Recomendação de investimento: “compre pesquisa e venda charlatanismo”

, Recomendação de investimento: “compre pesquisa e venda charlatanismo”, Capital Aberto

Alexandre Póvoa*/ Ilustração: Julia Padula

“Compre a ação tal e fique rico em menos de dois meses”, “lucre todos os dias do ano com os métodos de investimentos que ensinamos”, “compre tal carteira, com garantia de alto retorno e baixo risco”. E “corra, pode ser sua última chance!”.

Qual é o limite ético do marketing para se convencer uma pessoa a tornar-se cliente de uma consultoria/corretora ou cotista de um fundo de investimento, mesmo considerando que o aconselhamento dessas casas prime pela competência?

Temos presenciado recentemente um debate sobre o padrão ético de certos relatórios emitidos por casas independentes — não se questiona o conteúdo das análises, mas sim as chamadas apelativas de propaganda.

A primeira definição que aparece no Google para “charlatanismo” é “exploração da credulidade pública, anunciando e prometendo insistentemente cura por meio secreto ou infalível”.

A pesquisa é a atividade mais nobre para a evolução de qualquer ciência. No mercado financeiro, não existe nada mais fascinante que a pesquisa, seja ela feita na academia, em bancos de investimento, gestoras de recursos ou empresas independentes.

A ganância do ser humano impulsiona a sociedade. “Querer mais” não configura pecado quando os meios usados são lícitos (mistura de legal e legítimo). Também “nada contra” a criativa propaganda de um produto, mesmo que haja certo exagero nos elogios. No entanto, esses instrumentos de marketing, que tentam atingir o inconsciente do consumidor, não se comparam absolutamente à venda messiânica de promessas impossíveis. A “oferta do céu”, no caso de recomendações de investimento, nada mais é do que a exploração da ganância da pessoa física — que, na maioria das vezes, não tem noção do risco que corre quando compra um ativo qualquer ou, mais grave, vende uma opção a descoberto ou aluga uma ação para abrir posições vendidas, por exemplo.

Cabe registrar minha admiração aos analistas de investimentos, profissionais que buscam, através de 80% de transpiração (trabalho duro) e 20% de inspiração tornar mais inovador o mundo da pesquisa. Se a Economia é a “arte de alocar recursos escassos”, boas recomendações de investimentos podem permitir alocação mais eficiente de capital, melhor produtividade e, por consequência, maior crescimento econômico agregado.

No entanto, vale alertar para três dimensões de críticas ao trabalho do analista:

Crítica de diferença de opiniões. No mundo acionário, valuation “é a arte de tornar menos subjetivo o que é subjetivo por natureza”. O analista, a partir de uma visão detalhada da empresa e de hipóteses macroeconômicas, assume premissas de taxas de crescimento, margens e taxas de desconto. Levando em conta a chamada visão bottom up — análise fundamentalista e tantas outras (fluxo de caixa descontado, múltiplos, EVA, análise técnica) — e o momento top down — aversão ou disposição ao risco no curto prazo —, o “sr. Mercado”, tão exaltado por Benjamin Graham em seu livro O Investidor Inteligente, define os preços de ativos. Se feita de forma tecnicamente correta (cada analista usando suas premissas), não há por que classificar a pesquisa de “certa” ou “errada”. Sempre haverá compradores e vendedores dos ativos, dado que preço (variável que equilibra demanda e oferta) diferirá da referência individual de valor, projetada por cada analista, com base nas hipóteses formuladas. Portanto, esses profissionais, conforme seu grau de acerto, terão mais chances de progredir, pela lei natural de mercado. Aliás, a boa pesquisa só avança com a pluralidade de opiniões, em qualquer segmento.

Crítica de erro técnico de premissas ou de modelagem. Em todos os ramos há profissionais capazes e incompetentes. Tal qual um erro médico, não é incomum que uma boa teoria seja desafiada sem base. Quantas vezes já não vimos absurdos como o uso de taxas de crescimento impossíveis, arroubos patrióticos na definição de taxas de desconto e alguns tipos de análises gráficas que assumem simples réplicas do passado para explicar qualquer coisa? Sem má-fé alguma, trata-se de agressão à teoria. Como em qualquer profissão, a seleção natural proposta por Darwin funcionará. A concorrência do mercado de trabalho é cruel, e esse tipo de profissional tende a perder espaço.

Crítica ao charlatanismo. Esse perfil antiético independe da origem do relatório de pesquisa, se provém de instituições financeiras, gestoras ou consultorias independentes. Quantas vezes já não recebemos relatórios de ofertas iniciais de ações (IPOs) em que claramente o viés dos analistas das instituições que participam da oferta (e que desejam o sucesso da operação) apresenta uma visão forçadamente otimista para o investimento?

No caso observado nesse artigo, quando se fala no limite do marketing para recomendações de investimentos, temos observado casos não aceitáveis. O analista pode fazer o melhor relatório do mundo, com a definição correta de premissas, visão competente sobre uma empresa, fundamentada recomendação de compra ou de venda do papel; mas se para vender sua ideia ele (ou a casa a que está associado) usa falsos compromissos de ganhos fáceis sem risco ou dá garantia de timing para que determinado preço-alvo seja atingido, certamente entra na categoria de charlatanismo. Nesse caso, a ganância natural do ser humano é explorada através de ilusões absolutamente desprovidas de garantia possível de cumprimento. Ao regulador, cabe observar e punir com rigor esses atos. O investidor deve ser protegido — não de opiniões diversas, que fazem parte do jogo — mas de conclusões enviesadas e de promessas charlatonas, oriundas de qualquer tipo de instituição.

Em um mercado de recomendação de investimentos, que deve se desenvolver muito nos próximos anos, fica a simples sugestão: “Compre pesquisa e venda charlatanismo”.


*Alexandre Póvoa ([email protected]) é presidente da Canepa Asset Brasil e autor dos livros Valuation, como Precificar Ações e Mundo Financeiro, o Olhar de um Gestor


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