira didática, para que qualquer pessoa possa compreender.”

A CVM recomenda que os diretores comentem no MD&A as principais tendências, incertezas, compromissos ou eventos que possam ter efeito relevante nas condições financeiras e patrimoniais da companhia. “Não estamos falando aqui de projeções, mas de a empresa dizer o que espera do futuro do seu negócio”, acrescenta Fabio Yamada, advogado do Proskauer.

José Luiz Homem de Mello, sócio do Pinheiro Neto Advogados, lembra que o MD&A é um documento que consome tempo, uma vez que sua produção não se baseia meramente na divulgação de dados factuais. “Com a correria de convocar as assembleias, a qualidade das respostas acabou ficando em segundo plano”. A CVM promete fazer uma análise mais qualitativa do material após a entrega dos formulários de referência das companhias, prevista para 30 de junho. (L.T.)


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