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Paraíso pacífico
Mais transparente e com impostos baixos, Luxemburgo se torna um dos destinos preferidos dos fundos offshore após a crise de 2008

, Paraíso pacífico, Capital Aberto
Quando André Caminada, sócio da Victoire Brasil Investimentos, tentava decidir o melhor lugar para sediar um fundo offshore dirigido a europeus, um investidor institucional do continente perguntou se ele tinha pressa. “Não”, respondeu o gestor. “Então opte pelo definitivo”, aconselhou. O definitivo era, no caso, Luxemburgo — país que, com uma área equivalente a pouco mais de 1% do estado de São Paulo, é hoje o principal centro de distribuição de fundos de investimento da Europa. O diálogo ilustra bem por que cada vez mais gestores de diferentes localidades, inclusive os brasileiros, escolhem Luxemburgo para sediar fundos mútuos voltados à captação de recursos no Velho Continente. O grão–ducado (o chefe de Estado é um grão–duque) é tido como um lugar seguro, estável, transparente e com baixos impostos. Essas características fazem com que os fundos lá constituídos carreguem uma espécie de selo de qualidade aos olhos de investidores.

A construção dessa imagem de credibilidade começou há bastante tempo. Luxemburgo saiu na frente e ganhou uma vantagem competitiva em relação a outros centros financeiros: foi o primeiro membro da União Europeia a adaptar a própria legislação à Diretiva Europeia 85/611/EEC, criada para proteger investidores dos fundos de investimento do tipo UCITS (Undertakings for Collective Investments in Transferable Securities). Estruturar um UCITS é como ter o passaporte azul da União Europeia. Ele tem livre trânsito e pode ser distribuído para o público de qualquer país do bloco, desde que registrado nos reguladores locais.

Mas não é só por isso que o interesse dos gestores brasileiros pelo país vem crescendo. Luxemburgo não é considerado um paraíso fiscal pelos critérios brasileiros. No Brasil, entra na lista negra da Receita Federal como paraíso fiscal todo o país que tributa a renda das empresas com alíquota inferior a 20%; ou que não fornece informações sobre os sócios de empresas lá sediadas nem dos beneficiários econômicos das estruturas de investimento, como os cotistas dos fundos. Embora em Luxemburgo os impostos que incidem sobre o lucro das companhias sejam menores que 20%, lá é impossível permanecer anônimo perante os reguladores.

“Luxemburgo passou por um alinhamento com as regras internacionais, que exigiram mais transparência dos paraísos fiscais”, afirma o advogado Fernando Zilveti Arce Murilo, sócio do escritório Zilveti e Sanden. Todo esse movimento em prol da transparência começou após os atentados terroristas de 11 de setembro de 2001. Num esforço para estrangular fontes de financiamento de atividades ilegais e terroristas, a comunidade internacional impôs mais controles para identificar quem está por trás das complexas estruturas societárias.

Mais de 540 fundos mudaram seus domicílios para Luxemburgo nos últimos cinco anos

EM BUSCA DE SEGURANÇA — Mais recentemente, Luxemburgo recebeu um estímulo de bandeja: a crise financeira de 2008 provocou um aumento da aversão a risco. A pirâmide financeira de Bernard Madoff, estimada em algo na casa dos US$ 65 bilhões, acendeu a luz vermelha. O esquema montado pelo ex–presidente da Nasdaq incluía o recebimento de recursos de vários fundos sediados em paraísos fiscais como Ilhas Cayman, Ilhas Virgens Britânicas e outros, nos quais a única transparência convincente é a das águas do Caribe. Diante das preocupações lançadas pela crise, investidores europeus que estavam acostumados às estruturas de Cayman passaram a buscar fundos constituídos dentro do seu próprio continente.

“O termo hedge fund tornou–se um palavrão para alguns, e investidores procuraram conforto nos fundos regulados, que oferecem maior transparência, liquidez e gestão de risco”, diz Derek Delaney, diretor da DMS na Europa, empresa que assessora gestores na escolha da melhor localização para suas carteiras de investimento. Mais de 540 fundos, com patrimônio de € 140 bilhões, mudaram seus domicílios para Luxemburgo nos últimos cinco anos, segundo a entidade que representa a indústria de fundos do país, a Association of the Luxembourg Fund Industry (ALFI).

Antes de optar por Luxemburgo, a Victoire Brasil Investimentos analisou outras praças. O gestor independente tinha um fundo de ações sediado em Cayman voltado para investidores institucionais europeus. “A crise não provocou resgates do fundo, mas os aplicadores não se dispuseram a colocar mais recursos”, observa Caminada. A saída foi estudar alternativas para sediar um fundo na Europa. Além de Luxemburgo, a Irlanda entrou no foco, porque é a segunda maior praça europeia de fundos de investimento (com aproximadamente € 987 bilhões em fundos domiciliados, ante os € 2 trilhões de Luxemburgo). As duas localidades têm exigências semelhantes, como a necessidade de divulgar as cotas pelo menos duas vezes por mês — ou, dependendo do produto, diariamente. As carteiras dos fundos não são reveladas para os investidores, pois são consideradas indicativas da estratégia do gestor. (Fica aqui o reconhecimento à transparência da regulamentação brasileira, que exige a divulgação diária das cotas e permite a consulta da carteira pelo cotista.)

Caminada conta que a constituição do fundo na Irlanda era mais rápida e barata, mas o país não é percebido de forma tão segura quanto Luxemburgo. Montar um fundo no grão–ducado demora pelo menos seis meses, enquanto na terra do escritor James Joyce e da cerveja Guiness, cerca de três meses. Descobrir o melhor caminho foi um processo caro, que consumiu tempo e dedicação da gestora. Além de gastar com advogados e com a contratação de prestadores de serviço, foi necessário aumentar o capital próprio. Mas o investimento fez sentido, porque 80% do R$ 1,3 bilhão gerido pela Victoire é de investidores estrangeiros — europeus, na maioria.

O fundo foi constituído como um UCITS, a estrutura mais conservadora, que pode receber aportes de investidores de varejo. Os UCITSs são proibidos de operar com alavancagem e têm regras rígidas de diversificação de carteira: nenhum papel pode representar mais que 10% do portfólio, e, somadas, as participações superiores a 5% não podem ultrapassar 40% do patrimônio. Grande parte dos UCITS é constituída como SICAV (Société d’investissement à capital variable) ou SICAF (Société d’investissement à capital fixe). O Victoire Brasil Select Fund, por exemplo, é uma SICAV.

Luxemburgo está alinhado com as regras internacionais, que exigem mais transparência dos paraísos fiscais

UMA ESTRUTURA, VÁRIOS FUNDOS — A Bradesco Asset Management (Bram) foi outro gestor que optou por Luxemburgo após estudar várias praças para o lançamento de um fundo voltado ao mercado europeu. As Ilhas Cayman saíram da lista porque os europeus passaram a considerar abertas demais as estruturas de investimento criadas por lá. A Irlanda foi deixada de lado porque Luxemburgo tem mais tradição, o que facilita o acesso não só aos europeus, mas também aos investidores asiáticos, conta Luiz Osório Leão Filho, superintendente da área internacional da Bram.

O Bradesco Global Funds foi constituído como uma SICAV. E aqui entra outra particularidade dos fundos listados na Europa: eles podem ser fundos únicos ou no formato guarda–chuva. Nesse último caso, vários subfundos podem ser criados debaixo do fundo principal, e todos têm a contabilidade segregada. No Brasil, cada estratégia requer um fundo e uma personalidade jurídica. O Bradesco Global Funds tem três subfundos em Luxemburgo: o Brazilian Fixed Income (que investe em títulos públicos e privados), o Brazilian Equities (um fundo de ações ativo) e o Brazilian Global Bonds (compra e vende títulos de empresas brasileiras emitidos no exterior).

Essa estrutura também é utilizada pelo BNP Paribas Asset Management para os fundos geridos a partir do Brasil, mas com sede em Luxemburgo. O gestor tem duas SICAVs: o BNP Paribas L1 e o BNP Paribas Parvest. Somadas, elas comportam cerca de 200 estratégias diferentes de investimento. A equipe local gere duas delas: uma investe em ações brasileiras e a outra, em latino–americanas.

“A vantagem de optar por um guarda–chuva é a redução de custos”, justifica Rafael Bardella, responsável pela área de produtos offshore do BNP Paribas Asset Management. Os subfundos do BNP Paribas L1 e BNP Paribas Parvest são distribuídos para 70 países. Outro aspecto curioso para nós é que o mesmo fundo pode ter classes de cotistas distintas, cada qual com seus respectivos valores mínimos de aplicação e taxas de administração.

O PREÇO DA QUALIDADE — Para Francine Balbina, diretora da DMS no Brasil, sediar um fundo de investimento na Irlanda ou em Luxemburgo faz sentido para os gestores que desejam captar na Europa. “A escolha de onde sediar um fundo de investimento depende do tipo de investidor que se quer captar”, comenta. Ela considera, entretanto, que, para os gestores brasileiros com clientela local, que apenas desejam diversificar suas aplicações, ou mesmo para family offices, pode ser mais interessante fincar as bases em Cayman.

Para os fundos com patrimônio baixo (em torno de US$ 10 milhões, por exemplo), os custos de listagem e dos prestadores de serviço acabam tendo grande impacto na rentabilidade. Esses valores são de três a quatro vezes mais elevados em Luxemburgo do que em Cayman, que continua a figurar como paraíso fiscal na lista negra da Receita Federal. Além dos custos mais baixos, a facilidade para abrir o fundo em Cayman é outro atrativo: “Em uma semana é possível lançar o fundo se a documentação estiver em ordem”, ressalta Francine. Em Cayman, fundos com menos de 15 cotistas não precisam ser registrados na Cayman Island Monetary Authority, o órgão regulador do local. Opções de paraíso, como se vê, não faltam. Cada gestor pode escolher o seu.


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