Garimpando nos escombros
Preços baixos das ações brasileiras atraem investidores dispostos a aplicar no longo prazo e acionistas que fizeram fortuna nos IPOs

, Garimpando nos escombros, Capital Aberto

 

No dia 27 de outubro, o Ibovespa encerrou abaixo dos 30 mil pontos pela primeira vez em três anos. As perdas se acentuaram depois da concordata do banco americano Lehman Brothers, em 15 de setembro. Desde então, o preço das ações assumiu forte tendência de queda e fez com que os preços despencassem — atingindo queda de até 86%, como aconteceu com a mineradora MMX. Outros 151 papéis, segundo levantamento da consultoria Economática, caíram mais de 40% no intervalo entre 15 de setembro e 28 de outubro. No mesmo período, apenas 13 ações, das 360 registradas na bolsa, escaparam da queda. Até a quebra do Lehman, a maior desvalorização da Bovespa era Laep, com baixa de 92,8% desde o início do ano, e as desvalorizações acima de 40% se restringiam a 98 ações.

O momento exige sangue frio. Mas, enquanto o mundo repercute a crise desencadeada pelos créditos imobiliários nos Estados Unidos, com bancos indo à falência e governos abrindo os cofres para injetar recursos (e ânimo) no sistema financeiro, alguns investidores colocam em prática a vocação para garimpar bons ativos. A Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) é o destino, e o objetivo é aproveitar a combinação de preços baixos e qualidade para ampliar as posições em empresas.

Logo no começo de outubro, a Tarpon enviou comunicado ao mercado informando que sua participação no Banco Daycoval havia subido para 7,89% do capital total. Também investiu no Daycoval a Wasatch Advisors, com posição total de 5% das preferenciais, o equivalente a 1,8% do capital. Ao longo do mês, outros fundos de peso informaram à Bovespa a aquisição de participações relevantes. A própria Tarpon atingiu 10,79% das ações da Marisa, enquanto o Equity Internacional chegou a 5% da Gafisa.

Gestores locais também estão indo às compras para aproveitar as oportunidades geradas pela crise. Somente disposição para investir não é suficiente. É preciso ter em mãos um bom colchão de liquidez ou, então, encontrar clientes dispostos a apostar nas pechinchas. Na Orbe Investimentos, o interesse pelo investimento em ações está aceso. Além de investidores dispostos a aportar mais recursos, a gestora recebeu clientes novos. Somente no dia da entrevista à CAPITAL ABERTO, em 25 de outubro, foram registrados três ingressos, segundo Fabio Carvalho, sócio da Orbe. Na data, o Ibovespa havia caído quase 7%, chegando aos 31.481 pontos no encerramento do pregão. “Nas últimas semanas, o interesse dos investidores por novas aplicações em bolsa aumentou.”

Gestor aposta em companhias estáveis e geradoras de dividendos. “Em momentos de baixa, os proventos podem ser reinvestidos”

Na Investidor Profissional (IP), a estratégia é usar os recursos que estão em caixa. “Em junho, realizamos posições que haviam gerado bastante lucro e ficamos com 33% dos recursos livres”, conta a sócia Isabella Saboya. Atualmente, seguem em caixa em torno de 18% da carteira. Outra gestora que vem usando o próprio colchão de liquidez para aproveitar as bagatelas da bolsa é a Polo Capital, que tem sob sua gestão cerca de R$ 1 bilhão.

ATIVOS SELECIONADOS —Mesmo com o ímpeto comprador, os gestores concordam que a cautela é fundamental. Paulo Veiga, da Mercatto Gestão de Recursos, faz questão de frisar que nem todos os ativos depreciados são considerados boas oportunidades. “O melhor é procurar empresas com fluxos de caixa mais previsíveis, como as concessionárias de serviço público”, diz. Outra saída é optar pelas boas pagadoras de dividendos. “É possível que o investimento retorne em pouco tempo”, observa Veiga. Estratégia semelhante segue a Gueppardo Investimentos. O gestor Octávio Magalhães aposta em companhias estáveis e geradoras de dividendos. “Em momentos de baixa das ações, os proventos podem ser reinvestidos para aumentar a participação no capital da empresa”, afirma.

A opção por um certo conservadorismo é consenso. “O ideal é não tentar adivinhar e correr poucos riscos”, reconhece Carvalho, que aposta nos setores atrelados ao consumo interno como aqueles que terão impacto menor em seus resultados. A Orbe também está de olho nas empresas novatas. Tais companhias estrearam em tempos de alta do mercado de ações, e a maioria investiu em boas práticas de governança. Os papéis, no entanto, vêm sendo castigados pela saída dos estrangeiros que dominaram as ofertas iniciais de ações (IPOs), mas hoje precisam de liquidez para cobrir os resgates de clientes assustados com a crise.

Comprar ações em tempos difíceis como o atual exige que o gestor conheça de perto o modelo de negócio da companhia e seus administradores. Tanto que a IP, nos últimos dois meses, tem apostado, principalmente, em empresas que já faziam parte de seu portfólio, como Lojas Renner, Saraiva e Marcopolo. “São companhias de qualidade, com histórico de retorno altamente positivo em cenários econômicos diversos”, diz Isabella. Outras três novatas estão prestes a entrar na carteira da gestora carioca. São empresas que foram acompanhadas pela IP desde o IPO. “Achávamos o modelo de negócio interessante, mas o preço nos restringia. Agora estamos começando a montar posições.”

VENDEDORES NO IPO, COMPRADORES NA CRISE — Um efeito previsível da forte desvalorização das ações é a abertura de programas de recompra. Segundo dados da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), nos meses de setembro e outubro foram abertos 16 programas. Mas não são apenas as companhias que estão comprando suas próprias ações. Ao que tudo indica, as cotações estão tão baixas que até quem figurou como acionista vendedor na onda de IPOs está aproveitando para recomprar os papéis por verdadeiras pechinchas.

Um dos exemplos é a Tecnisa. No dia 22 de outubro, a companhia enviou comunicado ao mercado para informar que a família Nigri, acionista controladora, havia aumentado em cerca de 5% sua participação no capital total. Na mesma data, as ações foram negociadas, em média, por R$ 4,01. O valor é quase 70% inferior aos R$ 13 do IPO, quando Meyer Joseph Nigri, fundador da Tecnisa, desfez-se de uma parte de suas ações. “As compras foram feitas gradualmente, desde o início do ano, e comunicadas agora porque o percentual atingiu 5%”, diz Leonardo Paranaguá, diretor financeiro e de Relações com Investidores. O objetivo do controlador é fortalecer o próprio patrimônio, uma vez que acredita na valorização das ações. Pelo mesmo motivo, a Tecnisa analisa, no momento, a possibilidade de também aplicar em suas ações através de um programa de recompra.

Outro que segue nessa linha é o Banco Sofisa. Em comunicado do dia 7 de outubro, Alexandre Burmaian, presidente do conselho de administração, aumentou de 2,79% para 5,81% sua participação no capital da instituição. Também em outubro, no dia 28, Ricardo Burmaian comunicou que sua participação no Sofisa aumentara de 1,44% do capital para 1,79% (5,22% das ações preferenciais). Tanto Alexandre quanto Ricardo foram acionistas vendedores no IPO do banco. Conseguiram R$ 12 por ação. No dia 29 de outubro, os papéis eram negociados, em média, por R$ 3,06. Procurados pela CAPITAL ABERTO, Alexandre e Ricardo Brumaian não quiseram comentar os investimentos.


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