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Nos boards para quê?
Conselheiros escolhidos por funcionários querem liberdade para discutir o que lhes parece óbvio: o interesse dos trabalhadores

nos-boards-para-queOs conselheiros eleitos por funcionários são uma novidade da última década. Participantes dos boards graças à Lei 12.353, de 2010, que exige a representação em todas as companhias controladas pelo Estado, ou a acordos feitos nas privatizações, eles inserem o olhar e a voz dos trabalhadores na alta cúpula. Na época em que o texto legal foi editado, o Ministério do Planejamento estimava que seriam abertas 59 vagas para indicações de empregados, sem contar as empresas que mantêm o posto em decorrência dos processos de privatização. Além de promover a diversidade, esses conselheiros prometem exercer um papel importante, especialmente, em momentos como o atual. Pesquisa do Banco Central prevê um encolhimento de 0,42% da economia em 2015, o que significa não só a maior retração em duas décadas como uma forte possibilidade de aumento do desemprego e do arrocho salarial. A amplitude de sua atividade em defesa dos interesses dos funcionários, contudo, é controversa. A Lei 12.353, ao mesmo tempo em que institui a obrigatoriedade, prevê que “o conselheiro de administração representante dos empregados não participará das discussões e deliberações sobre assuntos que envolvam relações sindicais, remuneração, benefícios e vantagens, inclusive matérias de previdência complementar e assistenciais”.

O objetivo do veto é evidente. Busca-se deixar claro que ter um funcionário julgando a remuneração dele próprio e daqueles que o elegeram configura conflito de interesses — infração prevista na Lei das S.As. Há, no entanto, quem queira abrir as portas para a negociação de salários nos conselhos de administração. No mês passado, o deputado Fernando Marroni (PT-RS) apresentou um requerimento na Câmara dos Deputados para desarquivar o Projeto de Lei 6.051, de 2013, que suprime o veto da Lei 12.353 tanto ao debate de matérias ligadas à remuneração quanto ao voto nelas.

A defesa do afrouxamento da prescrição legal foi uma das propostas de campanha defendida por Deyvid Bacelar, trabalhador da Petrobras eleito no mês passado. Segundo ele, é justamente nesse tipo de questão que o conselheiro oriundo do quadro de funcionários mais tem a contribuir. “É importante participarmos ao menos das discussões”, defende Bacelar. “Ter um membro do conselho com os conhecimentos necessários ao posto e que também é stakeholder importante pode ser muito valioso. Mas é preciso haver um processo de educação de todas as partes, para que não se use o cargo para fazer sindicalismo”, pondera a advogada Marta Viegas, conselheira do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC). Na prática, a premissa é difícil de ser aplicada. Uma vez no cargo, esses representantes querem levar à pauta temas como melhores condições de trabalho e reajustes salariais, ainda que não votem sobre eles.

No mês passado, o vice-presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos, Herbert Claros da Silva, ganhou a eleição para o board da Embraer. A fabricante de aeronaves é obrigada a assegurar a representação dos funcionários graças a uma regra do edital de privatização da companhia, ocorrida em 1994. Na página do Sindicato dos Metalúrgicos, o candidato vencedor deixou seu recado. “Nossa vitória representa o desejo de mudança entre os trabalhadores da Embraer. Isso já vem ficando claro desde as paralisações ocorridas na campanha salarial de 2014. Agora, com a vaga no conselho, queremos fazer a empresa ouvir e atender as reivindicações dos trabalhadores”, disse Silva. Questionada para falar de sua experiência com a cadeira reservada aos empregados, a Embraer não atendeu ao pedido de entrevista.

No Banco do Brasil, a situação não é diferente. “O cenário que se vislumbra para os próximos anos é de grande disputa entre capital e trabalho, tanto no campo político quanto no sindical. Será de extrema importância que o funcionalismo do BB tenha como representante […] uma liderança como Rafael, que tem experiência de luta como dirigente sindical”, exaltou Carlos Cordeiro, presidente do órgão ligado aos trabalhadores do ramo financeiro na Central Única dos Trabalhadores (Contraf-CUT), na página da entidade na internet. A Contraf apoia a reeleição de Rafael Matos ao posto de conselheiro de administração do banco estatal, em pleito que se encerra no dia 6 de março.

Foi desarquivado o Projeto de Lei 6.051, que suprime o veto ao debate e ao voto em matérias ligadas à remuneração

Levados a sério?
A Petrobras também retrata o interesse dos trabalhadores em levar sua agenda para o conselho. Neste ano, 139 funcionários disputaram a vaga destinada a seu representante no órgão deliberativo da petroleira. Os dois mais bem votados foram ao segundo turno, vencido por Bacelar, com 57,83% dos votos. Ele superou o atual ocupante do posto, Silvio Sinedino, que tentava a reeleição. Sinedino acredita ter contribuído tanto para o melhor funcionamento do board quanto para estimular a devida apuração do escândalo de corrupção relativo à companhia. Entender a Petrobras, porém, não era nada simples, ele afirma.

Segundo o ex-conselheiro, seus colegas recebiam as demonstrações financeiras a serem aprovadas apenas no momento da reunião do órgão — apesar do gigantismo da petroleira. Não havia, portanto, tempo para analisarem os números previamente ou questionarem as premissas adotadas. Em 2014, no encontro que avaliou o balanço referente ao segundo trimestre (o último que contou com aval do auditor independente, até o momento), os membros do board passaram a ter duas horas para estudar as demonstrações financeiras antes do início da reunião. “Esse tempo ainda é discutível, mas antes nem existia”, relata.

Sinedino conta que a eleição de conselheiros ligados aos acionistas minoritários o ajudou nos últimos anos: desde 2013, a Petros, fundo de pensão dos funcionários da Petrobras, não vota como minoritária, o que abriu espaço para a escolha dessas cadeiras por outros acionistas. Hoje, Mauro Cunha e José Monforte ocupam os cargos, eleitos pelos donos de ações ordinárias e preferenciais, respectivamente. “No meu primeiro mandato, o conselho era apenas um ‘homologador’ de decisões”, conta. “Depois da chegada dos conselheiros dos minoritários, passamos a ter alguma discussão, ainda que as decisões já cheguem tomadas pelo controlador”, completa o executivo, que, nos últimos meses, engrossou o coro da defesa de melhorias na governança corporativa da Petrobras e do rigor nas investigações relativas a corrupção. Sobre sua participação como indicado dos trabalhadores, Sinedino reconhece que errou em um ponto. “É uma falha nem eu nem meus antecessores termos conseguido transmitir a importância do cargo. A cada ano, menos funcionários votam na eleição”, lamenta.

Outra circunstância em que a postura do controlador limitou a atuação do conselheiro dos empregados aconteceu na Usiminas. Ao analisar diversas queixas, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) entendeu, em novembro passado, que a vaga destinada aos funcionários da siderúrgica era irregularmente ocupada há uma década. Assim como na Embraer, a Usiminas oferece a vaga em razão de acerto feito com os trabalhadores no processo de privatização. O método de escolha na siderúrgica era bastante peculiar. A Caixa dos Empregados da Usiminas (CEU), hoje conhecida como Previdência Usiminas, designava o candidato ao órgão sem que os funcionários participassem da decisão.

Para a área técnica da CVM, o problema é que a maioria dos membros da entidade de previdência é indicação da própria empresa. Isso leva a que, no fim das contas, o assento seja ocupado por um membro apontado pelo controlador. Ao analisar o caso, a diretoria do órgão regulador considerou o problema mais grave: a siderúrgica viola a Lei das S.As., em 2001 alterada pela Lei 10.303. A inclusão do parágrafo 140, uma das mudanças, tornou compulsória a eleição como dispositivo de definição do representante dos empregados. No último pleito, em abril de 2014, o escolhido para a vaga sequer tinha vínculo trabalhista com a companhia. Este ano, a Usiminas está obrigada a delegar a escolha do conselheiro aos funcionários.

Ambiente melhor
A experiência de outros países faz vislumbrar, aí, uma novidade boa para a Usiminas. Estudos revelam que a presença dos conselheiros eleitos por funcionários pode influenciar de forma positiva o ambiente de trabalho. Na pesquisa Causes and consequences of employee representation on corporate boards, sobre episódios de empresas suecas, Tom Berglund, Martin Holmen e Rakesh Holmen constataram que a presença desses membros do board é capaz de influenciar as políticas trabalhistas das organizações, de modo a garantir menos flutuação no quadro de empregados.

Na Suécia, a presença de funcionários nos conselhos de companhias abertas é bem-vista e prevista em lei. Desde a década de 1970, eles podem escolher se desejam ter uma cadeira no órgão colegiado. A participação não está restrita a um assento; o dispositivo legal impede apenas que os empregados tomem a maioria do colegiado. Há outras medidas que evitam o mau uso do posto, como a que se refere à remuneração do indicado: apesar de ter a mesma responsabilidade daqueles escolhidos pelos acionistas, ele continua com seu ordenado. A ideia é evitar que a súbita ascensão salarial vire motivador para uma candidatura.

Países como Espanha e Portugal adotam a representação dos funcionários nos conselhos em companhias estatais ou privatizadas. Outros, como a França, seguem o modelo sueco e também têm regras próprias para garantir conselheiros eleitos por empregados. O destaque é a Alemanha, onde uma política de governo prevê a cogestão: 50% do board é eleito pelos trabalhadores; a outra metade recebe o voto dos acionistas. O modelo foi adotado na década de 1950 em empresas de setores específicos, como os de mineração, carvão e aço. Em 1976, a prática foi estendida a todas as companhias com mais de 2 mil funcionários, exceto em algumas, como aquelas de controle familiar.

No estudo Does good corporate governance include employee representation? Evidence from German corporate board, publicado em 2006, os autores concluem que a representação inferior a 50% é ideal, mas também avaliam a prática positivamente. O ganho, afirmam, é resultado da troca de informações. Os trabalhadores levam ao board dados que ajudam na tomada de decisões. O canal também pode ser inverso. Com representantes nos conselhos, os empregados teriam mais informações a respeito das estratégias e dos lucros da empresa, o que reduz o número de greves e paralisações.

Ilustração: Beto Nejme/Grau180.com; scx.hu


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