Glamour, mito e ilusões
Carreira de gestor de recursos exige bem mais que conhecimento sobre economia e análise de empresas

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Alexandre Póvoa*/ Ilustração: Julia Padula

A profissão de gestor de recursos envolve certo glamour. Há uma falsa impressão de poder, alimentada pelas capas de revistas e jornais especializados que estampam algumas das poucas histórias de grande sucesso — mas que não revelam com o mesmo destaque os numerosos casos de fracasso na carreira. Muito interessante observar que, considerando desde o mais leigo investidor ao mais experiente analista, erros de avaliação ocorrem com frequência. Apesar disso, o papel do gestor ainda está associado a certa onipotência, que não passa de fruto do imaginário. O ritmo de avanço das áreas de pesquisa não é capaz de alcançar a globalização crescente dos mercados, tornando cada vez mais difícil a gestão de fundos.

Mais incrível é a ilusão de alguns profissionais alocadores de recursos de alto gabarito, que ainda preferem acreditar em certos mitos que fazem aumentar a concentração de recursos em certas casas sem a contrapartida proporcional ao efeito da diversificação mais apropriada ao cliente. Aliás, muitos gestores, com a venda bem-sucedida de promessas messiânicas e a até com a depreciação antiética dos colegas de profissão, conseguem seus intentos.

Cabe ressaltar que o melhor gestor de recursos normalmente não é o melhor economista, trader ou analista. É aquele que consegue debater em nível razoavelmente igual com esses três, sabendo transformar as diversas opiniões existentes na equipe nas melhores decisões de investimento a curto, médio e longo prazos, de acordo com o mandato de cada produto. Já vi muitos economistas brilhantes se aventurarem na carreira de gestão de recursos e simplesmente fracassarem por não entenderem (e se recusarem a fazê-lo) a lógica às vezes ilógica desse ente chamado mercado. Já conheci muitos traders com um faro de mercado impressionante, mas que se perderam por não compreenderem ou não respeitarem a força do fundamento; como também já testemunhei analistas de ações (sobretudo do sell side) migrarem para a gestão de recursos para aprenderem na prática, da pior forma possível (perdendo rios de dinheiro), a diferença entre escrever uma opinião em uma folha de papel — sem a pressão da oferta e da demanda — e realmente comprar ou vender um ativo no mundo real.

Enfim, o melhor gestor de recursos em geral não é um especialista nos segmentos de análise macroeconômica, crédito, ações, renda fixa, câmbio ou trading. Porém, esse profissional, para ter destaque, deve conhecer todos esses campos suficientemente bem para a montagem de portfólios com o objetivo de maximização da relação risco-retorno de cada mandato. O melhor gestor usualmente é um generalista com grande capacidade de entendimento da dinâmica temporal da correlação entre os mercados, sobretudo quando estamos falando de fundos multimercados ou portfólios.

Essa regra vale para qualquer produto, do mais conservador ao mais agressivo. O gestor de um fundo de crédito privado, por exemplo, não pode se dar ao luxo de dispensar a opinião de analistas de crédito e de conhecedores das indústrias para compor a melhor carteira em termos do binômio risco-retorno — bom potencial de rentabilidade somado a diversificação de risco.

Pobre do gestor de um fundo de ações que tenha a pretensão de conhecer todas as empresas abertas sem a ajuda de uma equipe própria ou terceirizada de analistas. Conheci muitos que tiveram essa ambição e que hoje não estão gerindo nem a própria carteira. O gestor de recursos é um maximizador de ideias, que deve buscar a sinergia de todas as opiniões — das mais absurdas às mais simpáticas, em sua visão —, dentro e fora de sua instituição, para compor o portfólio que melhor atenda o mandato que lhe foi delegado. A humildade de reconhecer, de forma sincera, a máxima atribuída ao filósofo Sócrates do “só sei que nada sei” é um pré-requisito importante na carreira do gestor de recursos, que deve deixar a cabeça sempre aberta para novas ideias.

À parte toda frieza e racionalidade que devem prevalecer nas decisões de compra e venda de ativos, é indispensável que exista muita paixão entre o gestor de recursos e o fundo sob sua responsabilidade. O que isso significa exatamente? Brigar por cada 0,01% de rentabilidade. Negociar com os corretores as melhores taxas. Se houver algum erro de marcação a mercado, questionar a correção do problema na mesma hora.

O verdadeiro gestor trata cada fundo como um filho. Só quem é pai ou mãe sabe que o amor à prole é incondicional. Mesmo que haja algum tipo de separação (consentida ou forçada) do gestor com o seu fundo, o amor não esmorece. Mesmo que os gestores se desliguem das instituições, é comum continuarem a acompanhar os desempenhos dos fundos pelos quais eram responsáveis.

Outra característica paterna: não admitir diferenciação entre os filhos. Há a tentação pragmática de concentrar esforços nos fundos de maior patrimônio e/ou com maior potencial de captação, em detrimento dos produtos menores em volume e menos promissores em certo momento. A sugestão, apesar de ter algum embasamento em termos de lógica financeira do negócio, não pode encontrar eco em profissionais sérios, porque o cotista do fundo A não pode jamais ser mais bem tratado do que o cotista do fundo B. Afinal, fundos são como filhos e todos merecem o mesmo nível de atenção e amor dos seus pais, ou melhor, dos seus gestores.


*Alexandre Póvoa ([email protected]) é presidente da Canepa Asset Brasil e autor dos livros: “Valuation, Como Precificar Ações” e “Mundo Financeiro, o Olhar de um Gestor”.


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