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Sinais da trapaça
Deficiências nos controles, estripulias contábeis e falhas de governança delatavam a fraude

, Sinais da trapaça, Capital Aberto

 

Depois que um escândalo financeiro vem à tona, é fácil olhar para trás e ver que algumas pontas soltas sempre estiveram visíveis — e com o Cruzeiro do Sul não foi diferente. O banco cumpria as exigências da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e da BM&FBovespa, decorrentes da listagem no Nível 1 de governança da Bolsa, mas a transparência dessas informações não foi suficiente para impedir que o pior acontecesse.

Algumas pistas estavam no formulário de referência, na seção destinada aos comentários dos diretores sobre os controles internos. O item “deficiências e recomendações sobre os controles internos presentes no relatório do auditor independente” já denotava problemas. Ao longo dos três anos de formulário de referência disponível, os auditores apontaram as mesmas deficiências: utilização de procedimentos manuais para controle de operações; necessidade de aprimoramento dos processos de preparação das demonstrações financeiras; e carência de formalização dos documentos usados para suportar os dados contábeis. No formulário de 2011 (referente ao exercício de 2010), as recomendações incluíam ainda a melhoria da apuração da provisão para crédito de liquidação duvidosa.

, Sinais da trapaça, Capital AbertoAs falhas foram apontadas pela KPMG, firma responsável pela auditoria do Cruzeiro do Sul de maio de 2007, ano em que o banco ingressou na Bolsa, a maio de 2012, quando a Ernst & Young assumiu o posto. Ao justificar a substituição no formulário de referência, a companhia afirmou seguir as melhores práticas de governança. Ainda que a vigência do contrato coincida com os cinco anos previstos no rodízio obrigatório das empresas sem comitê de auditoria (o Cruzeiro do Sul, por ter o órgão, poderia permanecer com o mesmo auditor por dez anos), chama atenção o fato de a troca ter sido feita após uma outra manifestação da KPMG: a ressalva das informações do terceiro trimestre de 2011. No parecer, a firma descrevia que a linha de provisão para operações de crédito de liquidação duvidosa, após uma revisão na metodologia de cálculo, deveria ser acrescida em R$ 197 milhões. O ajuste, contudo, não estava refletido no patrimônio líquido. Por isso, afirmou a KPMG, o resultado do período estaria inflado em R$ 118 milhões.

A insuficiência na provisão de perdas do Cruzeiro do Sul em 2011 não foi a primeira falha contábil detectada. A demonstração financeira do exercício de 2008 e os três informes trimestrais de 2009 tiveram de ser reapresentados por ordem da CVM, que encontrou irregularidades na contabilização de créditos cedidos a FIDCs da Prosper Securitizadora. Segundo o ofício da autarquia, de janeiro de 2010, o Cruzeiro do Sul deveria eliminar dos resultados de 2008 as receitas decorrentes da cessão de R$ 29,4 milhões em créditos e, dos ITRs de 2009, mais R$ 203,7 milhões. As operações foram consideradas ilegais porque os créditos tinham sido integralmente incorporados ao FIDC Prosper Flex, cujo único investidor era o FIDC Multicred que, por sua vez, tinha apenas o Cruzeiro do Sul como cotista subordinado. Tratava-se, portanto, de uma transferência de créditos para a mesma entidade econômica — e sem impactos reais no resultado do banco.

Os investidores mais atentos também poderiam ter desconfiado da forma como o banco aprovava a distribuição de proventos. Sem uma política formal de distribuição de dividendos, o Cruzeiro do Sul realizou nada menos que 12 reuniões do conselho de administração em 2011 para aprovar o pagamento de R$ 96,2 milhões. Foram tantos encontros que, se considerada a cláusula estatutária que prevê a convocação do conselho com pelo menos cinco dias úteis de antecedência, na reunião do dia 23 de novembro, que aprovou a distribuição de R$ 5,5 milhões em dividendos, os conselheiros teriam sido também convocados para a deliberação do dia 30, que aprovou outros R$ 5,5 milhões. Por meio da Cruzeiro do Sul Holding Financeira, a família de Luis Octavio Indio da Costa detinha 73,06% do capital social da instituição e abocanhava a maior parte dos lucros distribuídos aos acionistas.

GOVERNANÇA PRECÁRIA — Os sinais de fumaça não paravam aí. As estruturas de governança adotadas pelo Cruzeiro do Sul também eram precárias. Indio da Costa mantinha os cargos de presidente do conselho de administração e diretor superintendente. Além disso, era diretor de relações com investidores (RI) e ocupava assentos nos comitês de gestão, risco e liquidez e crédito, conforme o último formulário de referência arquivado na CVM. A sobreposição das funções de presidente executivo e do conselho de administração foi vetada pela Bolsa, inclusive para as companhias do Nível 1, mas apenas em 2011, e com prazo de adaptação de três anos. O objetivo do veto é não permitir que um executivo domine os dois principais órgãos da administração.

No Cruzeiro do Sul, os conselheiros recebiam remuneração variável. Na assembleia de abril de 2012, foi aprovado o montante global de até R$ 40 milhões para o board, sendo até R$ 24 milhões em honorários e outros R$ 16 milhões vindos da distribuição de lucros e resultados. A remuneração variável de conselheiros de administração é condenada pela maior parte dos especialistas em governança, especialmente quando vinculada a números de curto prazo. No Cruzeiro do Sul, a prática era recorrente. De acordo com a companhia, nos anos de 2009, 2010 e 2011, cerca de um terço da remuneração dos conselheiros decorreu da participação direta nos lucros.

Uma análise minuciosa da governança da instituição observaria ainda outras fendas. O banco não possuía mecanismos de avaliação de membros do conselho de administração, dos comitês e nem mesmo da diretoria. Também não possuía uma política para contratos com partes relacionadas. A política de negociação de ações por administradores foi aprovada pelo conselho apenas em maio do ano passado, um mês antes de ser decretado o Regime de Administração Especial Temporária (Raet) e de o Fundo Garantidor de Créditos (FGC) assumir o controle da instituição.

Aparentemente, no quesito comitês, o Cruzeiro do Sul ia bem: havia dois comitês estatutários, de auditoria e remuneração, e outros seis que não estavam previstos no estatuto, mas funcionavam de modo permanente: gestão, prevenção de lavagem de dinheiro, controles de risco, controles internos, crédito, e planejamento estratégico. O comitê de auditoria, porém, era composto de três membros externos — o recomendável é que os comitês sejam formados por maioria de conselheiros. O banco tinha também um código de ética, no qual versava sobre princípios como o “respeito e cumprimento dos acordos firmados”, o “compromisso com a verdade e com a justiça” e a “valorização do que é correto”. E ainda mantinha, de forma voluntária, um conselheiro independente entre os seis integrantes do órgão — exigência aplicável apenas às companhias listadas no Nível 2 e no Novo Mercado.

O Cruzeiro do Sul, assim como outras companhias, chegou à bolsa em um momento de euforia e se deparou com investidores pouco criteriosos em avaliar os riscos que estavam correndo, observa Ricardo Leal, professor de finanças do Instituto Coppead, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Talvez esse contexto ajude a explicar, diz ele, por que algumas situações suspeitas — como os lucros superestimados, a cessão de créditos para o próprio banco e as 12 reuniões para aprovar dividendos — tenham sido negligenciadas pelo mercado. As informações estavam públicas. Pena que, em situações de fraude, as análises bem feitas costumem ocorrer apenas diante do retrovisor, já com o leite derramado.


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