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Ultrapassado?
Baseado em cortes de custos e aquisições, modelo de gestão da 3G suscita dúvidas sobre sua sustentabilidade
Ilustração: Marco Mancini / Grau 180

Ilustração: Marco Mancini / Grau 180

A 3G Capital é protagonista de uma das mais arrojadas histórias de sucesso capitaneadas por brasileiros no mundo empresarial. Em cinco anos, os fundadores da empresa de private equity — Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles, Carlos Alberto Sicupira, Roberto Thompson e Alex Behring — entraram para o clube dos donos das maiores companhias de restaurantes e alimentos do mundo. Eles são sócios da Kraft Heinz Company e da Restaurant Brands International, que opera o Burger King e a rede de restaurantes canadense Tim Hortons. Por ocasião da união entre a Kraft e a Heinz, em março do ano passado, a revista americana Fortune tentou sintetizar para os leitores o que acontece quando a 3G Capital compra uma companhia: “Demissões em massa, orçamentos menores, novos níveis de austeridade e mudanças culturais. E, então, para os acionistas, lucro”.

Dado o resultado dessa equação, não é raro encontrar investidores felizes por aplicar seu dinheiro em negócios com a participação da 3G. Até o megainvestidor americano Warren Buffett se rendeu aos predicados do grupo. Presidente e fundador da holding de investimentos Berkshire Hathaway, Buffett se tornou sócio da 3G na compra da H.J. Heinz em 2013. Dois anos depois, a companhia se fundiu com a Kraft Foods, dando origem à quinta maior companhia de alimentos e bebidas do mundo. A sociedade entre o megainvestidor e a 3G, entretanto, não passou incólume às críticas. Muitos não entenderam por que o carismático empresário de Omaha, conhecido por evitar cortes desnecessários de pessoal e por dar liberdade aos gestores das companhias de que participa, decidiu se associar a investidores com filosofia de gestão tão diferente. Só na Heinz a chegada da 3G provocou 1,5 mil demissões. Além disso, menos de uma quinzena depois de efetivamente assumir o negócio, o grupo de private equity dispensou 11 dos 12 principais executivos da companhia. Para substituí-los, a 3G convidou profissionais mais jovens da própria Heinz ou de empresas que já controlou, como a América Latina Logística (ALL). Em paralelo, empunhou a faca: vendeu o jato da antiga diretoria, estabeleceu como padrão hotéis de baixo custo para executivos em viagens e limitou até o número de cartões de visita dos diretores a uma centena por ano.

Nas assembleias anuais da Berkshire Hathaway de 2015 e 2016, alguns acionistas cobraram de Buffett explicações sobre a postura da 3G. Em resposta aos questionamentos, o empresário defendeu seus sócios. Ele afirmou que o método de gestão da 3G, “extraordinariamente bem-sucedido”, consiste na compra de companhias nas quais é possível “eliminar custos desnecessários”. Ao “imediatamente eliminá-los”, continuou, a gestora impulsiona a produtividade, “fator mais importante no crescimento econômico da América nos últimos 240 anos”. Sem aumento de produtividade, ressalta Buffett, a economia fica estagnada.

Gestor de fundos de private equity e sócio da Jardim Botânico Investimentos, Peter Jancso não vê problemas no modelo de atuação idealizado pelos sócios da 3G. “Eles se especializaram em investir em empresas com marcas fortes, de mercados grandes e que passam por uma fase de estagnação. A ideia é promover mudanças que as tornem mais eficientes”, diz Jancso. O modelo foi aplicado, ele recorda, na Anheuser-Busch, dona da Budweiser. Quando foi comprada em 2008 pela InBev — empresa formada em 2004 pela fusão da brasileira Ambev, controlada pelo trio Lemann, Telles e Sicupira, com a belga Interbrew —, a fabricante de cervejas estava na sexta geração de acionistas. A Anheuser-Busch tinha escritórios luxuosos, além de aviões e helicópteros para transportar executivos. “Era uma companhia controlada por gente aparentemente mais interessada no status da posição que ocupava do que em gerar rentabilidade”, avalia Jancso. “Foi corte de custo ou de gordura?”, pondera o sócio da Jardim Botânico.

Valores

A lâmina afiada da 3G, porém, não é bem vista por todos. Na opinião de Alexandre Di Miceli, professor, consultor e autor de livros sobre governança corporativa, o modelo de atuação da gestora, baseado em cortes e aquisições, não é sustentável. “De tempos em tempos, as empresas investidas pela 3G precisam voltar ao mercado e comprar outra companhia para crescer, porque têm dificuldade para gerar valor no longo prazo”, afirma.

Segundo a consultoria McKinsey, a concentração na rentabilidade de curto prazo pode prejudicar a saúde das marcas no futuro

A percepção de Di Miceli é referendada por reportagem publicada em agosto do ano passado por The Wall Street Journal. Nela, o periódico apresenta os resultados de uma análise que fez do desempenho das empresas administradas pela 3G. Em geral, afirma a publicação, as margens de lucro cresceram rapidamente. Mas, em contrapartida, as vendas caíram — as exceções são os casos em que uma nova aquisição foi feita. Na Heinz, por exemplo, 65% das categorias de alimentos oferecidas pela empresa perderam participação de mercado, contra uma fatia de 20% em que houve ganhos, segundo relatório produzido pela McKinsey&Co. Por isso, embora admita que a 3G tenha capacidade para criar “tremendo valor operacional”, a consultoria alerta que sua “concentração na rentabilidade de curto prazo e nos fluxos de caixa representa um risco para a saúde das marcas, particularmente no que diz respeito ao crescimento futuro”.

O ceticismo com o modelo do grupo é compartilhado pelo analista do setor de alimentos David Turner, citado na reportagem do The Wall Street Journal. Segundo ele, a 3G não fez nada de revolucionário ou inovador que tenha dado certo desde que assumiu a Heinz, em 2013. Diante do desânimo com o market share da companhia de alimentos, nos últimos meses vêm crescendo os boatos de que a Kraft Heinz Food pode comprar a americana General Mills, dona de marcas como Häagen-Dazs e Nature Valley. Procurada pela capital aberto, a 3G não concedeu entrevista.

Meritocracia impiedosa

Apesar das evidências, é raro encontrar quem abertamente critique o modus operandi da 3G. Di Miceli admite que é difícil convencer quem quer que seja sobre a fragilidade do modelo, já que, no curto prazo, os resultados produzidos pela firma de private equity são positivos. No primeiro trimestre de 2016, por exemplo, a Restaurant Brands International teve lucro líquido de US$ 168,3 milhões, 323,6% acima do resultado de igual período de 2015. O lucro por ação subiu de US$ 0,16 para US$ 0,30. De forma semelhante, de janeiro a março, a Kraft Heinz registrou lucro de US$ 0,73 por ação, acima dos US$ 0,61 estimados por analistas.

Di Miceli também é bastante crítico em relação à meritocracia impiedosa estimulada pelos gestores da 3G. Ela fica evidente, segundo ele, na Ambev, controlada pelos mentores Lemann, Telles e Sicupira. A companhia de bebidas sempre foi conhecida por exigir o máximo de seus funcionários. Em 2000, foi protagonista de uma reportagem intitulada “No limite”, escrita por Cristiane Correa para a Exame. A jornalista também é autora do livro Sonho Grande, que relata como o trio ergueu, em pouco mais de quatro décadas, o maior império da história do capitalismo brasileiro. No texto para a revista, Cristiane contava uma série de histórias que ilustram a rotina intensa de trabalho na Ambev. A cobrança por resultados também é clara. De acordo com um ex-funcionário, na Ambev não há quem tenha ficado três ou quatro anos sem receber bônus. Como num reality show, os mais fracos são expelidos.

Essa combinação, avalia Di Miceli, alimenta os principais indutores da cegueira ética: motivação excessiva por dinheiro, darwinismo como modelo de ascensão profissional e metas inalcançáveis. “Quando não dá para cortar custos, a tentação de se criar números é maior. O sistema induz a isso”, observa. “Esse modelo é basicamente aquele que os gestores da 3G Capital aprenderam com o Goldman Sachs, nos anos 1980. É incrível que ele ainda seja aplicado no século 21.”

Embora a meritocracia draconiana ainda não tenha se tornado um inibidor para a companhia atrair talentos — todos os anos, milhares de jovens se candidatam ao programa de trainee da Ambev, com salário inicial de cerca de R$ 5,5 mil —, o apelo de organizações que operam dessa forma entre as novas gerações tende a ser menor. Pesquisas realizadas por consultorias internacionais como a Deloitte mostram que, atualmente, os profissionais mais jovens buscam no trabalho, em primeiro lugar, um propósito além do lucro. Em seguida, eles almejam um melhor equilíbrio entre trabalho e vida pessoal. Porém, dado o nível de cobrança nas empresas lideradas por Lemann, Telles e Sicupira, é possível que um millenial que assuma um posto de comando em uma delas tenha que se contentar com pouquíssimo tempo fora do escritório.

Na contramão?

Não é o só o modelo de trabalho imposto pela 3G que parece contrariar as prioridades das novas gerações. Algumas decisões do grupo também vão na direção oposta das tendências atuais de consumo. Em um de seus mais recentes movimentos, no início do ano, a 3G surpreendeu o mercado ao anunciar que está posicionando a rede Burger King na contramão do movimento por uma alimentação mais saudável, já seguido por rivais como o McDonald’s. A rede cortou do cardápio itens como batatas com menos gordura e sucos saudáveis e incluiu velhos sucessos cheios de calorias, como as tiras de frango frito. A simplificação garantiu agilidade ao atendimento das lojas, facilitou as operações de compra e logística e permitiu que o Burger King reassumisse a identidade fast food, deixada para trás nos últimos anos.

De acordo com Paulo Branco, vice-coordenador do Centro de Estudos em Sustentabilidade da FGV (GVCes), mudanças na postura dos consumidores poderão tornar, no médio e no longo prazo, obsoletas e arriscadas as estratégias de atuação de algumas indústrias. No setor de cosméticos, por exemplo, é crescente a pressão pelo abandono do óleo de palma na fabricação de produtos. As empresas que usam essa matéria-prima correm o risco de se verem envolvidas em escândalos internacionais relacionados à derrubada de matas nativas. Já na indústria de alimentos, na qual a 3G atua, o pleito é pela regulamentação da quantidade de sódio e gordura nos alimentos, observa o professor.

Também impacta a indústria de alimentos a preocupação de consumidores e até mesmo de investidores com o bem-estar dos animais destinados ao abate. Tanto que, recentemente, a rede de fast food Subway lançou nos Estados Unidos um sanduíche com carne de frangos criados sem antibióticos. Outras grandes redes, como o McDonald’s, a Domino’s Pizza e a própria Restaurant Brands International, da 3G, receberam neste ano uma carta assinada por instituições do mercado financeiro, como a Aviva Investors, solicitando a eliminação do uso de antibióticos em suas cadeias de suprimentos. Em um movimento similar ao que levou aos desinvestimentos em combustíveis fósseis, iniciativas como a Farm Animal Investment Risk&Return fazem campanha pelo fim do modelo industrial de produção no agronegócio.

O ativismo mostra a preocupação dos investidores em não mais apoiar companhias que causem impactos negativos ao meio ambiente e à sociedade. O fundo soberano da Noruega, com US$ 860 bilhões em ativos sob gestão, por exemplo, está se desfazendo de investimentos em empresas de armas, fumo, mineração de carvão e ouro. Mesmo a família Rockfeller, conhecida por fazer fortuna com petróleo, já anunciou que está descarbonizando seus investimentos e aportando recursos em energias renováveis.

Adaptação

Apesar das críticas, as chances de a 3G e suas empresas serem atropeladas pelas novas tendências ainda são remotas aos olhos dos analistas. O número de profissionais que recomendam a compra de ações da Kraft Heinz na Nasdaq, por exemplo, supera de longe a quantidade dos que apostam contra, e aumenta desde a fusão entre as companhias no ano passado. Entre os que recomendam a aquisição de papéis da empresa, estão instituições como J.P.Morgan, Barclays e Deutsche Bank.

Para Priscila Claro, professora e coordenadora de responsabilidade social do Insper, quando o assunto é capitalismo consciente, é preciso diferenciar empresas que já nasceram dentro dessa perspectiva e as tradicionais, como a 3G Capital, que tem o desafio de se adaptar aos novos tempos. Segundo ela, apesar do foco na austeridade, as empresas comandadas pelo grupo ou apenas pelo trio controlador da Ambev não deixam de investir em programas ambientais e sociais. Um exemplo emblemático é o projeto Cyan, de preservação e recuperação de bacias hidrográficas, patrocinado pela Ambev no Brasil. Outro é Viva o Campinho, de incentivo à prática do futebol por meio da organização de campeonatos amadores.

Priscila pondera ainda que, apesar de a alimentação saudável estar ganhando força, há uma massa enorme de pessoas atrás de proteína e sabor. “Enquanto houver consumidores buscando esses produtos, vai haver gente produzindo. E algum investidor vai bancar essa produção”, observa. Além disso, não se pode dizer que investimentos feitos pelos principais fundadores da 3G sejam totalmente incompatíveis com o anseio do consumidor por ingerir produtos mais saudáveis. Em abril deste ano, a Ambev anunciou a compra da fabricante do suco Do Bem, cuja proposta é vender sucos sem conservantes ou açúcar. A bebida vai reforçar o portfólio de marcas da divisão de não alcoólicos da companhia para atender a um público que, em tese, difere significativamente daquele que frequenta as lanchonetes do Burger King.

Segundo Jancso, da Jardim Botânico, uma característica menos lembrada dos gestores da 3G é a capacidade de entender e se adaptar rapidamente às demandas dos consumidores. Sem isso, provavelmente a Ambev não seria considerada uma das cem companhias mais inovadoras do mundo, segundo ranking elaborado pela Forbes — em 2015, ocupava a 58a posição. Um dos motivos para a colocação é o lançamento constante de produtos no mercado. Em 2014, por exemplo, a Ambev passou a vender no Brasil a Skol Beats Senses, uma bebida à base de cerveja voltada ao público de festas noturnas. No ano passado, firmou um acordo com a Whirlpool para desenvolvimento, produção e venda de uma máquina para se fazer cerveja em casa, com funcionamento semelhante ao das máquinas de café em cápsulas.

A Ambev também tem apostado na aquisição de microcervejarias, para atender os consumidores que preferem a bebida feita de modo artesanal. Em 2015, por exemplo, a empresa comprou a mineira Wäls e a paulista Colorado, de Ribeirão Preto. A iniciativa segue o direcionamento estratégico da AB Inbev no mundo. Hoje, o grupo possui microcervejarias também em países como Estados Unidos, Canadá, México, Colômbia e Reino Unido. Quando o interesse do consumidor concilia-se com suas metas ambiciosas de rentabilidade, a gestão 3G não se furta em atendê-lo.


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