O programa de governo do presidente eleito Jair Bolsonaro prevê forte redução do Estado, que hoje abocanha polpudos impostos sem devolver à sociedade serviços em quantidade e qualidade desejáveis. Mas a tarefa não será nada fácil. Na década de 1990, reformas estruturais demandaram detalhado trabalho de diagnóstico, planejamento e execução, além de imenso esforço de comunicação e articulação para garantir a aprovação das propostas. Se já foi complicado naquela época, que dirá neste momento de profunda polarização e de canais de diálogo obstruídos. O desafio é grande, mas sociedade civil precisa se engajar e discutir a governança e o tamanho do Estado que deseja ter. O caminho para o restabelecimento do diálogo passa pela identificação de interesses mútuos dos grupos que querem o bem do País.
Veja-se, como exemplo, o caso das empresas estatais federais, cuja governança é de particular importância — considerando sua magnitude em número (138) e porte (Petrobras e Eletrobras, principalmente). De forma simplificada, é possível identificar três grupos com interesses distintos. Os dois primeiros englobam a maioria da população; são defensores de boa gestão e governança de qualidade das estatais, mas divergem quanto à pertinência da privatização. Já o terceiro grupo representa uma minoria detentora de poder e habilidade de comunicação e é contrário à privatização, por ter interesse em usar as estatais para benefício próprio ou partidário (ou as duas coisas). Historicamente, a liderança do terceiro grupo fez com que a importância da boa governança fosse colocada em plano inferior. O resultado é conhecido: grande destruição de valor. As administrações de estatais, como as de Petrobras e Eletrobras, desde meados de 2016 têm feito importante trabalho de reestruturação e de melhoria de governança e gestão. A recuperação, no entanto, demandará longo tempo, diante da profundidade das cicatrizes.
Os administradores (conselheiros de administração e membros da diretoria) têm grande influência sobre a qualidade da governança das empresas; assim, a blindagem da estatais começa pela correta escolha dos seus administradores. A Lei 13.303/16 (Lei das Estatais) representa avanços no que se refere às exigências de qualificação e independência dos administradores. Obviamente, para fazerem uma boa gestão, os administradores precisam ser qualificados, conhecer e respeitar os seus deveres e responsabilidades e sua atuação precisa ser pautada pela ética.
Em julho de 2018, a sociedade brasileira foi surpreendida com a proposta da comissão especial da Câmara dos Deputados dedicada ao Projeto de Lei 6.621/16 (Lei Geral das Agências Reguladoras) de revogação do dispositivo da Lei das Estatais que trata da qualificação e da independência dos administradores. Novamente pode-se observar aquele terceiro grupo se organizando para poder se aproveitar das estatais. O monitoramento precisa ser permanente, pautado por uma discussão sobre como blindar as estatais. A resposta passa pelo engajamento da sociedade civil, dos funcionários das empresas controladas pelo governo e dos investidores institucionais.
A sociedade civil precisa se engajar, se posicionar e atuar. Os dois primeiros grupos devem se unir em torno de seus interesses comuns. A Operação Lava Jato e seus desdobramentos mostraram que a combinação de Estado grande e intervencionista com um baixo nível de governança e uma supervisão falha gera imenso prejuízo para o País.
Os funcionários das empresas estatais podem contribuir efetivamente para o aprimoramento da governança corporativa. Em dezembro de 2013, a Petrobras tinha 86,1 mil empregados. Vale refletir como foi possível um pequeno número de funcionários e administradores gerar tamanha destruição de valor. A rígida hierarquia, a obediência cega, o aparelhamento, o enfraquecimento da meritocracia e a desativação de sistemas de governança ajudam a explicar o que aconteceu com a empresa.
A Lei das Estatais exige treinamento anual dos administradores em temas relacionados a governança e gestão. É fundamental dar um passo adiante com a criação de um fórum permanente que permita compartilhamento de experiências e boas práticas “intra” e “entre” empresas estatais. O fórum funcionaria como uma rede de governança, por meio da qual experiências e histórias inspiradoras seriam compartilhadas, para formação e melhor prepraro de administradores e funcionários — que ficariam mais equipados para reagir a tentativas de uso das empresas para fins disintitos do seu objeto social.
Investidores institucionais têm dever fiduciário em relação aos seus clientes e, por isso, devem desempenhar importante papel de defesa contra interferências políticas diante do mercado de capitais, dos órgãos reguladores e fiscalizadores e da sociedade.
As estatais precisam de administradores qualificados e conscientes de seus deveres e responsabilidades e é fundamental que tenham o suporte da sociedade civil, de funcionários e dos investidores institucionais. Com engajamento e diálogo.
*Ana Siqueira, CFA ([email protected]) é sócia da Maple Consultoria
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