Próximo patamar

Passados cinco anos desde a última reforma dos níveis especiais de governança, a BM&FBovespa se propõe mais uma vez a atualizar as regras de listagem do Nível 2 e do Novo Mercado. A ideia é modernizar e simplificar as regras, além de alinhá-las às práticas internacionais. Tendo em vista que um dos grandes desafios envolve o equilíbrio de interesses de investidores e companhias, a CAPITAL ABERTO promoveu, no dia 16 de agosto, um debate com a presença da diretora de regulação de emissores da BM&FBovespa, Flavia Mouta, e outros cinco participantes do mercado (veja fotos). A Bolsa recebe comentários sobre as propostas até 9 de setembro. Depois, uma minuta dos regulamentos segue para audiência restrita, em que as companhias do Nível 2 e do Novo Mercado vão deliberar a respeito das modificações. Esse processo ocorre entre 7 de novembro e 6 de fevereiro de 2017. A seguir, os principais trechos do debate.

CAPITAL ABERTO: A reforma dos níveis diferenciados passa por vários pontos espinhosos. Um deles é a proposta da Bolsa para que as companhias divulguem as remunerações máxima, média e mínima dos administradores. Se esse item for aprovado, como fica o direito individual do executivo que hoje briga na Justiça para não divulgar esses valores?

Flavia Mouta: Esse realmente é um ponto espinhoso, mas cabe observar que não estamos discutindo aqui o direito individual dos executivos, mas o rol de melhores práticas de governança que as companhias listadas nos segmentos especiais da Bolsa devem cumprir. A BM&FBovespa não é parte da ação judicial movida pelo Ibef-Rio [a associação obteve uma liminar contra a determinação da CVM para divulgação de salários, prevista na Instrução 480] e, propositalmente, não diz “cumpra a regra da Instrução 480” quando pede a divulgação. Assim, se um dia essa exigência for retirada da norma, a obrigação continua para as companhias listadas no Nível 2 e no Novo Mercado. Analisamos os argumentos das empresas contra a divulgação e eles não nos parecem robustos. Uma boa parte se apoia nos problemas de segurança no Brasil, mas a CVM pede essas informações desde 2009 e até hoje nenhuma violência aconteceu por causa disso.

Guilherme Setubal: O problema não é a segurança. O meu ponto é que a política de RH da empresa precisa ser respeitada [a Duratex usa a liminar]. É direito da companhia não querer divulgar esses valores. Na minha opinião, não é relevante para o investidor saber quanto ganha o CEO e o diretor de menor valor, mas sim quanto a empresa gasta com a diretoria vis-à-vis o quanto retorna de lucro.

Mauro Cunha: Essa discussão sobre a divulgação de remuneração no Brasil é uma piada de mau gosto. Estamos, talvez, um século atrás da prática internacional. E há uma razão para o fato de lá fora essa divulgação ser obrigatória. Aliás, várias razões. A partir do momento em que uma empresa capta recursos do público é fundamental que esse público entenda a estrutura de incentivos para os administradores. É o capital do público, não é o capital privado do CEO da empresa a, b ou c. Existe uma série de companhias em que o pacote de remuneração está 80% concentrado na mão do CEO. E isso, sem dúvida, é uma informação importante para o investidor tomar a sua decisão. Precisamos lembrar que estamos discutindo regras para as empresas do segmento premium de governança. A regra da CVM para divulgação da remuneração dos administradores é absolutamente ponderada e fraca em relação à prática internacional. Dizer que as empresas do segmento premium podem ser dar ao luxo de não cumprir a norma fraca do nosso regulador é um contrassenso.

Brunella Isper: Como o Mauro falou, uma empresa que abre o capital tem que prestar contas. Os investidores precisam ter acesso à política de remuneração de uma empresa para avaliar se ela é adequada. E não só: precisamos conhecer a remuneração individual por executivo. Esse é o mundo ideal, porque nos permite julgar se a remuneração do CEO ou CFO, por exemplo, está em linha com as melhores práticas, se ela é excessiva ou se está baixa demais. Temos o direito do acesso a essas informações, já que investimos em uma companhia aberta e que, ainda por cima, está listada no segmento premium de governança da Bolsa. Na África do Sul, onde eu diria que o problema de segurança deve ser tão grave quanto no Brasil, a divulgação sobre a remuneração dos administradores é extremamente detalhada. As empresas divulgam não só os salários de cada executivo, mas também detalham todas as métricas do pacote de remuneração.

Douglas Furlan: Concordo com o Mauro e a Brunella. O mercado de capitais é globalizado, e é importante que o Brasil adote regras que nos aproximem das práticas internacionais. Acho positivo que o regulamento do Novo Mercado caminhe nesse sentido. Por isso, vejo com bons olhos divulgação da remuneração máxima, média e mínima dos administradores. A Totvs já divulga esses dados há bastante tempo.

Antessala

CAPITAL ABERTO: Diante da polêmica levantada por alguns itens propostos na reforma, não caberia à Bolsa pensar num modelo “pratique ou explique”, como o proposto pelo Código Brasileiro de Governança?

Henrique Lang: Essa discussão é interessante, já que a proposta da Bolsa é bastante prescritiva em determinados pontos, como, por exemplo, quando trata das atribuições dos comitês de auditoria estatutário e de indicação. Eu senti um certo engessamento em algumas propostas. Por isso, eu pergunto: será que nesse esforço não caberia também algum tipo de “pratique ou explique”? A proposta da Bolsa desburocratiza e amadurece diversos pontos, mas talvez coubesse um pouquinho de flexibilidade paras companhias ajustarem determinados itens.

Flavia Mouta: Hoje há um movimento de algumas companhias dizendo: “Eu quero que o Novo Mercado volte a ser aquele em que eu falava para o investidor ‘estou listado no Novo Mercado’ e as discussões sobre aspectos de governança eram encerradas”. Para isso, é importante os regulamentos dos níveis especiais serem formados por um conjunto de obrigações. Assim, se a empresa está listada num deles, o investidor já sabe exatamente a quais obrigações ela está sujeita. Já no Código Brasileiro, que é um passo em transparência fenomenal, o investidor terá que avaliar cada item para saber se a empresa cumpre determinada recomendação e, se ela não cumpre, por que. Por isso, o Código e os regulamentos de listagem da Bolsa se complementam.

Mauro Cunha: Há um debate no mundo sobre a evolução dos requerimentos de listagem. O Brasil é um dos poucos países em que há segmentos de listagem — e esse modelo se provou um sucesso. A meu ver, a criação de regras de listagem eficazes e relevantes para as companhias dos segmentos especiais é fundamental. Isso vai se refletir no preço das ações e na diferenciação das empresas que participam deles. Acho que, com essa reforma, a Bolsa está dizendo que não quer qualquer zé-mané no Novo Mercado. E tem que ser assim. Os zés-manés que estão no Novo Mercado precisam sair. Essa deve ser a premissa do trabalho. A reforma atual é uma oportunidade para empresas e investidores se somarem para construir um ambiente que tenha correlação com a prática internacional e que enderece os grandes problemas que estamos vivendo hoje.

CAPITAL ABERTO: E quais são esses problemas?

Mauro Cunha: O grande problema do Novo Mercado está no fato de o investidor comprar 1% da empresa e não levar 1% do valor. Os investidores estão cansados disso. Nos anos 1990, eles também se cansaram e responderam a isso apoiando a criação do Novo Mercado. Mas, hoje, essa desigualdade voltou a ser verdade novamente. E isso fica evidente nas várias transações em que o controlador recebe um prêmio gigantesco na alienação de sua participação e não há tag along de 100% [o direito de o minoritário vender suas ações pelo mesmo preço pago pelos papéis do controlador, conforme previsto no Novo Mercado].

Flavia Mouta: O Mauro tocou num assunto muito discutido e que nos parece de dificílima solução integral. Embora a Bolsa esteja apresentando um conjunto de obrigações para aprimoramento da governança das companhias listadas no Nível 2 e no Novo Mercado, precisamos ter em mente que a governança acontece vida real. Ela se faz na prática. Então, na hora de montar uma operação, os administradores da companhia precisam se colocar no lugar do outro e pensar: “Eu iria gostar dessa operação se eu estivesse do lado oposto?”. Ainda assim, para evitar situações como as citadas pelo Mauro, envolvemos novamente nesta reforma a discussão da OPA 30 [a proposta prevê realização de uma oferta pública de aquisição a todos aos acionistas quando um investidor acumular 30% ou mais do capital; a oferta valerá para aquisições diretas e indiretas de ações e pagará o maior preço dos papéis nos 12 meses anteriores ao gatilho].

Henrique Lang: No passado, eu já fui muito simpático ao conceito da OPA 30, até por ela estar alinhada à diretiva europeia. Mas será que essa proposta não deveria ser mais flexível? Isso certamente a tornaria mais palatável. O próprio CAF [Comitê de Aquisições e Fusões] prevê, em seu código, um gatilho entre 20% e 30%. A regra de preço é muito boa, pelo fato de ser objetiva — dispensa laudo de avaliação. Mas precisamos lembrar que há muita volatilidade no Brasil. Então, esse intervalo de 12 meses pode coincidir com um período em que a ação esteve muito depreciada.

Flavia Mouta: A Bolsa está aberta para discutir o percentual da OPA e o prazo de 12 meses. Mas permitir que as companhias optem por percentuais distintos ou outros critérios de determinação de preço já me parece um caminho mais complicado. Ainda assim, podemos avaliar.

Brunella Isper: Eu gosto da proposta da OPA 30. O gatilho de 30% está alinhado com as melhores práticas globais, e isso é bastante positivo. Mudando de assunto, mas ainda enfocando a proteção dos minoritários, acho importante que os conselhos de administração tenham mais membros independentes. Na reforma anterior, a proposta da Bolsa foi de 30% de independentes. Mas, idealmente, esse número deveria ser de 50%, principalmente se considerarmos as corporations. Essa maior representatividade de independentes daria um pouco mais de conforto para os minoritários.

CAPITAL ABERTO: Flavia, por que a Bolsa não retomou a proposta de 30% de conselheiros independentes?

Flavia Mouta: Analisando os formulários de referência das companhias listadas no Nível 2 e no Novo Mercado em 2015, percebemos que elas têm, em média, 33% de conselheiros independentes — embora, nos estatutos, prevejam 20%. Então já há hoje um movimento de elevação desse percentual. Também cabe observar que, embora o percentual de 20% tenha sido mantido, a proposta atual da Bolsa vai elevar o número de conselheiros independentes em alguns casos concretos, pois mexemos em dois outros aspectos. O primeiro foi eliminar a regra de arredondamento no cálculo dos 20% de independentes. O segundo foi estabelecer que a companhia precisa ter 20% de conselheiros independentes ou, no mínimo, dois, o que for maior. E por que dois? Basicamente, porque um dia ouvimos de um conselheiro que uma andorinha só não faz verão. Duas já conseguem fazer um barulhinho.

CAPITAL ABERTO: Mas se as companhias já têm, na prática, 33% de conselheiros independentes, por que não propor o percentual de 30%?

Flavia Mouta: Como já estávamos mexendo significativamente em outras regras relacionadas aos conselhos de administração, decidimos manter os 20%. Mas há espaço para discussão desse percentual. Ele ainda pode ser alterado. Em relação ao comentário de que o número de independentes precisa ser maior em conselhos de companhias com capital pulverizado, vale destacar que, no período de consulta pública, nós questionamos se essas empresas deveriam ter regras distintas das companhias com controle definido e não recebemos uma demanda alta nesse sentido. Imagino que isso aconteceu porque a homogeneidade das regras é muito importante, especialmente para o investidor estrangeiro.

Guilherme Setubal: Mesmo assim, acredito que a Bolsa poderia ter sido mais agressiva no percentual de independentes no conselho. Hoje, um terço dos conselheiros da Duratex é independente. A presença desses profissionais é superimportante.

Mauro Cunha: Mas é preciso que eles sejam realmente independentes. O conceito de independência não pode simplesmente ser autodeclarado. Ele deve partir de uma assembleia e ser alvo natural de contestações.

 

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