Fatos que enganam
Comunicados da OGX ensejam processo de minoritários por divulgação mentirosa e alertam para os riscos de a empolgação virar propaganda

, Fatos que enganam, Capital AbertoDe repente, os 285 milhões de barris de petróleo do campo de Tubarão Martelo encolheram para 87,9 milhões. A primeira cifra foi divulgada pela OGX em fato relevante de 25 de abril de 2012; a segunda, em outubro deste ano. Para um grupo de investidores, liderado pelo economista Aurélio Valporto, essa e outras declarações da companhia não configuraram erros de estimativa, mas mentira. Em breve, eles prometem entrar com uma ação na Justiça Federal contra os administradores da petroleira, pedindo compensação por terem sido enganados pelos informes.
Outro dado que se revelaria ilusório apareceu no fato relevante de 16 de janeiro de 2012. A empresa afirmava ter encontrado hidrocarbonetos de boa qualidade em águas rasas no bloco BM-S-57, na Bacia de Santos. Um ano depois, o poço, com prazo de exploração vencido, foi restituído à União.
O direito de exploração venceu em 11 de março, e as notícias da devolução foram veiculadas pela imprensa no dia 14. Não há fato relevante ou comunicado ao mercado sobre o assunto em nenhuma dessas datas. No dia 13 de março, entretanto, a companhia publicou fato relevante anunciando a comercialidade de outros poços. Um comunicado ao mercado do dia 11 trazia uma apresentação em que o bloco BM-S-57 era citado como “em análise”.
A maré de declarações controversas não para por aí. No meio de outubro, o site InfoMoney, ligado à corretora XP, noticiou que a gestora Vinci Partners assumiria o controle da OGX. Inicialmente, as duas empresas negaram. No dia 17 de outubro, entretanto, a OGX respondeu a um pedido de esclarecimento da BM&FBovespa com um comunicado ao mercado no qual dizia que vinha “mantendo contato com diversos potenciais investidores, entre eles a Vinci Partners”. No dia seguinte, a gestora divulgou uma incisiva nota oficial para explicar que, embora mantivesse “contatos regulares com todo o espectro corporativo brasileiro”, jamais teria se aproximado de algo que pudesse ser considerado uma negociação com
a petroleira.

Sem precedentes
Se as manifestações da empresa eram mentirosas ou não, é algo a ser averiguado pela Justiça brasileira, que pela primeira vez se deparará com uma situação assim. Não há jurisprudência judicial no Brasil para o caso de uma companhia aberta que difunde informações enganosas, conforme apurou Viviane Muller Prado, professora de direito empresarial da Fundação Getulio Vargas (FGV). Na esfera da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), um levantamento feito pela reportagem mostrou que foram julgados 47 processos sobre a divulgação de fatos relevantes desde 2003. Na maior parte, as companhias foram processadas por não publicar uma notícia ou por veicular o comunicado de maneira intempestiva.
Somente uma das causas, julgada pela CVM em março deste ano, se refere a um “fato relevante em desacordo com a realidade dos acontecimentos”. Ela envolve a empresa de telefonia Brasil Telecom (BrT, incorporada pela Oi em 2008) e relata uma imprecisão no documento. Ao referir-se a uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre liminar que cancelava uma assembleia geral de acionistas, a companhia comentou que o órgão havia considerado o encontro ilegal. Na verdade, porém, o STJ apenas havia decidido não cassar a liminar, sem fazer nenhum juízo de valor a respeito da assembleia.

Não há jurisprudência judicial no Brasil para o caso de uma companhia aberta que difunde informações enganosas. Nos Estados Unidos, investidores ganharam somas importantes processando as companhias por dados capciosos. O caso mais recente rendeu indenização de US$ 2,46 bilhões, do HSBC a ex-acionistas de uma empresa adquirida

Tolerância zero
Os números da Securities and Exchange Commission (SEC) são muito mais expressivos do que os da sua congênere brasileira. Apenas em 2012, o regulador americano abriu 40 processos administrativos e 39 ações civis (aquelas em que o regulador entra na Justiça contra o acusado) relativos a informes de emissores. Companhias, gestoras de fundos e até cidades já enfrentaram o escrutínio da comissão.
Em maio deste ano, por exemplo, Harrisburg, capital do estado da Pensilvânia, se tornou o primeiro município acusado pela SEC de prestar informações falsas a compradores de títulos de dívida. A cidade teria mentido ao longo de anos sobre sua combalida situação financeira, que quase culminou com uma declaração de falência. Os anúncios da prefeitura não foram feitos apenas em instrumentos regulatórios, mas também pela imprensa — outra que está no radar da SEC, assim como as redes sociais. “Essas discussões ainda não aconteceram no mercado brasileiro”, analisa Renato Ximenes de Melo, sócio da área de mercado de capitais do escritório de advocacia Mattos Filho.
Nos Estados Unidos, investidores ganharam somas importantes processando as companhias por dados capciosos. A ocorrência mais recente foi julgada em outubro, pela corte de Chicago. O banco HSBC foi condenado a indenizar em US$ 2,46 bilhões os ex-acionistas da Household International, provedora de cartões de crédito adquirida em março de 2003. No processo, iniciado em 2002, investidores acusaram a empresa de enganá-los quanto a “práticas predatórias e empréstimos”, bem como sobre a qualidade de seus créditos e da contabilidade.
Buscar referências nos Estados Unidos para conflitos desse tipo é uma alternativa óbvia, mas a Alemanha também pode ser um bom espelho. Entre 2004 e 2008, o Bundesgerichtshof, equivalente germânico do STJ, julgou várias circunstâncias em que companhias eram acusadas por investidores de usar comunicações oficiais falaciosas. Assim como o Brasil, o país nunca havia lidado com esse tipo de questão no âmbito do Judiciário. “Foi um momento-chave para o mercado alemão”, conta Peter Sester, professor do Instituto de Lei e Finanças da Universidade de Frankfurt, que estudou a questão.
Os eventos mais emblemáticos foram os da empresa de televisão EM.TV, da fabricante de softwares Infomatec e da companhia de geolocalização Comroad. As três foram acusadas, processadas e condenadas pela divulgação de informações falsas ao mercado. Elas também foram pivôs de escândalos corporativos que ajudaram a destruir o Neuer Markt da Bolsa de Frankfurt, segmento de listagem que inspirou a criação do Novo Mercado no Brasil. Fundado em 1997, o Neuer Markt tinha o objetivo de ser um ambiente exclusivo para empresas de tecnologia — à semelhança da Nasdaq —, mas não resistiu à bolha da internet e morreu jovem, em 2003.
De acordo com Sester, as companhias se comunicavam constantemente com o mercado por meio de fatos relevantes. “Esse instrumento era usado como ferramenta de propaganda, que chamava a atenção do público para a empresa”, explica. Além da enxurrada de dados que nem sempre eram importantes, as companhias iludiam o investidor.
A Comroad inflava seus resultados e os alardeava. O caso estourou em 2002 e feriu a reputação da auditora da empresa, a KPMG, a ponto de a Arthur Andersen, ainda baqueada pelo escândalo da Enron, interromper as conversas sobre uma possível fusão com a firma na Alemanha e se voltar para a Ernst & Young.
A EM.TV fazia o mesmo: fraudava seus balanços e dava ao mercado notícias positivas sobre o transcurso dos negócios. A Infomatec, além de manipular os números, publicou um fato relevante anunciando que havia firmado um contrato de 55 milhões de marcos alemães com a Mobilcom, quando, na verdade, o negócio era de apenas 9 milhões de marcos. Os dirigentes das três companhias foram responsabilizados pessoalmente e condenados a indenizar investidores. “Depois disso, o fato relevante passou a ser tratado com muito mais cuidado. Os executivos sabem que podem ter de pagar por isso”, diz Sester.

Fato ou propaganda?
No Brasil, os investidores da OGX também querem punir a direção. Jorge Lobo, o advogado à frente do processo, afirma que pretende pedir a responsabilização civil dos conselheiros de administração e dos diretores. Walfrido Warde Jr., sócio do escritório Lehmann, Warde & Monteiro de Castro Advogados, observa, no entanto, que não é simples o desafio de provar que os administradores tiveram intenção de ludibriar os acionistas. É possível que a empresa tenha acreditado em estimativas exageradas ou otimistas demais, ou mesmo se precipitado na hora de tornar os fatos públicos. Por isso, Viviane Muller Prado, da FGV, acha que as companhias devem cuidar da linguagem usada em suas comunicações. É importante avaliar se o documento não deveria apenas fornecer subsídios para que os investidores tomem decisões racionais, em vez de apelar para as emoções. “No caso da OGX, isso podia ser um tanto mais complicado, em função da quantidade de informações técnicas”, pondera.
Entretanto, uma breve comparação dos fatos relevantes anteriores à crise do grupo X com aqueles divulgados depois mostra que a companhia se tornou muito mais técnica e menos festiva — tanto em relação aos seus poços como a si mesma. No comunicado de 25 de abril citado no início desta reportagem, por exemplo, a OGX se apresentava como “empresa brasileira de óleo e gás natural responsável pela maior campanha exploratória privada no Brasil” e mencionava, claramente, 285 milhões de barris de petróleo. Em outubro último, o aposto foi deixado de lado, e a companhia citou 87,9 milhões de barris de óleo equivalente, medida que indica a energia liberada durante a queima de um barril de petróleo, não o petróleo em si.
Para João Laudo de Camargo, conselheiro de administração do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) e sócio do escritório Bocater, Camargo, Costa e Silva, as empresas brasileiras, em geral, não apresentam uma prática agressiva de difusão de fatos relevantes. “Na maioria dos casos, não vejo uma banalização desses comunicados”, comenta. O problema está nas situações de euforia, porque é nelas que costuma surgir a tentação para o exagero. O bom senso, como sempre, é primordial, assim como devem ser as punições aos culpados. Na Alemanha, as condenações foram as verdadeiras responsáveis por criar um ambiente em que a prudência passou a falar mais alto que a empolgação.


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