Em meio a tanto desgoverno corporativo, como ilustram o escândalo das emissões de poluentes da VW e o enorme desastre ambiental da joint-venture de Vale e BHP no Rio Doce, é natural nos perguntarmos o que leva os executivos a muitas vezes tomar decisões que prejudicam a vida de milhões de pessoas.
O tempo é um fator-chave, mas pouco observado, que pode induzir decisões antiéticas e mesmo ilegais nas organizações por três motivos principais:
1. O tempo como elemento de pressão para se decidir: a falta de tempo nos pressiona a decidir rapidamente e de forma irrefletida, muitas vezes sem que compreendamos plenamente as implicações éticas de nossas ações.
2. O tempo como formador de rotinas: o tempo contribui para a sedimentação de certas rotinas organizacionais que se tornam cada vez mais difíceis de mudar, principalmente no caso das empresas consideradas bem-sucedidas.
3. O tempo que leva a mudanças graduais e imperceptíveis: o tempo muda as pessoas e as organizações lenta e continuamente e, em alguns casos, conduz à corrupção e a outros comportamentos antiéticos.
Em relação ao primeiro aspecto, a pressão do tempo faz com que concentremos nossa atenção nas nossas metas e tarefas diárias, o que nos leva a tomar decisões “no automático”. Um experimento clássico realizado na década de 1970 demonstrou como a pressão do tempo pode afetar o julgamento ético.
Estudantes de teologia deveriam dar uma palestra sobre a parábola do bom samaritano em um prédio adjacente (a parábola retrata uma situação na qual um samaritano era o único a ajudar uma pessoa em necessidade). No caminho, um homem deitado simulava passar mal. Para grupo denominado “de controle”, não havia pressão de tempo — nele, todos pararam para ajudar. Para os integrantes do outro grupo, entretanto, os pesquisadores disseram que precisavam ir o mais rápido possível. Neste segundo grupo, apenas 10% pararam: 90% dos seminaristas simplesmente ignoraram o pedido de ajuda (alguns até tropeçaram sobre a pessoa caída na pressa de ir adiante). Sob a pressão do tempo, portanto, podemos ignorar muitas coisas importantes, inclusive as implicações de nossas ações
sobre terceiros.
O tempo também é um elemento que solidifica as rotinas. Muitas práticas e decisões nas empresas se tornam cada vez mais rotineiras, levando as pessoas a realizá-las no piloto-automático. Isso é válido não só para procedimentos corretos de gestão — em alguns casos, as rotinas podem fazer com que práticas de negócio antiéticas também se tornem um hábito.
Mudar as rotinas é ainda mais difícil quando a empresa vem de um período de sucesso. Nesse caso, os hábitos se desenvolvem ao longo de anos por meio de feedbacks positivos: quanto mais sucesso a empresa tem, mais as pessoas acreditam que estão fazendo a coisa certa. A “cegueira pelo sucesso”, assim, dificulta a mudança de práticas antigas e já solidificadas que foram úteis no passado.
O terceiro aspecto mostra que as decisões antiéticas tendem a ser o resultado de um processo que se desenvolve ao longo do tempo de maneira lenta e incremental. Quase ninguém, e provavelmente nenhuma organização, simplesmente decide de um dia para o outro tomar uma grande atitude antiética. Tudo ocorre com mudanças pequenas e imperceptíveis. A noção do que é “normal” muda de forma inconsciente e a maioria das pessoas não vê a erosão gradual nos seus padrões éticos.
Isso ocorre porque a referência para a decisão de hoje é um ponto de partida moral imaginário de anos atrás, quando a pessoa ainda agia com “100%” de integridade. O ponto de referência para a decisão de hoje é a decisão de ontem. Logo, se a transgressão de hoje for apenas um pouquinho maior do que a de ontem, a “diferença ética” será considerada aceitável e a pessoa continuará seu curso de ação rumo a decisões cada vez mais antiéticas.
Muitas fraudes e escândalos começam com os executivos manipulando pequenos números e tomando decisões duvidosas no dia a dia ao longo do tempo. Como disse um ex-executivo da Enron: “Você faz uma vez, cheira mal; você faz de novo, não cheira mais tão mal”.
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