Mudanças no Carf geram discussão sobre qualidade dos julgamentos
Ilustração: Rodrigo Auada

Ilustração: Rodrigo Auada

Deflagrada no fim de março de 2015, a Operação Zelotes desencadeou uma reforma jamais vista no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), órgão do Ministério da Fazenda responsável pelo julgamento dos recursos de contribuintes em débito com a Receita Federal. Alvo de uma investigação sobre manipulação de julgamentos, o Carf elaborou um novo regimento interno para dar fim às suspeitas de conflito de interesses, melhorar a governança e a transparência e acelerar a conclusão dos processos. Alguns dos procedimentos, antes corriqueiros, foram formalizados, proporcionando um ambiente mais seguro e regular. Entretanto, nem todas as mudanças têm sido bem recebidas por advogados e profissionais da área tributária, preocupados em saber como as novidades podem afetar a qualidade dos julgamentos e influenciar as decisões — em prejuízo, sobretudo, dos contribuintes.

As reformas abrangem duas vertentes: rito processual e novo perfil de julgadores. Na primeira, foram feitas mudanças para aceleração e aprimoramento da votação dos processos. Atualmente, são cerca de 117 mil no estoque de discussões —alguns na fila de espera desde 2004. Entre as novidades, está a substituição do sorteio manual de processos pelo eletrônico, que os organiza em ordem de prioridade. Além disso, pedidos de retirada ou adiamento de pauta, anteriormente feitos sem critérios estabelecidos, agora devem ser protocolados até cinco dias antes do início da reunião prevista para a discussão do assunto, mediante solicitação justificada.

Outra novidade é o julgamento dos processos em lotes, para que decisões sobre matérias de temas semelhantes sejam uniformes. “Nosso grande desafio é aumentar a governança e a integridade, para o fortalecimento da imagem do Carf”, disse Carlos Alberto de Freitas Barreto, presidente do órgão, em workshop realizado em 4 de agosto pela capital aberto. Segundo ele, as mudanças feitas no Carf foram mais intensas que o normal e demandam um período de adaptação. Ainda assim ele garante que o órgão tem trabalhado com foco em agilidade e eficiência. “Reconhecemos nossas fragilidades, mas neste momento o Carf precisa julgar”, ressaltou.

Na segunda vertente, alvo da maioria das críticas, está a drástica transformação no perfil de julgadores do Carf. Profissionais de advocacia, principais representantes dos contribuintes, agora são obrigados a comprovar o afastamento do exercício da atividade para compor o quadro de julgadores. A decisão foi tomada pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em maio de 2015, após um decreto presidencial ter instituído remuneração para os conselheiros representantes de contribuintes. Antes, apenas representantes da Fazenda eram remunerados. Na visão da OAB, o pagamento torna a função no Carf incompatível com o exercício da advocacia. Para o mercado, todavia, a restrição abriu espaço para o ingresso de acadêmicos, recém-formados e profissionais com pouca bagagem e experiência para lidar com as “dores” tributárias das companhias. “Muitos conselheiros nunca foram relatores de um processo, passam a sessão calados, apenas acenando ‘sim’ ou ‘não’ com a cabeça, sem contribuir com o debate”, afirma Ana Cláudia Utumi, advogada do TozziniFreire Advogados.

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Pressão versus imparcialidade

O pano de fundo da queixa é a dúvida em torno da autoridade e da coragem dos novos julgadores para tomar decisões em meio à pressão que o Carf tem sofrido pós-Zelotes. Advogados relatam, por exemplo, uma maior predisposição dos conselheiros em julgar a favor do fisco neste ano. Segundo a advogada Ana Paula Schincariol Lui, sócia do Mattos Filho, a Fazenda saiu vencedora, entre janeiro e maio deste ano, em 139 dos 145 julgamentos na câmara superior do Carf em que houve voto de qualidade (usado para desempates), enquanto o contribuinte levou a melhor em apenas seis processos. Detalhe: o voto de qualidade é proferido pelo presidente da turma julgadora, geralmente um representante do fisco. “Os julgadores sofrem pressão por parte da Fazenda, que precisa arrecadar mais, e também da opinião pública, mais atenta a novos casos de corrupção. Precisamos entender as razões por trás desses votos”, defende Ana Paula.

O procurador regional da Fazenda Nacional da 3ª região, Leonardo de Menezes Curty, contesta essas avaliações e enfatiza o fato de não haver conexão direta entre as votações e o cenário pós-Zelotes. Segundo ele, entre dezembro de 2013 e junho de 2014 — portanto, antes da operação da Polícia Federal — a Fazenda ganhou 64% dos recursos. Na fase pós-Zelotes, de dezembro de 2015 a abril de 2016, esse percentual caiu para 51%. O procurador também afirma que o voto de qualidade não tem sido utilizado de maneira arbitrária nos julgamentos. De acordo com ele, 95% dos processos julgados depois da operação foram decididos por unanimidade ou maioria de votos, ou seja, sem a necessidade do voto de qualidade. “Conselheiro da Fazenda não vota necessariamente a favor da Fazenda, e conselheiro do contribuinte nem sempre vota a favor do contribuinte. Isso é um mito”, esclarece o procurador, reforçando o caráter idôneo e imparcial dos julgadores.

Remuneração

O novo sistema de remuneração dos conselheiros representantes dos contribuintes também não passou imune às críticas. Desde o decreto presidencial, esses profissionais recebem pagamento conforme o número de sessões no mês. Esse valor, entretanto, não pode ultrapassar R$ 11,2 mil. Na opinião de Rodrigo Miranda, gerente geral jurídico tributário da CSN, a remuneração não é suficiente para atrair novos e bons julgadores para o Carf. “As pessoas vão para o conselho pela dialética, pela experiência e pelo conhecimento, mas não podem abrir mão da carreira”, argumenta Miranda. Para ele, as restrições geram desequilíbrio técnico no sistema, o que resulta no enfraquecimento do contraditório entre a Fazenda e o contribuinte.

Apesar das preocupações, os especialistas participantes do workshop compreendem que o Carf passa por um momento de transição e concordam que, no futuro, os problemas serão superados. “A nova equipe de julgadores não tem a experiência do chão de fábrica, mas isso não inviabiliza o Carf nem quer dizer que o órgão está inviável”, pondera Gileno Barreto, sócio do Loeser&Portela Advogados. Se tudo der certo, ele estima que, em dois ou três anos, o Carf terá criado uma nova geração de conselheiros.

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