Tratamento especial
Bolsa abre mão do direito de voto do Nível 2 para incluir Petrobras
Ilustração: Rodrigo Auada

Ilustração: Rodrigo Auada

A B3 está disposta a conceder um substancial desconto autorregulatório para receber a listagem da Petrobras no Nível 2. No próximo dia 15, os acionistas da petroleira decidirão se migram para o segmento, mesmo sem a companhia cumprir umas das principais regras do regulamento do Nível 2: a garantia do direito dos preferencialistas de votar em matérias polêmicas, como reorganizações societárias, aprovação de contratos entre a companhia e o controlador e avaliação de bens destinados à integralização de capital. Não é a primeira vez que a B3 flexibiliza suas regras para abarcar casos específicos — há, por exemplo, o recente e ruidoso caso da Gol.

Por causa da Lei do Petróleo, a Petrobras não pode dar direito de voto aos seus acionistas preferencialistas em nenhuma situação — a proibição vale até para falta de pagamento de dividendos por três exercícios consecutivos, caso em que a legislação societária prevê que esses sócios ganham direito a votar.

Essas concessões dadas pela Bolsa são conhecidas como waivers — renúncia, em inglês, a palavra tornou-se o jargão do mercado para definir os descontos regulatórios dados pela B3. Desde 2002, quando os segmentos especiais de governança foram criados, diversas companhias foram beneficiadas por essas licenças especiais, que costumam ser temporárias. Uma boa parte foi concedida para companhias que precisavam de um tempo para adequação de seu free float ao mínimo exigido nesses segmentos, de 25% do capital em circulação.

Compensação desproporcional

Para contrabalançar a falta do direito de voto aos preferencialistas, a Petrobras está oferecendo uma ampliação das atribuições do comitê de minoritários. Uma análise cuidadosa desse comitê, entretanto, evidencia que essa compensação é um tanto desproporcional. Criado em 2016, o órgão nasceu com o objetivo de acompanhar o processo de revisão do contrato de cessão onerosa que serviu de base para a megacapitalização da companhia feita em 2010. Após a migração, esse comitê ficará encarregado de examinar e opinar sobre as matérias em que os preferencialistas do Nível 2 normalmente ganhariam voto. Ele será composto de conselheiros eleitos em separado pelos minoritários (um indicado pelos ordinaristas e outro pelos preferencialistas) e um independente. Isso significa que os pareceres que saírem de lá não representarão especificamente a opinião dos preferencialistas — que quando contam com o direito de voto garantido pelo Nível 2 têm a chance de atingir maioria nas assembleias e, assim, participar das votações de acordo com seus interesses —, mas dos minoritários como um todo.

Outro detalhe importante: o parecer do comitê não terá caráter vinculante. Assim, mesmo que ele discorde de uma determinada proposta da administração, ela pode ser levada a uma assembleia (em que somente os ordinaristas votarão) e eventualmente aprovada. Na prática, portanto, um parecer negativo do comitê está longe de ser decisivo em uma deliberação — como é um voto. Suas funções, na prática, serão causar certo constrangimento caso o controlador decida ignorá-lo e subsidiar futuros processos nas situações em que os minoritários se sintam lesados por alguma decisão que foi tomada pela administração e a que o comitê se posicionou de maneira contrária.

Aos olhos dos investidores, a solução encontrada pela Petrobras não é a ideal, mas tem seus méritos. Com a ampliação da função do comitê, os preferencialistas não conquistam o direito a voto, mas ganham alguma voz. Além disso, como a ida da companhia para o Nível 2, os preferencialistas passarão a ter direito a tag along de 100%. Assim, se um dia a Petrobras for privatizada, minoritários donos de ONs e PNs receberão por suas ações o mesmo valor pago pelas da União, a controladora.                                 

Licenças polêmicas

Procurada para comentar o waiver concedido à Petrobras, a B3 disse que não fala sobre casos específicos. Com a migração da companhia para o Nível 2, 20 companhias passarão a ter o selo do segmento, mas apenas a Petrobras não concederá direito de voto aos preferencialistas em situações especiais. “De que adianta ter um carimbo que esconde diferenças tão significativas?”, questiona um profissional do mercado que preferiu não se identificar.

Uma licença especial concedida pela Bolsa também no Nível 2 e que até hoje causa polêmica é a obtida pela Gol. Em 2015, a companhia aérea recebeu autorização permanente da B3 para continuar no segmento apesar de ter ficado com apenas 5% do capital em circulação. O desenquadramento decorreu de uma reorganização de sua estrutura de capital: com a quantidade de ações PN muito próxima do limite permitido pela Lei das S.As. — 50% do capital total —, a Gol desdobrou cada ação ordinária na proporção de 35 para 1, de modo a elevar em 35 vezes o número de ONs em circulação e reduzir a proporção de PNs. Para compensar os preferencialistas, atribuiu-lhes o direito a dividendos 35 vezes superiores aos destinados às ações com direito a voto. O espaço para lançamento de novas PNs era necessário para a companhia captar recursos.

A concessão gerou diversas críticas. Em informativo enviado aos seus associados, a Associação Brasileira de Investidores no Mercado de Capitais (Amec) se disse contrária a qualquer flexibilização que pudesse ajudar companhias com superpreferenciais, como a Gol, a se listar nos segmentos diferenciados da Bolsa. Segundo a Amec, “a maioria dos problemas de governança corporativa estudados pela associação podem ser creditados diretamente ao desequilíbrio entre poder político e comprometimento de capital”.

 


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