Digam que fico
A despeito da queda das ações e do assédio dos bancos de investimento para fechamento do capital, companhias familiares preferem ficar na bolsa
Ilustração: Marco Mancini / Grau 180

Ilustração: Marco Mancini / Grau 180

Fernando Simões, presidente da JSL, recebeu neste ano uma sugestão agressiva. Foi procurado por um fundo de investimento interessado no fechamento de capital da companhia de transporte e logística. “Fecha. Depois você abre de novo e divide a empresa em várias”, foi o que ouviu do banqueiro articulado que lhe assegurava um prêmio vantajoso na operação. A ideia não é despropositada. A JSL vai bem operacionalmente — em 2014, bateu recorde de faturamento, com receita de R$ 6,08 bilhões. No pregão, porém, as perdas são amargas. Os papéis começaram 2015 valendo R$ 12,75 e chegaram a R$ 8,41 em 14 de dezembro, prejudicados pelo naufrágio da economia brasileira. Apesar do tombo, o CEO da JSL garante que não titubeou em recusar a oferta. Para ele, a listagem da empresa em bolsa é importante para a perpetuidade do negócio, fundado pelo pai há quase seis décadas. “A companhia de capital aberto pode ser comparada a um carro com chave. Se um dia eu faltar, a família terá a chave para seguir adiante”, enfatiza Simões.

A JSL está longe de ser o caso mais complicado de companhia familiar a sofrer com a desvalorização das ações. A Rossi, uma das primeiras do setor de construção a captar recursos na bolsa, perdeu 99% do valor de mercado desde a oferta pública inicial de ações (IPO), em 1997. A Arezzo também não vive seus melhores momentos. Do início do ano até 14 de dezembro, o preço dos papéis encolheu 12%. Para Anderson Birman, fundador da varejista de calçados e atual presidente do conselho de administração da holding Arezzo&Co, é natural a saída da bolsa ser cogitada em momentos delicados. “Num período em que as ações estão em baixa, os bancos de investimento fazem constantemente essa proposta. Mas é preciso pensar no longo prazo, e não de maneira oportunista”, pondera. Assim como o CEO da JSL, Birman não pensa em fechar o capital da Arezzo.

Profissionalização

Pensar no longo prazo é algo com que Birman está acostumado desde que colocou de pé a empresa de calçados junto com o irmão Jefferson, no início da década de 1970. Essa visão estimulou a Arezzo a se profissionalizar logo cedo, para garantir a perpetuidade do negócio. A empresa passou a divulgar balanços contábeis poucos anos depois da fundação. No começo da década de 1980, contratou uma consultoria para desenhar um plano de sucessão. “A Arezzo se preparou desde o princípio para ter um comportamento corporativo, mesmo sendo de propriedade familiar”, conta Birman. Na JSL, a preocupação com boas práticas de gestão também é antiga. Era o início da década de 1980 e a empresa já contava com uma auditoria externa, incumbida de assegurar a separação do patrimônio da empresa do da família.

Na maioria das vezes, entretanto, a profissionalização é problemática. “Não é fácil a família passar de empreendedora a empresária”, observa Richard Doern, que já foi conselheiro de administração de pelo menos 12 empresas familiares e hoje é professor do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC). Um drama comum na transição, afirma, é a divisão do comando do negócio com pessoas de fora da família. Mas vencer essa barreira vale o esforço. Um estudo recente da PwC sobre empresas familiares na Alemanha revela que um número crescente delas vem contratando profissionais externos para o nível executivo. Como resultado, crescem mais rápido do que as outras.

Por aqui, a profissionalização das companhias familiares também avança. É impulsionada, entre outros fatores, pela pressão competitiva, pelos custos crescentes e pelo avanço da tecnologia, conforme mostra a sétima edição da pesquisa da PwC sobre empresas familiares, divulgada em 2014. O estudo mostra que 46% dos participantes brasileiros veem a profissionalização como um importante desafio para os próximos cinco anos. O percentual é superior ao verificado no mundo (40%) e nos Brics (42%). “O compromisso da família é relevante para o sucesso do negócio. Por outro lado, os conflitos familiares podem levar à destruição da empresa”, alerta Carlos Mendonça, sócio-líder da área de empresas familiares da PwC. Segundo a pesquisa, a profissionalização é um objetivo principalmente entre as empresas mais jovens e ambiciosas, assim como naquelas que almejam fazer uma oferta inicial de ações. Das empresas brasileiras ouvidas, 16% planejam vender ou abrir o capital, ante 7% da pesquisa anterior.

Melhor aberta

A JSL se listou no Novo Mercado da BM&FBovespa em 2010. Mais do que fortalecer o caixa, o IPO teve os objetivos de diferenciar a companhia dos concorrentes e de aumentar a credibilidade perante os clientes. Entre os benefícios que Simões afirma ter colhido com a presença da JSL em bolsa está a compra da empresa de locação de veículos Movida, em 2013, por R$ 65 milhões. “Essa capacidade de investimento você só consegue com uma companhia de capital aberto”, avalia.

Para Anderson Birman, a atração e a retenção de bons profissionais estão entre as principais vantagens da abertura de capital. “A companhia aberta oferece planos de opções e uma série de recursos meritocráticos que uma empresa familiar de capital fechado não costuma ter. Isso atrai profissionais mais bem preparados”, opina. Ao mesmo tempo, prestar contas ao mercado exige respostas rápidas sobre questões que facilmente poderiam ser jogadas para debaixo do tapete em uma empresa familiar fechada.

De outro lado, a pressão dos investidores por resultados, por vezes com horizonte de curto prazo, inibe muitos empresários a ingressar na bolsa. Mas essa não foi — e não é — a visão de Birman. “O investidor só pressiona pelos resultados que a administração prometeu”, diz. E se o que foi prometido vem sendo cumprido, não é o tombo das ações que deve levar uma companhia a deixar o pregão, pensam esses empresários. Neste momento, o que vale é olhar o longo prazo. As empresas familiares, mais do que outras, sabem a importância disso.


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