Comunicação capenga
Empresas de mercados emergentes falham na disponibilização de informações ESG
Mike Lubrano*

Mike Lubrano*

Não é segredo que os investidores institucionais globais estão integrando, cada vez mais, a análise de fatores socioambientais e de governança corporativa (ESG, na sigla em inglês) a suas decisões de investimento. Isso reflete um consenso crescente em torno da ideia de que a incorporação de métricas de sustentabilidade em análises de investimento produz melhores resultados no longo prazo. Dado o ambiente geralmente menos rigoroso dos mercados emergentes em comparação com as economias mais avançadas (ou, pelo menos, com histórico mais fraco de aplicação das regras), as empresas desses países apresentam desafios especiais quando se trata da comunicação de dados de ESG. Com a exceção das maiores empresas e daquelas que atuam em setores particularmente sensíveis, a disponibilização de informações de ESG completas e em tempo hábil ainda é falha nos mercados emergentes, o que deixa os investidores especialmente sedentos por dados de boa qualidade a respeito das práticas de ESG e sustentabilidade.

A natureza incompleta da comunicação das pequenas e médias empresas (PMEs) nesses países é evidenciada pelas inconsistências — muitas vezes dramáticas — entre os ratings atribuídos a uma mesma empresa pelas várias prestadoras de serviços de pesquisa e levantamento de informações de ESG, que coletam os seus dados de diversas formas e adotam diferentes pesos para determinados indicadores. Essa conjuntura certamente contribui para uma maior percepção de risco entre os investidores e um aumento do custo de capital para as empresas. Por que então esse padrão persiste?

Descompasso

Na qualidade de investidores em mercados emergentes com estratégia de participação ativa, focando principalmente em empresas de médio porte, frequentemente percebemos que as empresas da nossa carteira adotam práticas de ESG muito mais avançadas do que aparentariam ser se tomássemos como base os seus relatórios anuais e outras publicações. Na verdade, percebemos que é comum essas empresas contratarem especialistas competentes para identificar, medir e lidar com o risco socioambiental por meio da adoção de melhores práticas. Elas também têm, muitas vezes, uma compreensão aprofundada da importância da governança corporativa e da necessidade de que ela evolua em paralelo ao desenvolvimento da companhia. No entanto, as pessoas que trabalham com ESG nessas empresas, bem como os diretores e conselheiros que as supervisionam, frequentemente ignoram uma parte essencial da audiência das suas comunicações sobre estratégia e andamento de práticas de ESG — a comunidade de investidores.

A maioria dos especialistas da casa ligados às questões socioambientais tem muita experiência técnica, regulatória ou de atuação em ONGs, mas pouca vivência em mercado de capitais. Assim, pode não ser surpreendente que muitos especialistas dessas PMEs se dediquem completamente ao relacionamento com membros da audiência tradicional de ESG — órgãos ambientais, ministérios do trabalho, outros reguladores, clientes e fornecedores, sindicatos, grupos de defesa dos direitos humanos e ONGs locais. Particularmente entre as empresas recém-listadas, até mesmo os conselheiros e a alta administração podem pensar que os principais interessados em suas políticas e práticas socioambientais são os xerifes do mercado e stakeholders não financeiros. Quanto à governança corporativa, eles podem acreditar que basta simplesmente informar se a empresa cumpre os requisitos básicos de independência e comitês estabelecidos nos códigos obrigatórios e facultativos do país. Muitas vezes, eles não conhecem estruturas e padrões de divulgação integrada, como os da Global Reporting Initiative (GRI) e da Sustainability Accounting Standards Board (Sasb), que fornecem modelos para a comunicação de informações essenciais de ESG para investidores.

Indiferença?

Mesmo os grandes investidores institucionais globais que dão enorme importância ao ESG carecem de recursos para conversar com PMEs em mercados emergentes, e, por isso, os administradores dessas PMEs podem interpretar a falta de comunicação direta como indicação de indiferença. Como resultado disso, suas empresas não recebem o devido crédito pela sustentabilidade de seus modelos de negócios — uma oportunidade perdida de reduzir a percepção de risco e aumentar o valor de mercado.

Um exemplo simples de empresa de mercado emergente que entendeu claramente e gerenciou de forma adequada seus riscos socioambientais, mas falhou ao comunicar isso a seus investidores, é a Eicher Motors, uma fabricante indiana de motocicletas e veículos comerciais que controlamos desde 2013. A Eicher renovava regularmente as certificações ISO de seus sistemas de qualidade e repassava essas informações para a sua cadeia de suprimentos — a única audiência relevante para isso, segundo os administradores da empresa. Mesmo assim, a Eicher Motors foi repreendida por um serviço de rating de ESG por não manter essas certificações, já que não havia nenhuma informação sobre as renovações nas publicações da empresa. Assim como em outras PMEs de países emergentes, os administradores simplesmente não perceberam que a audiência de investidores da empresa consideraria importantes essas informações em seus processos de investimento.

Então quais são as soluções? Um grande passo seria as empresas dos mercados emergentes estabelecerem responsabilidades claras de elaboração e articulação de estratégias de ESG e sustentabilidade entre os conselheiros e a alta administração. Elas devem também coordenar as estratégias e a execução de ações de sustentabilidade em todos os níveis da empresa, com participação ativa das equipes das diretorias financeira e de relações com investidores (RI). A maioria das PMEs de países emergentes não pode ficar esperando os investidores falarem quais informações eles consideram importantes. Em vez disso, os administradores dessas companhias precisam orientar suas equipes de RI a serem proativas e consultarem analistas e investidores, para melhor compreender as expectativas do mercado de capitais quanto a práticas e transparência em ESG. Além disso, na nossa visão, é necessário desenhar uma trajetória e um cronograma de comunicação integrada.

As empresas de mercados emergentes que não reconhecem que os investidores não só fazem parte da audiência de ESG, como estão sentados na primeira fileira, continuarão a sofrer com uma excessiva percepção de risco e um maior custo de capital. Aquelas que reconhecem essa realidade — especialmente as que se comunicam proativamente com os investidores para entender o que essa audiência quer — serão recompensadas não apenas com aplausos bem educados, mas com os benefícios financeiros concretos de uma avaliação de mercado mais polpuda.


*Mike Lubrano é cofundador e diretor-executivo de Governança Corporativa e Sustentabilidade da Cartica Management, LLC


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