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Independência fajuta
Definições vagas permitem que conselheiros com isenção contestável ocupem assentos destinados a independentes

ibgcA investigação em torno das escutas ilegais feitas pelo tabloide britânico News of the World, que levou a publicação a encerrar suas atividades em julho, virou assunto nas rodas de discussão sobre as boas práticas de governança corporativa. O jornal, uma das empresas do grupo News Corporation, cujo presidente do conselho de administração e CEO é Rupert Murdoch, assumiu ter grampeado telefones de políticos, artistas e até de jogadores de futebol. Para não arranhar ainda mais a imagem da companhia, com ações listadas na Nasdaq, seus conselheiros independentes foram destacados para ajudar nas investigações policiais. No comando dos trabalhos está Viet Dinh, um renomado professor da faculdade de direito da Universidade Georgetown e membro do board da News Corporation desde 2004. O que não se esperava era que questionamentos a respeito da efetiva independência de Dinh ganhassem tanto destaque na imprensa quanto os delitos cometidos pelo diário. O caso demonstra que, da forma como vem sendo aplicada, a desejada independência na composição de conselhos de administração muitas vezes tem a consistência de um ovo de galinha.
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Dinh é classificado como conselheiro independente porque não faz parte da diretoria executiva da companhia e cumpre os demais requisitos previstos pela Securities and Exchange Commission (SEC) e pela Nasdaq. No entanto, a estreita ligação com a família Murdoch levantou dúvidas a respeito de sua isenção na investigação do caso. Segundo o noticiário internacional, Dinh é amigo e padrinho de um dos filhos do primogênito de Murdoch, Lachlan. O conselheiro teria ainda um forte vínculo afetivo com a companhia. Em 1992, sua irmã foi libertada de um campo de refugiados em Hong Kong com a ajuda do South China Morning Post, jornal que, na ocasião, fazia parte do grupo.

Os laços entre Dinh e Murdoch são apenas um exemplo em que a isenção dos conselheiros fica em xeque mesmo quando aprovada pelos critérios de independência apregoados por reguladores e códigos de governança. São também um sinal de que vagas destinadas àqueles que não têm vínculos oficiais com controladores e administradores — e, portanto, estariam mais focados nos interesses de longo prazo da companhia — podem estar sendo indevidamente ocupadas. Não se trata de um problema localizado num mercado como o dos Estados Unidos, que exige maioria de independentes nas cadeiras do conselho das companhias listadas na Nyse e na Nasdaq. A independência fajuta já mostrou seus efeitos também em fraudes como a da indiana Satyam. Na ocasião, o mercado questionou como a presença de conselheiros independentes não havia impedido as falcatruas contábeis orquestradas durante anos pelo fundador Ramalinga Raju e confessadas em janeiro de 2009. A resposta estaria na governança pró–forma: profissionais indicados pelo controlador, a despeito dos laços pessoais que os uniam, mas sob a chancela da independência conceitual. Uma pesquisa da Prime Database confirmou o cenário. Divulgada em 2009, apontou que 75% dos conselheiros independentes de companhias listadas na Bolsa de Mumbai possuíam ligações com os acionistas controladores. Em geral, eram amigos ou vizinhos.

COTAS EM ALTA — No Brasil, a presença dos conselheiros independentes está garantida pelos regulamentos dos níveis diferenciados de governança da BM&FBovespa. Companhias listadas no Nível 2 e no Novo Mercado devem reservar 20% de seus assentos para profissionais com essa característica. A cota é considerada pequena, mas as próprias empresas rejeitaram, na reforma de regras realizada ano passado, a elevação do percentual para 30%.

A boa notícia é que a resistência das companhias pode acabar sendo superada pelas pressões de investidores institucionais. Na próxima temporada de assembleias, a Institutional Shareholder Services (ISS), a consultoria de governança e voto de assembleias mais influente do mundo, promete recomendar aos seus clientes votarem contra a eleição de chapas ou candidatos aos conselhos de administração de companhias do Novo Mercado que não resultarem numa distribuição de, no mínimo, 30% das cadeiras para independentes. Na proposta de adoção dessa política, em audiência pública até 7 de novembro, a consultoria também questiona se a mesma orientação deve ser estendida às empresas do Nível 2.

Em 2011, a ISS recomendou votos contrários a 25% das eleições de membros do conselho de administração das companhias do Novo Mercado. Com a nova orientação, a consultoria calcula que essa parcela alcance até 57% em 2012. A julgar pelo interesse dos investidores na questão, a medida tem chances de provocar efeitos práticos. Uma pesquisa feita pela ISS com investidores institucionais mostra que 38% apoiam a elevação da parcela mínima de membros independentes dos conselhos para 30%. Outros 46% são favoráveis a patamares superiores a esse.

CONCEITOS CONTESTÁVEIS — Mas o que talvez a ISS não esteja considerando é que, sob o chapéu de independente, pode haver conselheiros com independência, no mínimo, duvidosa. A batalha por cotas que assegurem maior participação de independentes nos conselhos das companhias brasileiras esbarra, assim como no cenário internacional, em aspectos qualitativos. Os casos são os mais diversos. Na BR Foods, maior exportadora mundial de aves, Walter Fontana Filho é classificado como conselheiro independente desde abril. Conforme as regras do Novo Mercado, o segmento de listagem da companhia, o executivo pode ser categorizado dessa maneira por passar com louvor em todos os pontos previstos: não tem vínculo com a empresa, não é acionista controlador, nem foi empregado nos últimos três anos. Também está livre de outros indícios de comprometimento, como ser fornecedor ou funcionário de empresa prestadora ou demandante de serviços da BR Foods.

Essa independência, contudo, poderia ser contestada quando analisada sua trajetória. Fontana Filho pertence à família fundadora e foi um dos mais importantes executivos da Sadia, que, à beira da ruína, se uniu à Perdigão em 2009 para formar a BR Foods. Comandou a fabricante de alimentos entre 1994 e 2005, quando assumiu o cargo de presidente do conselho de administração, permanecendo na função até 2008, ao renunciar diante do escândalo dos derivativos cambiais que nocautearam a Sadia.

ISS recomendará rejeição de chapas do Novo Mercado com menos de 30% de independentes em 2012

Teoricamente, as definições sobre independência previstas nos regulamentos dos níveis diferenciados de listagem da Bolsa de Valores permitem que Fontana Filho seja adjetivado como independente. Afinal, após a fusão com a Perdigão, foi formada outra companhia, a BR Foods. Os conselheiros das empresas preexistentes, de fato, não têm laços diretos com a sociedade recém–criada, ainda que a nova companhia tenha assumido a tarefa de quitar as pendências financeiras da Sadia. “Mas uma empresa que é resultado de uma fusão não sai do zero. Ela carrega, por exemplo, um histórico de relacionamento dos funcionários precedentes”, diz Alexandre Di Miceli da Silveira, pesquisador de governança corporativa e professor doutor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA–USP).
, Independência fajuta, Capital Aberto

Exemplo semelhante é o da construtora Tenda, focada em empreendimentos imobiliários de perfil popular. Em 2008, com sua continuidade comprometida pelos fracos resultados, a empresa trocou de mãos. O controle passou de Henrique de Freitas Alves Pinto, então presidente do conselho, para a concorrente Gafisa. Na assembleia–geral ordinária seguinte, realizada após a troca de controle, em abril de 2009, Alves Pinto foi reeleito como conselheiro, mas, dessa vez, como independente. Questionada pela CAPITAL ABERTO, a Gafisa informou por e–mail que a condição de independência de Alves Pinto, na época, se deveu exclusivamente à norma do Novo Mercado que julga independente um conselheiro eleito numa votação separada, de acordo com o artigo 141 da Lei das S.As., sem a participação do controlador — exatamente a situação do ex–dono da Tenda. “A forma ainda prevalece sobre a essência”, lamenta Silveira, invocando a expressão comum no ambiente da contabilidade.

O fato de a independência ser um aspecto qualitativo e de difícil definição acrescenta ainda mais subjetividade à avaliação de quem é, verdadeiramente, independente. Vide o caso UOL. Nos últimos meses, o controlador e seus acionistas travaram uma batalha diante do fechamento de capital. De um lado estava a companhia, disposta a deixar a Bolsa de Valores pagando o menor valor possível pelas ações em circulação. De outro, os minoritários, brigando pela melhor avaliação de seus papéis. No meio, João Alves de Queiroz Filho, conhecido como o Júnior da Arisco, eleito conselheiro independente do UOL em assembleia realizada em abril.

A peleja — que terminou com a companhia elevando em 11,76% o preço inicialmente oferecido, de R$ 17 para R$ 19 — evidenciou dúvidas sobre a isenção que fora atribuída ao conselheiro. Representante legal de 25% do capital social do UOL, Queiroz Filho é também signatário de um acordo de acionistas com a controladora FolhaPar. O documento não vincula seu voto ao da acionista controladora, mas não deixa de ser um elo forte, especialmente por prever o direito de preferência do grupo de mídia caso Queiroz Filho desejasse alienar sua participação.

NÚMERO MÁGICO — Não há, pelas regras brasileiras, um percentual de participação acionária que delimite a situação em que um conselheiro independente que também é acionista da companhia perde sua isenção. Mas a Instrução 461 da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que disciplina o funcionamento das bolsas de valores, prevê um percentual. Pela regra, os conselhos de administração das bolsas devem ser formados por maioria independente. E dentre as características de independência está o veto à participação acionária igual ou superior a 10% do capital total ou votante.

O código de boas práticas de governança corporativa do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), cuja adoção é voluntária, é a mais detalhada recomendação brasileira no quesito independência, apesar de não estipular um teto de participação acionária. Segundo o instituto, o conselheiro mantém sua independência quando não detém “participação relevante” no capital. Por “relevante”, o código quer dizer uma fatia acionária que não faça com que um conselheiro “tenha mais incentivos para agir como acionista do que como conselheiro”.

Impedir que acionistas com participações expressivas ocupem as vagas destinadas aos independentes é uma questão controversa. “Uma participação no capital superior a 10% pode comprometer a independência”, sugere Silveira. No entanto, há quem prefira desvincular totalmente o conceito de independência do fato de o conselheiro ser ou não acionista. O mais apropriado, nessa perspectiva, seria aplicar critérios de independência conforme a estrutura de controle da companhia. Em empresas com controle concentrado, o importante seria a independência em relação ao controlador; nas de capital pulverizado, independentes seriam os conselheiros sem vínculos com funcionários ou administradores. Essa é a visão de Armínio Fraga, presidente do conselho de administração da BM&FBovespa e sócio da Gávea Investimentos. “Nada vai me convencer de que há um conselheiro melhor do que o próprio acionista”, afirma o ex–presidente do Banco Central.

“O conselho serve como um mecanismo de representação dos minoritários”, acrescenta Érica Gorga, professora da Direito GV, em defesa da ideia de que o conselheiro pode ser encarado como independente a despeito de possuir uma participação minoritária na empresa. No Brasil, como a maior parte das companhias abertas é dirigida por acionistas com mais de 50% das ações com direito a voto, a função do conselheiro que não tem vínculos com o controlador, comumente, é a mais valorizada.

Quando se trata de um minoritário no conselho, porém, a independência só ganha eficácia se o conselheiro é eleito como representante dos minoritários — uma faculdade prevista no artigo 141 da Lei das S.As., que assegura a representatividade no board de detentores de 15% dos papéis com direito a voto ou de preferencialistas com 10% do capital total. É o que pensa o investidor Guilherme Affonso Ferreira, diretor da Bahema Participações, notório defensor de melhores práticas de governança (leia também a seção Retrato, na página 68). Ele mesmo não se classificaria como independente, por exemplo, no conselho de administração do Pão de Açúcar, embora seja intitulado pela companhia como tal. Apontado para o cargo pelo grupo controlador e eleito em assembleia, Ferreira entende que sua independência é limitada pelo fato de participar da gestão de um fundo que investe na rede varejista — o que, em tese, poderia levá–lo a defender os interesses dos cotistas do fundo e não os dos acionistas como um todo. Com tantas sutilezas envolvendo o conceito de independência, seria bom se as companhias refletissem bem antes de cunhar essa qualificação a um conselheiro. Infelizmente, não parece ser isso o que acontece em boa parte dos casos.

Testes de independência

O IBGC recomenda que as companhias estipulem e divulguem o período máximo de permanência de conselheiros independentes na posição, pois os anos de batente põem em risco a isenção. Contudo, o tempo de casa nem sempre é um fator de eliminação. Dos sete conselheiros da Lojas Renner, por exemplo, cinco são independentes. Dentre eles está Egon Handel, que ocupa a cadeira, ininterruptamente, desde abril de 1991. Para a empresa, o longo relacionamento não interfere na capacidade de julgamento independente do conselheiro.

Questionáveis ou não, o fato é que os conselheiros de administração classificados como independentes são eleitos em assembleia, ao alcance do voto e das manifestações de todos os acionistas. Mas as companhias também podem se esforçar para que a independência não se restrinja à forma. Por que não seguir modelos internacionais e analisar, segundo seus próprios critérios e particularidades, a independência dos executivos que classificam como independente?

A prática é prevista na regulação do mercado de capitais francês e também no código de boas práticas do Reino Unido, o UK Code. Os conselhos de administração ingleses devem, no relatório anual, listar seus membros independentes e apontar quais foram os critérios adotados na classificação. “Outra saída é a avaliação dos conselhos. Se a contribuição de cada membro é analisada, isso se transforma em um mecanismo de controle”, sugere Adriane Almeida, superintendente adjunta de conhecimento do IBGC.

Algumas companhias brasileiras largaram na frente e criaram seus próprios meios para garantir uma independência efetiva de seus conselheiros. Na OdontoPrev, os membros independentes passaram a assinar uma declaração em que atestam sua isenção de acordo com o código do IBGC. O documento está disponível no site de relações com investidores (RI) da companhia.

No Itaú Unibanco, a tarefa de atestar a independência do conselheiro fica sob a responsabilidade do comitê de nomeação e governança. Ao fazer a análise, o órgão deve levar em conta, além das normas do mercado, os quesitos de independência listados pelo próprio banco. Dentre as determinações da instituição que vão além daquelas já praticadas no Novo Mercado estão a limitação de participação no capital da companhia, que não deve ser igual ou superior a 5%; e o vínculo a acordos de acionistas ou bloco de controle, ainda que indiretamente. (Y.Y.)

Conteúdo extra

Clique e veja estudos que avaliam a presença de independentes nos conselhos de administração.
Clique e confira o estudo Independent directors and firm valeu: evidence from na emerging market.


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