Fôlego para mais um começo
Roberto Teixeira da Costa

, Fôlego para mais um começo, Capital AbertoA vista espetacular da praia de São Conrado ajuda Roberto Teixeira da Costa a perder-se nas reminiscências da época em que comprou o apartamento no Rio de Janeiro. A Comissão de Valores Mobiliários (CVM), então, resumia-se a uma lei, uma verba orçamentária e um compromisso — dele com o ministro da Fazenda Mário Henrique Simonsen, de quem recebeu carta branca para montar a autarquia. Ecoava também o conselho dado em rápido encontro com o então presidente Ernesto Geisel: “O que deixamos nascer torto fica difícil endireitar depois”.

Para a sorte do mercado de capitais, ainda incipiente em 1977, Teixeira da Costa estruturou o órgão de forma sólida e aprumada. O economista contava com uma improvável experiência de 20 anos, pois ainda no fim dos anos 1950 treinara 120 vendedores da Deltec para oferecer ações de empresas de porta em porta, desbravando caminhos. O emprego, como coordenador técnico de uma das primeiras “companhias de investimento, crédito e financiamento”, levou esse carioca de Copacabana a trabalhar em São Paulo, onde também ajudaria a criar o Banco de Investimento do Brasil (BIB), o primeiro do País. A tarefa de instituir um órgão regulador para o mercado que fomentara trazia-o de volta.

O apartamento foi mantido, embora a família acabasse voltando para São Paulo após Teixeira da Costa dar sua missão na CVM por concluída. Na verdade, ele ainda permaneceu no Rio por alguns meses, antes de se lançar em um novo empreendimento — a primeira empresa de venture capital do País, a Brasilpar —, mas sem conseguir desfrutar a paisagem praiana nem os louros de ter fundado as bases do mercado de capitais. O motivo parece inverossímil, diante de seu impressionante currículo: envergonhava-se da temporária condição de desempregado.
“Temia encontrar algum amigo, se fosse caminhar na praia. O (José Luiz) Bulhões Pedreira me emprestou uma sala de seu escritório, no centro, e me entregou a chave. Eu estava buscando emprego, mas chegava lá antes de todo o mundo”, afirma, citando o advogado e autor da Lei do Mercado de Capitais, destacado por ele como um de seus exemplos. “Sempre tive uma necessidade de autoafirmação muito grande. Talvez tenha exagerado no trabalho. Nunca tirei férias de 30 dias e hoje não me orgulho disso.”

Exagero ou paixão? Por um momento, Teixeira da Costa titubeia em seu “mea-culpa”. Se deixou de ir à praia ou acompanhar reuniões escolares dos quatro filhos — “Cacilda, minha mulher, segurava as pontas” —, foi por ter abraçado os desafios profissionais com o entusiasmo incomum dos apaixonados, reconhece. “O meu envolvimento é tão grande que até hoje tenho dificuldade em não usar a primeira pessoa do plural quando falo da CVM ou do Ceal (Conselho de Empresários da América Latina, que presidiu por oito anos)”, comenta. Aos 74 anos, com os filhos formados e os cinco netos sempre por perto, ele ainda mantém a agenda cheia — “culpa” da participação em dois conselhos de administração e quatro conselhos consultivos de empresas, sem falar dos cargos assumidos em entidades e fóruns internacionais, que o obrigam a periódicas viagens ao exterior. “Recebo muitos convites”, justifica.

Na SulAmérica Seguros, Teixeira da Costa atua há dez anos como conselheiro independente, função na qual — novamente — foi um dos precursores, nos tempos da Deltec, do BIB e da Brasilpar. “Mas era uma experiência diferente da atual; não se falava em governança corporativa”, ressalta. Hoje, enumera, sua vida profissional segue três vertentes: além do mercado de capitais e da governança, nos últimos 25 anos passou a atuar no processo de integração do Brasil no contexto da América Latina e do mundo — foi indicado pelo governo para coordenador do Fórum Mercosul Europa e fundou o Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri).

O economista ainda escreve artigos em jornais, faz palestras e grava uma participação semanal na Rádio Jovem Pan. “É a melhor maneira de continuar aprendendo”, afirma. Quando surge uma oportunidade, “inventa” atividades para unir seus múltiplos interesses, como o cinema e a conjuntura econômica, a arte e a governança corporativa. As combinações podem soar estranhas, mas faziam parte de sua agenda nos dias seguintes à entrevista: membro da Sociedade de Amigos da Cinemateca, Teixeira da Costa havia garimpado um filme sobre o crash de 1929 para uma sessão especial na instituição, com direito a debate mediado por ele sobre a crise financeira atual. Em outra data, iria conciliar uma palestra sobre governança na Fundação Dom Cabral, com uma visita ao centro de arte contemporânea Inhotim, em Minas Gerais.

“Em determinado momento da vida, sentimos a necessidade de fazer coisas diferentes e retribuir um pouco o que a sociedade nos deu”, explica. A declaração, porém, está longe de embutir uma intenção de aposentaria. Logo em seguida, Teixeira da Costa revela um novo projeto, acalentado depois que passou a integrar o conselho consultivo da Comerc, empresa que comercializa energia: a criação de uma bolsa de energia no Brasil. “Será, quem sabe, uma nova etapa de minha vida profissional.”

Rotina – Acorda às 6 horas e ouve rádio até 6h45. Segundas, quartas e sextas-feiras vai ao Clube Harmonia, em São Paulo, onde faz ginástica com o mesmo grupo há 25 anos. “Saio de casa com a roupa no cabide.” Sempre tem muitos almoços. “Isso é um problema”, brinca, apontando para a pequena barriga.
Como se informa – Assina quatro jornais em casa. “Sou daqueles que sujam a mão com tinta”, afirma. Junta revistas para ler no fim de semana e fica “torcendo para não ter nada interessante”. “Aprendi que acabarei sabendo o que for importante, porque alguém vai comentar ou recomendar a leitura.”
Hobby – Cinema. “Se pudesse, via um filme todo dia.”. Na véspera da entrevista, foi assistir sozinho, em um centro cultural, ao último filme do cineasta Ang Lee, Desejo e Perigo.
Paixão – O Fluminense. “É uma paixão que me consome muito, mas não consigo me livrar dela. Quando me perguntam qual o meu time em São Paulo, explico que paixão a gente só tem uma na vida, mesmo que ela não venha dando muitas alegrias.”
Lazer – Passa os fins de semana em seu “retiro”, como chama a fazenda no Vale do Paraíba, a duas horas de São Paulo, onde costuma reunir a família. “Como não é produtiva, acho estranho chamar de fazenda. Se me perguntam o que tenho na minha, respondo: despesa”.
Cuidados com a saúde – “Aos 74 anos, preciso ter alguns. Outro dia fiz uma extravagância, andando de bicicleta contra o vento, e ganhei uma contratura nas costas.”
Livro de cabeceira – Dom Quixote, de Miguel de Cervantes. “Um dos momentos mais bonitos que assisti no teatro foi ao Dom Quixote interpretado por Paulo Autran. Dei para me emocionar depois de velho.”
Uma inspiração – O advogado José Luiz Bulhões Pedreira. “Era uma pessoa com quem se podia contar, além de uma personalidade admirável.”
Mania – Não consegue deixar nada fora do lugar. “Se vejo uma garrafa no caminho, pego e jogo no lixo. Minha mulher brinca que é TOC (transtorno obsessivo compulsivo).”
Viagem marcante – Para o deserto do Atacama, no Chile, e um safári fotográfico no Quênia. “Este ano estive na Flip, feira literária de Paraty (RJ), e foi como tirar quatro dias sabáticos.”
Otimismo x pessimismo – Considera-se otimista, mas tem adotado um tom “realista” para plateias estrangeiras. “Como ‘vendedor’ do Brasil no exterior, experimentei três momentos: nos anos 60, éramos o País exótico. Na fase seguinte, tínhamos que explicar como uma nação com tanto potencial não tinha moeda. Agora, estamos despertando o deslumbramento. Eu explico que realmente evoluímos muito, mas ainda temos problemas estruturais sérios para enfrentar.”
Crise – “Nunca as previsões estiveram tão desmoralizadas como atualmente. A crise atual não foi prevista. Mesmo no Brasil, a extensão foi muito menor do que se imaginava.”
Conselho para quem está começando – Descobrir a si mesmo e não deixar de fazer o que gosta por causa de dinheiro. “É importante trabalhar com quem você respeite. Se tive algum sucesso na vida foi porque escolhi e dei valor às pessoas com quem trabalhei.”
Uma vitória – A criação da CVM. “No aniversário da autarquia, funcionários antigos me procuraram para falar como os princípios criados por mim e pelo colegiado são importantes até hoje.”

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