Ganho reduzido
Estudo mostra que a governança pode ter menor impacto em setores altamente competitivos

É consenso entre a maioria dos profissionais que a competição no mercado de produtos é um dos propulsores da eficiência empresarial. Quanto maior a concorrência entre as empresas de um determinado setor, maior será a pressão por resultados e menor a margem para que seus executivos tomem decisões destruidoras de valor. O que poucos observam é que a competição tem relação direta com as práticas de governança de uma companhia e com os potenciais ganhos decorrentes de sua adoção. Conhecer mais sobre o assunto é essencial, pois sinaliza aos investidores — particularmente os institucionais — em que setores vale mais a pena pressionar as companhias pela adoção de melhores práticas.

O principal estudo dessa recente linha foi realizado pelos pesquisadores Xavier Giroud e Holger M. Mueller, da Universidade de Nova York. O trabalho investigou a hipótese de que empresas pertencentes a setores menos competitivos se beneficiam mais da adoção de melhores práticas de governança do que companhias em setores altamente competitivos, já que nestes os gestores sofrem uma pressão maior por resultados. Para a pesquisa, os autores analisaram uma amostra de 3.241 empresas no período de 1990 e 2006 e concluíram que a adoção das boas práticas agrega muito valor em setores com baixa competição, porém é bem menos relevante em setores mais competitivos. Especificamente, observaram que a boa governança possui forte impacto positivo sobre o retorno de longo prazo das ações, o desempenho operacional e os múltiplos de valor em empresas de setores com menor nível de competição. Em indústrias mais competitivas, contudo, esse efeito se mostrou quase nulo.

Os resultados de Giroud e Mueller têm como pano de fundo a ideia de que a governança corporativa e a competição são mecanismos substitutos rumo a uma maior eficiência na utilização dos recursos. De acordo com essa visão, levantada por diversos economistas, os problemas de governança tenderiam a ser menores em ambientes altamente competitivos. Isso aconteceria porque, nesses casos, os gestores teriam reduzido o livre arbítrio para tomar decisões destruidoras de valor para os acionistas, já que estas poderiam levar suas empresas simplesmente a sair do mercado. Mas a governança seria mais importante em setores com baixa competição, em que aumenta a possibilidade de os gestores tomarem decisões ruins sem o risco de quebrar suas empresas. A adoção da boa governança seria, portanto, mais importante de ser fomentada em setores monopolistas (no qual atuam, por exemplo, algumas empresas prestadoras de serviços de utilidade pública) e oligopolistas (como o setor de aviação civil no Brasil) do que em indústrias nas quais as companhias têm menos poder de mercado para definir preços.

Adoção de boas práticas de governança é mais relevante em setores monopolistas ou oligopolistas

Como toda linha de pesquisa recente no mundo acadêmico, entretanto, essa visão não é consensual. Outros pesquisadores argumentam que a relação entre governança corporativa e competição deveria ser complementar. Afinal, na medida em que as empresas enfrentam maior competição, cresce também sua necessidade de aprimorar as práticas de governança a fim de captar recursos a custos menores com os investidores.

Além da questão relativa à substituição ou complementaridade entre governança corporativa e competição, estudos recentes avaliam outras relações importantes entre essas duas áreas do conhecimento. Veja:

• Competição e composição do conselho de administração: uma pesquisa realizada com 98 empresas durante três anos no mercado sueco indicou que conselhos mais independentes geram mais valor para empresas em setores menos competitivos do que para as empresas sujeitas a um alto nível de competição.

• Competição e frequência de substituição do CEO: um estudo com 621 empresas no mercado norte-americano constatou que os CEOs de companhias em setores mais competitivos são substituídos com uma frequência bem maior do que os CEOs de empresas sujeitas a baixa competição. O estudo também observou que a utilização de medidas estruturadas de avaliação de desempenho do CEO pelo conselho é mais relevante para a decisão de manutenção desse profissional apenas em indústrias mais competitivas.

• Competição e sistema de remuneração dos executivos: dois trabalhos independentes realizados com centenas de empresas nos mercados norte-americano e sueco concluíram que o sistema de incentivos dos executivos tende a ser mais agressivo e atrelado a resultados em setores sujeitos a maior competição. Isso implica que os problemas de governança associados à remuneração de executivos podem ser diferentes em função do grau de competição ao qual as companhias estão expostas.

• Competição e poison pills: uma pesquisa com mil companhias norte-americanas, de 1990 a 2003, constatou que empresas pertencentes a setores mais competitivos tendem a adotar medidas defensivas contra aquisições hostis (dentre as quais as poison pills) com frequência superior às demais, possivelmente em função da probabilidade maior de tentativas de tomada de controle.

• Competição e prêmio pelo controle: após analisar 554 empresas de 19 países entre 1998 e 2003, uma pesquisa recente observou que o prêmio pelas ações do bloco de controle é bem maior em setores menos competitivos, diminuindo na medida em que aumenta a competição. Foi constatado que um aumento de 5% na competição média da indústria resulta em uma diminuição do prêmio pelo voto de 3,5%. No geral, os autores do estudo concluem que o aumento da competição diminui o nível dos benefícios privados auferidos pelos acionistas controladores, reduzindo, consequentemente, o prêmio pelo controle.

• Competição e disclosure: uma pesquisa com 416 companhias ao longo de oito anos no mercado norte-americano constatou que as empresas sujeitas a maior competição de preços optam por divulgar menos informações voluntárias aos seus investidores, provavelmente devido ao maior temor de seus concorrentes. Ou seja, a decisão pelo nível de disclosure voluntário seria resultado não apenas da estrutura de governança da companhia, mas também do nível de competição ao qual está exposta.

• Desregulamentação, competição e práticas de governança: dois trabalhos analisaram essa relação nas indústrias de aviação civil e eletricidade dos EUA. Ambos chegaram a conclusões similares: a desregulamentação levou a mudanças nas práticas de governança, incluindo redução nos tamanhos dos conselhos, aumento da frequência de substituição dos CEOs e elevação da concentração acionária das companhias. Os resultados indicam que a presença de maior competição decorrente da desregulamentação incrementou a estrutura de governança.

Todos esses estudos possuem implicações práticas para pesquisadores, reguladores e investidores. Aos primeiros, mostram a importância de se levar em consideração o nível de competição na análise da temática da governança, algo raramente feito. Para os reguladores, mostram que o aumento da concorrência pode ocasionar diversos efeitos colaterais sobre a governança das companhias — alguns positivos (como menor margem para benefícios privados do controle e sistemas de avaliação de desempenho dos executivos mais rigorosos); e outros eventualmente negativos (como a possibilidade de menor transparência e de sistemas de remuneração excessivamente agressivos).

Para os investidores, fica reforçada a ideia de que os potenciais ganhos de produtividade e geração de valor associados à adoção das melhores práticas de governança podem não ser uniformes. Dessa forma, é provavelmente mais importante lutar por melhores práticas em setores com baixo nível de competição, em que se situam as empresas de indústrias monopolistas e oligopolistas. Afinal, como já dizia Adam Smith há 250 anos: “Monopoly…is a great enemy to good management”.

O autor agradece ao seu orientando de mestrado Pedro Barros, que vem realizando trabalho pioneiro nessa área no País, pela pesquisa dos artigos citados.


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