Fora de controle?
Companhias fechadas que usam a Instrução 476 para emitir títulos não atendem às exigências de transparência da CVM

, Fora de controle?, Capital Aberto
A Concessionária Auto Raposo Tavares (Cart), pertencente ao Grupo Invepar Investimentos e Participações em Infraestrutura, sociedade formada pelos fundos de pensão Previ, Petros, Funcef e pela OAS Investimentos, captou duas vezes no mercado por meio da Instrução 476 da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que dispensa o registro de oferta pública. Fez uma primeira distribuição de notas promissórias, de R$ 400 milhões, em dezembro de 2009, e uma outra, de mesmo valor, em março deste ano. Depois, simplesmente ignorou o que pede o artigo 17 da instrução. A norma exige, dentre outras coisas, que o emissor de valores mobiliários admitidos à negociação no mercado de balcão organizado ou não organizado divulgue demonstrações financeiras, acompanhadas de notas explicativas e parecer dos auditores independentes, em sua página na internet.

“Nas situações em que surge uma facilidade, é comum que algumas pessoas queiram esticar suas vantagens além do razoável”

A Cart não cumpriu essa obrigação até ser questionada pela CAPITAL ABERTO. Por meio de sua assessoria de imprensa, a concessionária informou que, no período em que o demonstrativo deveria ter sido publicado, o site da empresa estava em processo de reconstrução. Quando enviou a resposta, o balanço já estava no site. Em 2009, a Cart registrou um prejuízo de cerca de R$ 39 milhões.

A SGCE Participações S.A., holding de capital fechado que atua no segmento de segurança, também fez uma emissão de notas promissórias por meio da Instrução 476 no ano passado, de R$ 52 milhões. Assim como a Cart, descumpriu a regra sobre a divulgação de balanços. Nesse caso, a SGCE não tem um site. Na página da internet de sua controlada, a Prosegur, também não foram encontradas as demonstrações financeiras da holding.

Identificar os ativos emitidos pela Instrução 476 que estão disponíveis para negociação já não é fácil. Para fazer uma pesquisa sobre o grau de transparência desses emissores, tivemos de solicitar um levantamento à Cetip, que nos informou os nomes das empresas cujos títulos podem ser negociados em seu sistema. Com exceção dos dois emissores citados acima, as outras 27 empresas são de capital aberto ou subsidiárias de empresas abertas e, portanto, já publicam seu demonstrativo financeiro. “A falta de informações dificulta o monitoramento do crédito adquirido”, observa Jorge Simão, superintendente de tesouraria e distribuição do BES Investimento do Brasil.

É crescente o número de companhias fechadas que realizam emissões públicas com dispensa de registro pela Instrução 476, de 16 de janeiro de 2009. As ofertas podem ser de cotas de fundos de investimento fechados, notas promissórias, debêntures, cédulas de crédito bancário, certificados de recebíveis imobiliários ou do agronegócio. A exigência da CVM para permitir essas ofertas é que os esforços de venda sejam restritos — os anúncios devem estar limitados a 50 investidores, e a compra, a 20 — e os aplicadores sejam qualificados, ou seja, com capacidade de investir ao menos R$ 1 milhão. No ano passado, 13 sociedades anônimas de capital fechado distribuíram notas promissórias com esforços restritos, segundo dados da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima). Até maio deste ano, esse número chegava a seis. É verdade que nem todas elas habilitaram os ativos para negociação em mercado de balcão. Mas é provável que a adesão ao mercado secundário cresça junto com o interesse das empresas por fazer uma emissão sob o guarda-chuva da Instrução 476.

Alexandre Tadeu Navarro, sócio do escritório Navarro Advogados, acredita que os emissores estão testando os limites da CVM. “Nas situações em que surge uma facilidade, é comum que algumas pessoas queiram esticar suas vantagens além do razoável”, afirma. “Somente quando houver um primeiro penalizado é que vamos saber o grau de rigor da CVM nesse tipo de situação.” Segundo a instrução, o descumprimento do artigo 17 é uma infração grave.

RISCO BAIXO, SUPERVISÃO MENOR — Procurada pela reportagem, a CVM afirmou que está atenta à fiscalização das obrigações exigidas pela Instrução 476. Contudo, lembrou que sua supervisão é baseada em risco, método que busca uma aplicação eficiente dos recursos humanos da CVM. Para tanto, a autarquia identifica e dimensiona os riscos que mais trazem perigo ao mercado e volta sua força de trabalho para monitorá-los. “Quando a CVM tomou a decisão de dispensar o registro do emissor e da própria oferta em operações feitas pela 476, foi por perceber que não havia tanta necessidade de tomar conta dos investidores alvos dessas ofertas, que são um público restrito e qualificado”, afirma Felipe Claret, superintendente de registro de valores mobiliários da CVM.

Embora restritas em número de investidores participantes, essas emissões têm ganhado proporções cada vez maiores no mercado. Em 2009, 35,83% das ofertas de renda fixa foram feitas por meio da 476. Até abril de 2010, do total de 113 ofertas de renda fixa, 39 foram levadas a mercado por essa mesma via. “Acredito que, este ano, teremos metade das ofertas com dispensa de registro pela Instrução 400 e a outra metade pela 476”, diz Alberto Kiraly, vice-presidente da Anbima.

A Cetip, juntamente com a Bovespa, ajuda a CVM nessa fiscalização. Envia, periodicamente, ao xerife do mercado informações sobre as ofertas registradas nos seus módulos de negociação, com as principais características da emissão, o status do processo de distribuição, dentre outros dados. “Essas entidades, por lei, são nossas auxiliares de fiscalização. Elas nos informam sobre qualquer negociação fora do padrão”, explica Claret.

“A norma é clara ao dizer que os demonstrativos financeiros devem ser disponibilizados no site do emissor”

Recentemente, a Cetip também passou a cobrar uma taxa das companhias que pretendem listar os ativos lançados pela Instrução 476. Esse valor varia de R$ 9 mil a R$ 60 mil e visa a subsidiar as adaptações que foram feitas devido ao aumento nos níveis de controle e de processos executados pela Cetip e ao incremento das equipes responsáveis pelo registro e o acompanhamento das emissões. Mesmo com esse acréscimo, a emissão sai bem mais em conta do que se fosse necessário o registro na CVM. “Dependendo do tamanho da operação, a taxa de registro pode chegar até o teto de
R$ 82.870,00”, conta Erik Oioli, do escritório Vaz, Barreto, Shingaki & Oioli Advogados.

INFORMAÇÃO DESENCONTRADA — Apesar de o artigo 17 da Instrução 476 não ser específico nesse ponto, a CVM explica que somente as companhias fechadas devem, obrigatoriamente, disponibilizar sua demonstração financeira no site. O superintendente de registro da CVM esclarece que o objetivo da regra não é criar mais burocracia. “As companhias abertas têm uma série de deveres de disclosure e, portanto, já deixam público seu demonstrativo no site da CVM”, ressalta. “Nossa intenção não é criar obrigações desnecessárias.”

Advogados ouvidos pela reportagem, contudo, não entendem que é isso o que diz a norma. “A maneira como a regra está escrita não permite uma interpretação restritiva de que a divulgação das informações financeiras só valeria para companhia fechada”, afirma Eliana Chimenti, sócia do Machado, Meyer, Sendacz e Opice. “Eventualmente, uma companhia aberta pode argumentar que sua informação já é pública na CVM. Mas a norma é clara ao dizer que os demonstrativos devem ser disponibilizados no site do emissor”, enfatiza Daniela Anversa, sócia do Pinheiro Neto. Thiago Giantomassi, do Demarest & Almeida Advogados, tem a mesma opinião.

Securitizadoras como BRC e Pátria, que emitiram Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRIs) pela 476, não divulgam suas demonstrações financeiras no site. Questionadas, elas argumentaram que o fato de terem os balanços no site da CVM dispensa a publicação dos demonstrativos em sua página na internet. Para outras securitizadoras, a divulgação representa uma boa prática de governança corporativa. “Quanto mais transparente a empresa for, melhor”, enfatiza o diretor executivo da RB Capital, Marcelo Michaluá, que apresenta os balanços na internet. “Além do risco creditício da operação, o investidor precisa analisar o risco operacional da emissora, ainda mais em ativos de longo prazo, como os CRIs.”

Outro ponto que gera dúvidas na instrução é a partir de quando a companhia deve divulgar os demonstrativos. Para Ricardo Leoni, superintendente de mercado de capitais do Santander, a obrigação deve ser cumprida uma vez por ano, até três meses após o fechamento do balanço. “Se a companhia fez a operação em maio deste ano, ela só teria que divulgar seu demonstrativo em abril do ano seguinte”. Claret, da CVM, esclarece que não é bem assim. Se a empresa registrou a oferta na Cetip, permitindo ao investidor negociar seus títulos no mercado secundário, deve publicar seu demonstrativo financeiro no site logo após encerrado o período de vedação à negociação. Segundo a instrução, ele é de 90 dias. “Se a operação foi feita em maio de 2010, o emissor deve disponibilizar, em agosto, o demonstrativo financeiro referente a 2009”, explica.

Para acabar com essas interrogações, Daniela, do Pinheiro Neto, acredita que o ideal seria incluir no contrato de distribuição dos papéis a obrigação do emissor de divulgar o balanço no site e os fatos relevantes desde o primeiro momento. “O investidor fica preso com o papel por 90 dias, mas, antes disso, ele já deveria ter acesso às informações.”


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