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Conforme as regras
Implementar sistema sólido de compliance é um exemplo concreto de responsabilidade corporativa

Uma expressão aparentemente complicada, mas que representa algo bastante simples na essência, tomou corpo nos últimos anos: o compliance. Trata–se, basicamente, da conformidade da organização a normas externas e internas, tais como leis, regulamentações e políticas corporativas. Naturalmente, o tema é fundamental para assegurar a boa governança, já que seguir regras é tão importante quanto tomar decisões no melhor interesse de longo prazo do negócio.

O compliance ganhou maior relevância com o advento da Lei Sarbanes–Oxley nos Estados Unidos, em 2002, quando várias empresas globais passaram a criar áreas e procedimentos para garantir o cumprimento dos requisitos da legislação. Com o tempo, muitas outras regulamentações nacionais e internacionais — relativas a assuntos como corrupção, lavagem de dinheiro, insider trading, meio ambiente, impostos, etc. — começaram a exigir programas específicos para essa finalidade.

Um caso emblemático ilustra a importância do compliance para a diminuição do risco de surpresas desagradáveis, as quais acarretam, além das multas aplicadas por reguladores, deterioração da imagem corporativa e destruição de valor para os investidores. Em 2008, a alemã Siemens — que tem American depositary receipts (ADRs) negociados na Bolsa de Nova York — foi acionada pela Justiça norte–americana por infringir a lei contra corrupção de agentes governamentais estrangeiros (FCPA, na sigla em inglês). Segundo os promotores, a companhia obtinha contratos públicos em países emergentes por meio do pagamento de propinas, financiadas por fundos fantasmas não contabilizados em seu balanço. Estima–se que, entre 2001 e 2008, a Siemens desembolsou cerca de US$ 1,4 bilhão para ganhar contratos ilegalmente.

No fim, as multas pagas pela Siemens aos reguladores norte–americano e alemão somaram US$ 1,6 bilhão. A empresa também se comprometeu a promover mudanças estruturais, dentre elas a substituição de todos os seus executivos–chave (incluindo o CEO); a realizar investigações internas de maneira independente; e a criar um programa amplo de compliance, totalizando cerca de US$ 1 bilhão adicional em custos associados diretamente ao escândalo. O que era mau exemplo se tornou referência de qualidade. Hoje, a companhia possui cerca de 600 funcionários dedicados em tempo integral ao compliance, subordinados a um chief compliance officer. Um programa baseado no tripé prevenir–detectar–solucionar foi implementado, abarcando desde atividades educacionais contínuas até mecanismos de investigação de suspeitas de delitos. Métricas relativas ao compliance foram incluídas na política de remuneração variável dos principais executivos. E, mais importante que tudo, o assunto tornou–se foco central do novo CEO.

Aos que levantam a mera questão do custo versus benefício (independentemente dos aspectos de ordem ética, que deveriam prevalecer sempre), uma pesquisa de 2005 mostrou que, para cada US$ 1 bilhão faturado, as empresas tendem a gastar um valor expressivo em ações de compliance: US$ 6 milhões. Porém, bem mais elevado ainda foi o custo de cada falha relevante de conformidade, uma média estimada em torno de US$ 81 milhões, sem considerar os danos bilionários de casos extremos como os de BP, Societé Générale, Sadia, Aracruz e Panamericano, que podem levar empresas à bancarrota.

Apesar da utilidade do compliance, ele é pouco lembrado até o momento nos debates sobre governança corporativa no País. A expressão nem sequer aparece no código do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), referência nacional sobre o assunto. Também são raras as empresas não financeiras com processos estruturados de compliance — as instituições financeiras tendem a ser mais cuidadosas em função de exigências do Banco Central.

Às companhias interessadas em avançar na área de compliance, destacam–se dez etapas para a adoção de práticas efetivas:

1.Identificação dos principais regramentos externos aplicáveis e elaboração de normas internas — em linguagem simples e customizada à realidade da organização —, com descrição clara do comportamento esperado dos executivos e de possíveis punições;

2.Estruturação da área de compliance: definição do executivo responsável; composição, funcionamento e atribuições do comitê de compliance; formas de prestação de contas ao CEO e ao conselho de administração; alocação de recursos humanos, financeiros e tecnológicos, etc.;

3.Avaliação das ameaças: identificação das áreas, pessoas e unidades sujeitas a riscos mais relevantes de não conformidade, levando–se em conta a probabilidade de suas ocorrências e os seus impactos para a organização;

4.Implementação de ações de conscientização e comunicação: treinamento dos executivos de forma a assegurar o entendimento sobre o conjunto de regras vigentes, sua relevância para o sucesso de longo prazo da organização e sua relação com os valores da companhia;

5.Criação de canal de denúncias por meio do qual se possam relatar violações de funcionários e outros stakeholders, com sigilo e proteção dos denunciantes bem como investigações independentes das denúncias;

6.Criação de ouvidoria para recebimento de críticas e sugestões dos clientes;

7.Monitoramento periódico das práticas adotadas por meio de auditorias de compliance e due diligence independentes;

8.Registro e armazenamento de toda documentação referente aos esforços de compliance empreendidos (treinamentos, reuniões de comitês, denúncias, investigações e auditorias internas, punições aplicadas, etc.). Isso implica também o gerenciamento de todos os documentos em um repositório central automatizado, com rápida atualização e envio de dados em caso de emissão de novas normas, políticas ou regulamentos;

9.Incorporação de questões relativas à matéria na política de remuneração dos administradores (por exemplo, fator de desconto) e na avaliação de desempenho;

10.Criação de medidas objetivas que permitam o monitoramento e o aprimoramento contínuo do programa pela diretoria e o conselho de administração.

Esses esforços nada valem, porém, se as empresas interpretarem o compliance como algo técnico, convertendo–o num conjunto de regramentos frios e distantes do dia a dia, a serem mantidos sob cuidado de escalões inferiores. A chave para o sucesso, na verdade, é implantar uma cultura de confiança e integridade com o engajamento da alta gestão, notadamente do diretor–presidente. Cabe aos principais executivos enviar mensagens diretas e claras sobre a importância do compliance, de forma que se entenda o cumprimento das políticas como parte integrante do negócio. Se os funcionários observarem esse comportamento na hierarquia, compreenderão que a necessidade de seguir as regras é real.

Outro ponto essencial é a formação de uma cultura de responsabilização pelas decisões tomadas. A conformidade da companhia com as regras precisa ser vista como dever de cada um, e não da área de compliance, a qual serve basicamente para proporcionar orientação sobre o tema e levar adiante essa agenda na organização.

O papel do conselho de administração em todo esse processo é fundamental, já que ele é o responsável em última instância pelo cumprimento das leis e demais normas. Entre outras tarefas, o conselho deve aprovar e revisar todas as políticas corporativas relativas ao compliance, interagir diretamente e periodicamente com o chief compliance officer, e monitorar o cumprimento do programa.

Apesar de constituir um grande desafio, a construção de um sistema eficaz de compliance deve ser vista como uma oportunidade da organização de estabelecer um padrão de excelência operacional e promover seus valores. Diferentemente de várias ações de marketing social, vazias em substância e tão frequentes atualmente, é a estruturação de um programa de compliance efetivo que represente uma evidência do exercício da responsabilidade corporativa. Se as empresas seguirem as regras de verdade, haverá um desincentivo a infrações (evasão fiscal, corrupção e lavagem de dinheiro, por exemplo) e, consequentemente, um fomento a uma sociedade mais justa e desenvolvida.


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