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Cartas marcadas
Diversos países adotaram política de cotas para mulheres no conselho, mas elas continuam minoria. No Brasil, 93% dos conselheiros ainda são homens

, Cartas marcadas, Capital AbertoDesde julho de 2013, o conselho de administração da Arezzo está mais jovem e mais feminino. Dos dez membros, três são mulheres: Carolina Valle de Andrade Faria, 34 anos, ex-gerente de marketing da Reckitt Benckiser, da Colgate-Palmolive e da Ambev; Juliana Rozenbaum, 36, ex-analista do Itaú BBA, com 13 anos de experiência na cobertura de companhias de varejo em diversas instituições financeiras; e Elisa de Pinho Soares, 45, ex-diretora financeira e de relações com investidores na ViaVarejo. O trio foi contratado por incentivo de Anderson Birman, chairman e fundador da fabricante de calçados: “Não dá mais para pensar em diferenças de sexo ou raça. Como o nosso negócio é essencialmente voltado para as mulheres, eu sentia falta das vozes delas no conselho”, afirmou o empresário. Essa dosagem de feminilidade nos boards, contudo, é uma raridade, e não só no Brasil. Segundo o recente estudo Women on boards, feito pela consultoria GMI Ratings com 4 mil companhias de 45 países, apenas 13% delas têm três conselheiras — número bem menor que o de empresas com uma conselheira (62,5%).

Conforme o Anuário de Governança Corporativa das Companhias Abertas de 2013, publicado pela CAPITAL ABERTO, pelo menos 13 das 100 companhias com as ações mais líquidas da bolsa têm uma mulher no conselho: Light, Raia Drogasil, Marcopolo, Marfrig, Lojas Americanas, Ultrapar, Sabesp, AES Tietê, TIM, Kroton, Arteris, Pão de Açúcar e CPFL. Nas duas últimas empresas, a escolhida foi Maria Helena Santana, ex-presidente da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). O Santander conta com Viviane Senna Lalli, presidente do Instituto Ayrton Senna, como conselheira desde 2012, e este ano elegeu mais uma: Marília Artimonte Rocca, sócia-diretora da Mãe Terra e da Fibraxx, empresas do setor de produtos naturais e orgânicos. “O aumento da presença de mulheres vai acontecer naturalmente, à medida que as empresas busquem conselheiros de formação mais abrangente”, avalia Celso Ienaga, sócio-diretor da consultoria Dextron.

Apostar na diversidade de gênero pode valer a pena. Um estudo publicado no ano passado pelo Credit Suisse mostra que empresas com ao menos uma conselheira tiveram desempenho 26% superior no mercado de ações entre 2006 e 2012 do que aquelas cujo board é inteiramente masculino. Apesar disso, dados coletados pelo Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) nos formulários de referência de 2013 revelam que 92,8% dos conselheiros de administração das companhias abertas do País são homens. A proporção é semelhante nos conselhos fiscais.

Na percepção da presidente do board do IBGC, Sandra Guerra, os números são “assustadores”, ainda mais quando comparados à expressiva quantidade de profissionais capacitadas no mercado de trabalho. No Brasil, as mulheres com ensino superior completo que têm entre 40 e 69 anos — faixa etária da maior parte dos conselheiros — correspondem a 54% da população economicamente ativa, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

No mundo, o clube do bolinha também é forte. O mesmo levantamento da GMI mostra que apenas 11% dos assentos dos boards das maiores e mais conhecidas empresas do mundo são ocupados por mulheres. Isso representa um aumento de meio ponto percentual em relação a dezembro de 2011 e de somente 1,7% desde 2009.

A consultoria também computou a presença feminina nos conselhos das companhias brasileiras. Em comparação ao estudo do IBGC, entretanto, analisou uma amostra menor, composta de 80 empresas com valor de mercado acima de US$ 1 bilhão. Nesse grupo, concluiu que apenas 5% dos integrantes dos conselhos são mulheres, percentual abaixo da média dos mercados emergentes, de 7,4%. A diferença entre os resultados da GMI e do IBGC, segundo a consultoria, dá a entender que, no Brasil, as empresas menores são mais propensas a ter conselheiras — o oposto do padrão visto em países mais desenvolvidos, onde as grandes companhias lideram os movimentos de diversidade.

, Cartas marcadas, Capital AbertoLugar reservado
O cenário descrito aqui revela quão árduo tem sido introduzir a diversidade de gênero no conselho de administração. Desde os anos 2000, quando grandes empresas americanas como Enron e Worldcom se envolveram em fraudes contábeis, o mercado discute como tornar o board mais diligente e efetivo. Nesse sentido, a inclusão de mulheres é apontada como benéfica. Estudos mostram que as conselheiras levam mais a sério as tarefas de monitoramento e faltam menos às reuniões do que seus pares do sexo masculino.

Porém, diante da dificuldade de conter a supremacia masculina, alguns países adotaram medidas enérgicas, como criar leis com reserva de cotas para as conselheiras. O primeiro a fazer isso foi Israel, em 1993. Depois, vieram outras nações, como África do Sul, Irlanda, Noruega, Finlândia, Islândia, Suíça, Dinamarca, Áustria, Eslovênia, Quênia, Bélgica, Espanha e França. As cotas requerem de 30% a 40% das vagas para mulheres.

Foram os resultados obtidos na Noruega, contudo, que impulsionaram a proliferação da ideia. Em vigor desde 2004, o sistema de cotas foi inicialmente implantado nas estatais norueguesas e, dois anos depois, estendido para companhias privadas de capital aberto. Como resultado, o percentual de conselheiras nas empresas contempladas saltou de 6,8%, em 2002, para 40,3%, em 2010. Apesar de notável, o avanço é visto com ressalvas. Um estudo publicado há dois anos por professores da Universidade de Michigan apontava a formação de conselhos menos experientes como um dos efeitos colaterais da medida.

Turid Solvang, diretora do Instituto Norueguês de Conselheiros, rebate a crítica: “Se você julga que, para ser considerada experiente, a conselheira deve ter atuado como CEO numa empresa grande, então, realmente, há poucas mulheres com esse perfil. Mas aquelas que assumiram vagas nos boards são, em geral, mais novas, mais bem educadas e provenientes da média gestão das companhias. Portanto, agregam outro tipo de experiência”.

A Comissão Europeia deve seguir o exemplo nórdico. Em novembro de 2012, propôs um projeto de lei que, se aprovado, obrigará as companhias abertas com 250 ou mais funcionários a destinar 40% das vagas do conselho ao público feminino. As empresas privadas terão até 2020 para cumprir o percentual; as estatais, até 2018.

No Brasil, a reserva de vagas não está fora de cogitação. De autoria da senadora Maria do Carmo do Nascimento Alves (DEM-SE), o Projeto de Lei 112/2010, em tramitação no Senado Federal, estabelece que os conselhos de administração das empresas públicas, sociedades de economia mista e demais companhias controladas pela União tenham, no mínimo, 40% de mulheres em sua composição até 2022. Para que o percentual seja atingido, são previstas metas progressivas: 10% até 2016, 20% até 2018 e 30% até 2020.

A redação do projeto atribui a predominância masculina nos boards à diferença de oportunidades entre os sexos. O argumento é que esse desequilíbrio aparta as mulheres de participar de decisões estratégicas sobre a alocação dos recursos produzidos com o esforço de toda a sociedade. “A ascensão de mulheres aos conselhos de administração está estagnada no Brasil. Apesar de severas, as cotas são eficientes e vão trazer uma geração de profissionais competentes para os conselhos”, prevê a advogada Maria Luiza Bueno, autora do blog Mulheres nos Conselhos de Administração.

, Cartas marcadas, Capital AbertoApesar de apoiar a diversidade de gênero, o IBGC é contra o sistema de cotas, em razão de seus potenciais efeitos adversos. Em carta opinião divulgada em outubro, o instituto argumentou que a concentração excessiva de vagas de diversos conselhos em poucas profissionais pode sobrecarregá-las e comprometer o seu desempenho. Além disso, alertou que, no caso de haver uma normatização, seria fundamental especificar que as cotas referem-se aos cargos de conselheiro titular. Caso contrário, há o risco de as mulheres serem nomeadas apenas para posições de suplência.

Maria Luiza vê ainda outro risco no projeto de lei. Para ela, a falta de punição para quem descumprir a lei pode torná-la apenas um “constrangimento” para as mulheres. Por isso, ela propõe que, enquanto as empresas não atingirem o percentual mínimo de conselheiras, não possam eleger homens para a função. Mundo afora observam-se, em alguns casos, punições radicais. De acordo com a GMI, as companhias italianas que não atendem à política de cotas são, em princípio, multadas. No entanto, se a infração continuar, os conselheiros podem perder seu cargo. Na Noruega, a violação persistente da regra pode levar até mesmo à dissolução da empresa.
Na França, os integrantes de boards sem o mínimo de conselheiras exigido por lei podem ter seus honorários cortados.

Diretora do GMI, Kimberly Gladman acredita que, sem as políticas de cotas, será difícil o sexo feminino ganhar espaço nos boards. “Há muitos estudos sobre como a diversidade de gênero é boa para o processo decisório das companhias. Mas estudos não provocam mudanças”, alerta. Para a socióloga Clara Araújo, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), a reserva de vagas é uma medida extrema para consertar problemas de desigualdade de oportunidades. Ela estudou o resultado da lei de cotas de gênero nos partidos políticos, criada há 15 anos. Sua conclusão: a mudança legal não foi capaz de alterar significativamente os quadros políticos nacionais, porque não veio acompanhada de outras ações afirmativas, que solucionassem, por exemplo, a falta de acesso das mulheres ao financiamento de campanha privado. “As cotas não são uma panaceia; elas precisam de outras políticas que garantam sua aplicação”, observa. Apesar dos resultados, a socióloga considera a reserva de vagas necessária. “As mulheres foram proibidas de entrar na política por muitos anos, o que gerou uma rede de relacionamentos muito masculina nessa área”.

A verdade, segundo Kimberly, é que as pessoas não querem mudar, e a razão é simples: “Para que mais mulheres entrem nos conselhos, homens têm de sair”. Os resultados das experiências de quem ousa subverter essa lógica — como a Arezzo, no Brasil — mostrarão se a troca vale ou não a pena.


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