Um dos principais consensos nos debates sobre governança é que o comportamento ético nas empresas depende em grande medida da integridade e da postura de seus líderes. Estabelecer o chamado “tone at the top”, entretanto, é mais difícil do que parece. Isso ocorre porque o poder associado aos cargos de alta gestão tende a mudar as pessoas, tornando-as mais agressivas, menos empáticas e mais hipócritas do ponto de vista moral.
Inúmeras pesquisas mostram como o poder pode influenciar mudanças no nosso comportamento, na maioria das vezes de forma inconsciente. Um experimento curioso revelou que pessoas com carros mais caros têm propensão a respeitar menos os pedestres e a buzinar mais rapidamente e de modo mais agressivo com os outros motoristas.
A relação entre agressividade e poder é bastante observada no ambiente empresarial, apesar de não ficar claro se o poder influencia as pessoas a se tornarem mais agressivas ou se nosso atual mundo corporativo faz com que as pessoas com este tipo de comportamento cheguem ao topo.
Dick Fuld, ex-CEO do Lehman Brothers, é um exemplo claro desse perfil: seu apelido no mercado era “Gorila”, em função de sua postura intimidadora. Tendo em vista que Fuld dirigiu com mão de ferro o banco responsável pela eclosão da crise financeira de 2008, seu perfil se encaixa no resultado de outra pesquisa, que concluiu que a agressividade costuma ser maior em líderes inseguros ou incompetentes.
Além da maior agressividade, outros experimentos interessantes concluíram que:
• As pessoas com maior poder tendem a condenar mais o comportamento antiético nos outros, ao mesmo tempo em que têm chance superior de aprovar um comportamento inadequado de si mesmos;
• As pessoas mais ricas têm propensão maior a exibir comportamentos antiéticos em simulações de negociações, passando a mentir mais e a burlar as regras de jogos a fim de aumentar suas possibilidades de ganho;
• As pessoas mais poderosas tendem a ser mais narcisistas e menos empáticas, o que as leva a serem menos generosas com terceiros e terem uma maior percepção de que merecem privilégios (o chamado “sense of entitlement”).
Os resultados dessas pesquisas mostram como o desafio de manter elevados padrões éticos é ainda maior para os líderes. Quando ocupamos cargos com elevado poder, passamos a nos ver como alguém exclusivo, único e que deve estar sujeito a padrões diferenciados daqueles sob
nossa supervisão.
Como resultado, passamos inconscientemente a nos ver acima dos outros em relação aos padrões morais e a nos permitir mais. No jargão da psicologia, o poder tende a aumentar nossa “hipocrisia moral”.
Nem tudo, entretanto, são más notícias. Uma outra pesquisa concluiu que as pessoas passam a julgar seu comportamento de forma mais rígida do que o dos demais quando não têm plena ciência de seu poder ou pensam que ele não é merecido. Esse efeito inverso, que leva a um julgamento muito crítico de si próprio, por sua vez, é chamado de hipercrisia.
Do ponto de vista da boa governança, a solução é fazer com que os administradores passem a ver seu papel como algo mais amplo e importante socialmente do que apenas ganhar dinheiro para os acionistas.
Ampliar a responsabilidade dos líderes como pessoas que devem servir à sociedade em última instância tende a aumentar a chance de eles passarem a ter uma percepção mais humilde de seu papel, o que fomenta a hipercrisia em vez da hipocrisia.
É fundamental para as lideranças que desejam implementar a boa governança, portanto, não cair na tentação ter uma atitude de “mestre do universo” e abusar de seu poder. Alfred Sloan (1875-1966), ex-CEO da GM e considerado o modelo de executivo profissional no século passado, compreendia esta lição, ao dizer que: “Liderança não é carisma. Não é relações públicas. Não é exibicionismo. É desempenho, comportamento consistente, e confiabilidade. O executivo é um servo. O cargo não confere privilégio nem dá poder. Ele impõe responsabilidade”.
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